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Clubes conquistam torcida com vídeos de bastidores, mas irritam técnicos

Luiza Oliveira

Do UOL, em São Paulo

11/06/2013 06h02

Em um momento de descontração com os companheiros no vestiário, Seedorf chega a fechar os olhos para cantar os versos de ‘One Love’, de Bob Marley. Rogério Ceni se exalta ao tentar motivar o São Paulo antes de uma partida decisiva pela Libertadores. Os técnicos Oswaldo de Oliveira e Dunga fogem da ‘regra atual’ e adotam discursos nada politicamente corretos em suas preleções. E quem poderia imaginar Muricy Ramalho cantando Roberto Carlos?

Os principais clubes do Brasil vêm conquistando torcedores e patrocinadores com vídeos exclusivos e autênticos, na contramão das informações cada vez mais ‘pasteurizadas’ das coletivas e notas oficiais.

O tema é livre. Pode ser um viral de internet que se transformou em uma brincadeira, um momento íntimo no vestiário que jornalista nenhum teria acesso e até uma paródia de uma famosa propaganda da televisão.

A Santos TV, canal oficial do time do litoral, se popularizou com o fenômeno Neymar e uma boa dose de criatividade. Os clipes feitos com a música ‘Call me maybe’, da cantora canadense Carly Rae Jepsen, e a canção romântica de Roberto Carlos “Esse Cara Sou eu”, em homenagem ao Dia da Mulher, fizeram sucesso e contaram com a participação de funcionários, jogadores e até do rabugento Muricy.

O canal tem fãs em países como Brasil, Portugal, Estados Unidos, Colômbia, Argentina, Itália, México, França, Alemanha, Japão e Turquia e é transmitida com legendas em inglês. De acordo com dados fornecidos pelo Santos, já é a quinta TV de clubes do mundo com maior número de visualizações. São quase 85 milhões de acessos desde a sua criação no fim de 2009. Perde apenas para Manchester City, Real Madrid, Milan e Barcelona. Na média mensal só fica atrás dos ingleses.

“Quando foi criada, pensamos em trazer o nosso torcedor, o fã do Santos, para dentro do clube. Se você vir a TV, não tem repórter. É o atleta falando diretamente para a câmera, a câmera é o olho do torcedor no clube”, diz o editor Clayton Galvão.

A visibilidade vem dando lucros. Segundo Galvão, o canal gera cerca de R$ 20 a 30 mil por mês ao clube com anúncios do You Tube. A loja virtual de artigos esportivos Netshoes teve uma parceria com a TV em 2010 e 2011 que rendia em torno de R$ 5O mil por ano.

São Paulo e Corinthians não ficam atrás. O time do Parque São Jorge já tem uma página com quase 4 milhões de fãs no Facebook e, desde dezembro, quando o time foi campeão mundial no Japão, voltou a investir em seu canal no You Tube.

As produções são feitas com linguagem própria para internet de olho no público jovem que não se desgruda de seus smartphones e, por consequência, passa mais tempo navegando e compartilhando conteúdo nas redes sociais.

O viral da internet ‘Harlem Shake’ ganhou uma versão dos jogadores corintianos que fez muito sucesso e foi parar nos principais programas esportivos do país. Mas o que virou febre foi o vídeo ‘O Zizao está lendo’, uma paródia da propaganda da Caixa, patrocinadora do clube, em que o pequeno Dudu aprende a ler no carro com sua família.

  • Reprodução

Na brincadeira, o jogador chinês passeia em um carrinho de golfe pelo CT Joaquim Grava e mostra que aprendeu o idioma português ao ler os nomes dos patrocinadores nas placas de publicidades. Os investidores vibraram com a ação.

“O vídeo foi uma iniciativa do Corinthians, sem prévia aprovação da Caixa, mas constatamos que, pela quantidade de acessos e comentários na internet, a repercussão foi bastante positiva.”, avaliou a gerente executiva da empresa Simone Castelo Branco de Souza.

No Rio de Janeiro, os torcedores do Botafogo estão se envolvendo tanto com o projeto que chegam a enviar sugestões de pauta. As preleções e as comemorações de título como a do Campeonato Carioca são os vídeos recordistas de audiência, segundo a coordenadora de web e audiovisual do clube, Maria Julia Cancella.

“Queremos levar ao torcedor o que ele não consegue ter acesso no dia a dia, saber como é a rotina por trás do que a própria imprensa passa. No momento do título, todo mundo queria saber como aquilo foi conquistado, passo a passo”, disse. “Isso divulga mais a marca e valoriza todo o clube”.

Técnicos se irritam com vídeos

  • Vinicius Carvalo/PREVIEW.COM

Se os vídeos postados pelos clubes são garantia de sucesso entre os torcedores, não se pode dizer o mesmo entre os funcionários do clube. Técnicos e jogadores já se sentiram expostos por ter a privacidade invadida e reprovaram a divulgação de alguns conteúdos.

No próprio Botafogo, Seedorf não gostou de ver circulando na internet as imagens em que interpretava a música ‘One Love’, de Bob Marley. Ele disse ter se sentido um palhaço. O técnico Oswaldo de Oliveira também considerou desnecessária a exposição de uma preleção em que ele chama os jogadores rivais, no caso o Fluminense, de ‘putos’ e pede que seus comandados ‘metam a mão na cara’.

O mesmo aconteceu no Internacional com Dunga. Cenas dos bastidores da conquista do Campeonato Gaúcho foram parar na página colorada do You Tube. Dunga não gostou nada do que viu, especialmente por ver tornar público a frase em que diz aos jogadores para "mandar no próprio galinheiro, na casa que é o Rio Grande do Sul". O vídeo foi retirado do ar pouco depois.

O diretor de futebol do Internacional Luís Cesar Souto explica que todo conteúdo passa por uma avaliação da comissão técnica, diretoria e até do presidente antes de ir ao ar. Mas uma mudança no departamento de comunicação fez com que esse trajeto não fosse percorrido e o vídeo acabou sendo divulgado sem aprovação. Mas o cartola afirma que o problema já foi solucionado e que o canal continua sendo um sucesso entre os torcedores.

O blogueiro do UOL e especialista em negócios do esporte Erich Beting acredita que essas desavenças fazem parte de um processo de aprendizado que os clubes ainda estão passando por não terem domínio de uma nova mídia.

“Estão aprendendo com o tempo. O clube tem que entender que o jornalismo dele tem limite, é preciso preservar a imagem da instituição. O canal oficial não pode expor o clube de um jeito excessivo. Mas basta uma conversa para resolver. Chega para o técnico e pergunta: ‘vamos publicar, está bom?’. Tudo pode ser resolvido internamente”, disse ele, que elogia a percepção dos times e a exploração de novos conteúdos.

“Eu acho que os clubes finalmente se perceberam como mídia. Eles não precisam passar pela imprensa primeiro para chegar ao torcedor, é um canal direto. Eles têm os jogadores, isso repercute e gera ganhos para o clube. Pode não gerar receita, dinheiro direito, mas gera identificação do atleta com o clube, proximidade do torcedor. Se for bem planejado, podem divulgar campanhas, ações sociais ou até fazer com que o torcedor fique menos ‘P da vida’ com algum resultado negativo”, avalia.