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Ex-auxiliar de Mourinho, brasileiro desmistifica imagem de arrogante do treinador

Baltemar Brito (ao fundo) foi o braço direito de José Mourinho por quase dez anos - Ben Radford/Getty Images
Baltemar Brito (ao fundo) foi o braço direito de José Mourinho por quase dez anos Imagem: Ben Radford/Getty Images

Luiz Paulo Montes e Ricardo Espina

Do UOL, em São Paulo

12/02/2013 06h01

José Mourinho carrega a imagem de ser um técnico vencedor, mas ao mesmo tempo sofre com a fama de arrogante e de não ter muita afeição a brasileiros. Com a experiência de ter trabalhado por quase dez anos ao lado do português, Baltemar Brito afirma de forma categórica: “Isso é coisa de quem não o conhece”.

Brito foi o braço direito de Mourinho desde o início da carreira dele como treinador. Juntos, tiveram momentos vitoriosos no Porto, no Chelsea e na Internazionale, embora o brasileiro já não estivesse mais tão próximo do português no clube italiano. Foi tempo suficiente para o ex-auxiliar conhecer bem as características do Special One e adotá-las para sua carreira.

O brasileiro conhece Mourinho de longa data. Antes de trabalharem juntos, os dois jogaram lado a lado no Rio Ave, no começo da década de 80. O time era comandado por Félix, pai do atual treinador do Real Madrid. A carreira dos dois seguiu caminhos diferentes e eles voltaram a se encontrar em 2001, já do lado de fora dos gramados.

Mourinho fazia parte da comissão técnica do União Leiria e chamou Brito para ajudá-lo. Começava ali uma parceria que durou até 2010, quando o brasileiro aceitou o convite para treinar o Belenenses. Após passar pelo futebol líbio, onde treinou dois clubes, o brasileiro deixou o país africano após a grave crise política que o afetou.

Atual treinador do Grêmio Osasco, da segunda divisão paulista, Brito tenta utilizar as lições aprendidas com tantos anos de parceria com Mourinho. Em entrevista ao UOL Esporte, o ex-zagueiro de 61 anos desmistificou a imagem de que o português é arrogante e supostamente não gostaria muito de jogadores brasileiros – boato reforçado pelas poucas oportunidades dadas a Kaká. Além disso, ele relembrou as dificuldades passadas na Líbia

 

UOL Esporte: Qual foi sua primeira impressão sobre Mourinho quando o conheceu?
Brito: Eu o conheci quando ele tinha uns 17, 18 anos. Não deu para ter impressão alguma, foi algo muito vago. A gente jamais imaginava que ele se tornaria o que é hoje.

UOL Esporte: Como começou seu trabalho como auxiliar de Mourinho?
Mourinho precisava de um treinador e eu não falava com ele havia uns sete, oito anos. Ele descobriu meu telefone e, para minha surpresa, quando recebi a chamada, nem lembrava que o Mourinho existia. Quando disse que era para trabalhar com ele, aceitei na hora. (Ao fazer o convite) Ele foi objetivo como é sempre.

UOL Esporte: Você costuma falar com ele com frequência?
Brito: Já faz algum tempo que não falo com ele, porque não vivemos agarrados, grudados um no outro, mas temos uma boa e salutar amizade e respeito.

UOL Esporte: Há uma imagem de que o Mourinho é uma pessoa arrogante. Você concorda com esta visão?
Claro que não. Essas pessoas que falam dele não o conhecem. Lógico que ele não vai ser aberto a todo mundo, como qualquer pessoa também não é. Cada um tem seu espaço. Ele é bastante reservado.

UOL Esporte: Você acha que o Mourinho é o melhor técnico do mundo hoje?
Brito: Eu o considero o melhor do mundo. Não destaco pontos positivos dele porque são vários.

UOL Esporte: Você se inspira em alguma qualidade do Mourinho em seu trabalho hoje?
Brito: Faço o trabalho do dia a dia, que ele executava e procuro fazer muitas coisas. Agora, eu não me espelho nele porque cada um tem seu jeito próprio e cada um tem seu jeito de viver e conviver. Quando a gente quer imitar os outros a fotocópia sai sempre errada.

UOL Esporte: Como é a relação de Mourinho com brasileiros? Como ele não dá muitas chances ao Kaká, há boatos de que ele não teria bom relacionamento...
Brito: (Irritado)Todas as funcionárias da casa dele são brasileiras, e isso já há bastante tempo. As pessoas querem falar alguma coisa dele e falam pra caramba.

UOL Esporte: O Mourinho tem enfrentado muitas críticas no Real Madrid. Na sua opinião, o que está acontecendo com ele?
Brito: Não sei dizer porque não tenho acompanhado muito, mas sei que isso é um caso ímpar na vida dele. Mourinho sempre é habituado a lutar por títulos até o final. Nesta altura, ele se encontra quase que arredado definitivamente (no Espanhol), mas tem a possibilidade de ganhar a Liga dos Campeões. Se isso acontecer, será um marco na vida dele. Há muito tempo não falo com ele e só escuto pela televisão e às vezes leio alguma coisa nos jornais. Como sei que muitas coisas são acrescentadas, não quero comentar. Pode não ser verdade.

UOL Esporte: Como era seu relacionamento com Mourinho? Como ele o tratava?
Brito: Era uma relação de amizade, não só de trabalho. Era tranquilo, sem problemas.

UOL Esporte: No Chelsea, o Felipão encontrou muitos problemas com os ‘senadores’ do time, como Cech, Lampard, Drogba. Vocês também encontraram estas dificuldades?
Brito: O relacionamento do Mourinho com os jogadores sempre foi muito franco e muito aberto. Não tivemos problemas de espécie alguma. Nem eu nem ele, principalmente.

UOL Esporte: Por que você não o acompanhou no Real Madrid?
Brito: Nessa altura, já estava fazendo minha adaptação para começar minha carreira solo. Antes de trabalhar com ele, já era treinador. Fiz isso quando ele estava na Internazionale. Estava com ele na Itália, mas já não dentro de campo e sim fora. Fazia observação de jogadores em algumas equipes.

UOL Esporte: Qual foi o jogador com o qual o senhor mais gostou de trabalhar?
Brito: Isso é um bocado difícil. Jogadores têm o seu momento. Quando trabalhamos, somos profissionais e não se tem uma admiração por a ou b. Todos são tratados da mesma maneira, até por que isso não é uma situação constante. Os jogadores têm seus altos e baixos. Não se pode tratar a em detrimento de b.

UOL Esporte: Nos seus trabalhos ao lado de Mourinho, qual foi o mais marcante?
Brito: Acho que todos os trabalhos foram bem feitos. Quando você está em um clube e ganha, é campeão e ganha quase tudo o que se tem para ganhar, todos são bem feito. Fica difícil destacar um, seria penalizador. Todos têm uma emoção, uma crescida.

UOL Esporte: Sente vontade de trabalhar novamente com Mourinho?
Brito: É difícil responder, porque quando se trabalha como auxiliar a situação é uma e como treinador principal é outra. Não houve uma quebra de relação. Cada um tem sua vida da maneira como entende. Para ser amigo não precisa estar sempre junto.

BALTEMAR BRITO: CARREIRA CONSTRUÍDA EM PORTUGAL

  • Ricardo Espina/UOL

    Baltemar Brito nasceu em Recife e começou sua carreira como zagueiro no Sport e no Santa Cruz nos anos 70. Em seguida, foi para Portugal, onde passou a maior parte de sua carreira como jogador. Ele atuou por Vitória de Guimarães, Paços de Ferreira, Feirense, Rio Ave, Vitória de Setúbal e Varzim. Neste último clube, ele começou como treinador. Ao lado de Mourinho, ele conquistou os títulos da Liga dos Campeões, Copa Uefa, Inglês e Português, entre outras taças

UOL Esporte: Como foi sua experiência na Líbia?
Brito: Foi uma experiência muito boa e curiosa porque nunca havia estado na África. Foi algo muito rico porque encontrei uma cultura totalmente diferente, como a língua, o modo de as pessoas se vestirem, a postura. Quando cheguei lá, estava com um crucifixo e me aconselharam a tirar. Depois, ninguém toma banho junto no vestiário. Ninguém fica nu na frente do outro. São coisas totalmente diferentes de nossa cultura e precisamos nos adaptar.

UOL Esporte: O que chamou mais a sua atenção lá?
Brito: Tive que modificar o horário do treino por causa das rezas. Quando chegamos nesses lugares, precisamos nos adaptar aos costumes da terra. A religião para eles é tudo. A reza está acima de tudo. Não estava habituado a isso. A gente sempre escuta algumas coisas, mas é totalmente diferente quando se está in loco. Você vê as pessoas parando no meio da rua, deixando as portas abertas e rezando. Em todo lugar que você vai, há um tapete próprio para o pessoal rezar. Em todos os quartos de hotéis há uma seta apontando a direção de Meca (cidade sagrada para os seguidores do Islamismo), para dar o posicionamento a quem vai rezar. Há uma série de situações com as quais você não está muito habituado e fica admirado.

UOL Esporte: Durante sua passagem pela Líbia, o país vivia um momento político complicado. Chegou a presenciar alguma cena forte?
Brito: Quando cheguei lá, estava tudo tranquilo. Na verdade, tudo aconteceu uns três, quatro dias antes de sair de lá. Aquilo começou a enrolar. Tive que fugir, mas só senti um clima de tensão muito grande, muito forte pela televisão, mas não vi nada. Um jornal português disse que eu tinha visto gente morta na estrada, mas não vi nada disso, nada que me impressionava. Vi sim, no aeroporto, uma multidão tremenda. Claro, fiquei com um bocado de receio, mas nada que me traumatizasse.

UOL Esporte: Você disse que teve que fugir... O que houve?
Brito: Estava todo mundo fugindo e os vôos comerciais estavam fechados. Um avião da força aérea portuguesa foi até lá para repatriar os portugueses. Como tenho cidadania portuguesa, também fui. Deixei tudo. Até hoje não existe futebol na Líbia. Estão pensando em voltar agora em julho, agosto.

UOL Esporte: Voltaria a trabalhar na Líbia?
Brito: Agora estou imbuído neste projeto e não pensei nisso ainda. Não quero pensar em coisas futuras, sem alicerce, mas foi uma boa experiência, principalmente quando se é bem-sucedido. Em doze jogos, ganhamos dez e empatamos dois. Foi uma boa campanha e me deixou bastante confortável com relação à profissão.

UOL Esporte: Como surgiu o convite para trabalhar no Grêmio Osasco?
Brito: Já tinha o pensamento de voltar ao Brasil. quando vim ao Brasil para fazer um programa de TV, um amigo me convidou para ver o Grêmio Osasco, que estava fazendo uma parceria com o Braga. Vim, fui apresentado às pessoas e gostei do ambiente e do que vi. Chegamos a um consenso e pronto, estou eu aqui.