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Sem emprego, Roth procura trabalho em Portugal: "Minha fama de retranqueiro é injusta"

Treinador falou sobre a fama de retranqueiro que carrega ao longo da carreira  - Washington Alves/Vipcomm
Treinador falou sobre a fama de retranqueiro que carrega ao longo da carreira Imagem: Washington Alves/Vipcomm

Luis Augusto Simon

Do UOL, em São Paulo

17/04/2013 12h00

O gaúcho Celso Roth, de 55 anos, está negociando para dirigir o Sporting de Portugal. Uma aposta dos dirigentes para tentar fazer sombra aos gigantes Benfica e Porto. É sempre assim: quando a situação não está boa, os dirigentes chamam Roth. Há um respeito muito grande por esse treinador, que já dirigiu nos quatro grandes centros do país. Não tem, porém, o mesmo amor por parte da torcida. É chamado de "retranqueiro" pela maioria. Há um fake de Roth no twitter, sempre repetindo o bordão "cau-te-la, cau-te-la".

Formado em Educação Física, Roth trabalha muito. Organiza vários setores do departamento de futebol e aposta sempre em times organizados, compactos e rápidos no contra-ataque. Conviveu muito tempo com a pecha de trabalhar bem mas não ganhar títulos. Quando venceu a Libertadores, assumindo o lugar do uruguaio Fossati no Inter, houve uma trégua. As cobranças aumentaram quando foi derrotado pelo Mazembe, no Mundial Interclubes.

Retranqueiro, organizado, sem sorte, injustiçado, há controvérsias sobre Roth. O que todos concordam é que ele sabe muito bem negociar um contrato. Está sempre em grandes times e ganhando bem. Abaixo, sua entrevista ao UOL Esporte.

UOL Esporte: Você já trabalhou nos quatro grandes centros do futebol brasileiro. É possível fazer uma análise do grau de profissionalismo que rege as relações clube-treinador? Os contratos são cumpridos. Dirigente pensa em projeto ou não resiste a uma série de três derrotas?

Celso Roth: A situação está igual em todos os centros e nas mais diversas divisões do futebol brasileiro. O que conta é o resultado. Ganhar ou ganhar. Não importa de quem nem como. Precisa ganhar. São poucos os clubes que bancam treinador hoje em dia. Os que têm feito isso, dando respaldo ao trabalho, têm colhido frutos.

UOL Esporte: O Flamengo demitiu Dorival Jr. argumentando que não poderia mais pagar seus salários, que girariam em torno de R$ 700 mil. Você acha que o mercado brasileiro pode pagar tanto para um treinador? Técnico brasileiro ganha mais que técnico estrangeiro?
Celso Roth:
Quem dita valores é o mercado. Os valores oscilam. O clube oferece bons contratos quando quer um bom profissional. Se é dez ou 100, ai vai de cada um, de cada negociação. Não falo sobre salários no Exterior. É uma realidade que não vivo.

UOL Esporte: Você defende a continuidade. Mas ela é sempre boa? Vamos ver um exemplo de 2010, quando São Paulo e Inter se enfrentaram na Libertadores. Ricardo Gomes, do São Paulo, e Jorge Fossati, do Inter, estavam mal. O São Paulo manteve. O Inter trocou Fossati por você, que foi campeão. Nesse caso, a continuidade seria correta?
Celso Roth: Neste caso específico, a direção do Inter fez a leitura de que era necessário uma correção de rota. Acharam que havia risco no projeto Libertadores e trocaram. O São Paulo fez uma avaliação diferente. Acontece.

Atrito com o São Paulo

UOL
Não fiz nenhum desabafo. Aconteceu que na ocasião, acho que ano retrasado, eles foram jogar em Porto Alegre e o ambiente do lado deles era de um jogo comum, que ganhariam normalmente. Mas no Sul não é assim, sempre é brigado. Ganhamos e após a partida eu lembrei que das últimas partidas contra o São Paulo eu tinha vencido cinco, empatado duas e perdido apenas uma. O Adalberto Batista (diretor de fuitebol, foto) não gostou e rebateu. Fez o papel dele. Normal.

UOL Esporte: Você é reconhecidamente um treinador que sabe cuidar bem da carreira. Qual é a sua tática? Prefere esperar espaço em um grande time do que assumir um de menor expressão? É verdade que você não sai de casa por menos de R$ 400 mil mensais?
Celso Roth: Quando me engajo no projeto de um clube, minha dedicação varia de 12 a 14 horas por dia. Sendo assim, só posso ir para um lugar onde eu acredite que as coisas vão andar bem. Meu salário está sempre dentro do que o mercado paga. Eu não trabalho ou deixo de trabalhar por causa disso. Há muita fantasia nos valores que são divulgados. 

UOL Esporte: Existe agora a possibilidade de você trabalhar em Portugal? Pensa que pode ser uma ponte para Ligas mais fortes da Europa?
Celso Roth: A questão de Portugal não é de agora. Nas últimas duas temporadas, e para a próxima também, sempre recebo convites. Os europeus conhecem os jogadores brasileiros e também os treinadores, pois quando observam atletas daqui, acabam analisando o que as comissões técnicas fazem. Posicionamento, postura, organização. Há uma conversa com uma equipe tradicional de lá. Vamos ver o que acontece.

UOL Esporte: Sua demissão do Palmeiras, quando o time liderava o campeonato, foi a mais esdrúxula que você enfrentou? E essa no Cruzeiro, depois de arrumar a casa?
Celso Roth: Teve a do Palmeiras liderando, Grêmio liderando, Inter classificado na Libertadores. Faz parte. Eu penso assim: enquanto estou no clube, dou meu máximo, dentro daquilo que acredito e pratico. Se a direção não se sente confortável, tem todo o direito de me tirar. Não guardo mágoas, só fico um pouco ressentido na hora, pois sempre me programo para ter sucesso no projeto que começo. No Cruzeiro, não houve nada de mais. Achei que eles estavam indecisos sobre o futuro. Ai avisei a eles que não pretendia ficar. Acabou o contrato e eu sai.

UOL Esporte: Qual o motivo de sua bronca com o São Paulo? Houve uma sondagem que não se concretizou? Por que aquele desabafo após uma vitória do Inter?
Celso Roth: Bronca nenhuma. O São Paulo é um clube organizado, com boa formação nas categorias de base e que sempre briga por títulos. Nunca houve uma proposta oficial do clube para mim. E também não fiz nenhum desabafo. Aconteceu que na ocasião, acho que ano retrasado, eles foram jogar em Porto Alegre e o ambiente do lado deles era de um jogo comum, que ganhariam normalmente. Mas no Sul não é assim, sempre é brigado. Ganhamos e após a partida eu lembrei que das últimas partidas contra o São Paulo eu tinha vencido cinco, empatado duas e perdido apenas uma. O Adalberto Batista não gostou e rebateu. Fez o papel dele. Normal.

UOL Esporte: Você é muito respeitado por dirigentes tanto do Inter como do Grêmio. Mas não tem o amor das duas torcidas, tem? É possível se manter neutro em um ambiente tão dividido como no Rio Grande do Sul?
Celso Roth: É possível conviver bem no Sul, sim. Os dirigentes da dupla Gre-Nal me respeitam porque conhecem meu trabalho e a minha dedicação. Quanto a não despertar amor na torcida, tem muito a ver com os formadores de opinião locais. Alguns para os quais a "grama do vizinho é sempre mais verde". Muitas vezes os treinadores de fora montam times com investimentos bem maiores do que os que eu tive, e conseguem resultados abaixo do meu patamar. Mesmo assim, são endeusados. E eu contestado. Mas não tenho ressentimento com isso. Apenas falo pouco e trabalho.

Mazembe, o pesadelo

Jefferson Bernardes/Preview.com/AE
A questão do Mazembe é uma espécie de "Maracanaço". Todo mundo tem um opinião, uma versão, um juízo, mas ninguém vai ser capaz de explicar. Alguma coisa falhou, algo deu errado. Perdemos um jogo totalmente controlado, com diversas chances de gol. Ficou marcado, mas não fico pensando se foi ou não o pior momento da minha carreira.

UOL Esporte: Foi você que lançou Diego e Robinho. Mesmo assim, conviveu por muito tempo com a fama de "retranqueiro. Ela é injusta? De onde ela vem?
Celso Roth: Colocar Diego e Robinho pra jogar não foi difícil. A maior dificuldade foi fazê-los entender o que viria pela frente e como deveriam se portar. Diego e Robinho vingaram, mas muitos tão bons quanto eles se perderam no caminho. Não é a toa que hoje temos dificuldade de valores na seleção. Sobre a fama de retranqueiro, claro que acho injusta. Ela vem do meu início de carreira, por causa de desentendimentos que tive com alguns setores da imprensa do Rio Grande do Sul. Mas isso é uma coisa que não me afeta. Vejo treinadores badalados jogarem com até quatro volantes e ninguém falar nada. Cada um que cuide do seu time e trate de vencer, pois a culpa sempre é do treinador.

UOL Esporte: Apesar de ser um profissional muito reconhecido, você conviveu por muito tempo com a cobrança por títulos. Então, ganhou a Libertadores e isso passou, Porém, em seguida, foi eliminado pelo Mazembe no Mundial. Foi a maior decepção de sua vida? O que aconteceu naquele jogo?
Celso Roth:
A questão da ausência de títulos de grande porte era um argumento dos meus críticos. Alguns cessaram, outros apenas mudaram o tom. Mas são coisas que não me tiram o sono. A questão do Mazembe é uma espécie de "Maracanaço". Todo mundo tem um opinião, uma versão, um juízo, mas ninguém vai ser capaz de explicar. Alguma coisa falhou, algo deu errado. Perdemos um jogo totalmente controlado, com diversas chances de gol. Ficou marcado, mas não fico pensando se foi ou não o pior momento da minha carreira. Tive momentos tão difíceis quanto, mas em outra dimensão, no começo da carreira. E os superei, senão hoje não estaria aqui. Como muitos colegas que mesmo tendo qualidade, não conseguiram chegar num clube grande.

UOL Esporte: Os técnicos brasileiros, em sua grande maioria, adotam o 4-2-3-1. Você gosta desse sistema? Quais as vantagens e desvantagens?
Celso Roth: A nomenclatura tem importância só pra quem está de fora explicar o posicionamento. Mas o que mais vale é a dinâmica de jogo. Eu gosto do 4-2-3-1 do meu jeito, que é diferente da maneira o técnico "A" monta o dele, que já não é igual ao usado pelo técnico "B". Na maneira como vejo o sistema,  a transição do meio pro ataque é rápida e busca atacar o adversário de forma compacta, com imposição física, presença contundente...

UOL Esporte: Quais conceitos futebolísticos te agradam? O que um time vencedor precisa ter?
Celso Roth: O time tem que ter qualidade técnica em primeiro lugar.  Equilíbrio. Jogadores com capacidade intelectual, força física e velocidade. Junta isso com planejamento criterioso, respaldo da diretoria, sequência de trabalho e ai você está o caminho de formar um time vencedor.

UOL Esporte: No Brasil, a partir de 1994, criou-se uma dicotomia futebol bonito x títulos. Dunga foi o porta-voz disso, dizendo sempre que o importante é vencer e não jogar bonito. Referia-se principalmente ao time de 1982. O que você acha disso. É possível encantar e ser campeão?
Celso Roth: Já se passaram quase 20 anos disso. É um tempo grande para o futebol, que é muito dinâmico. Na minha maneira de ver, houve a influência  do cotidiano no futebol. Até a Copa de 2002, havia uma busca por um time, um modelo campeão, que foi o que acabou acontecendo com a tal Família Scolari e o título. O Felipe foi chamado para domar as individualidades, coisa que havia feito bem no Grêmio e no Palmeiras com ótimos resultados. Na seleção deu certo também. Um pouco depois disso, as individualidades prevaleceram. Hoje, se o Santos ganha, foi o Neymar que ganhou. Se o Atlético-MG vence, é show do Ronaldinho. E assim vai.