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Edu defende organizadas, mas diz que atletas não precisam dar satisfação

Gustavo Franceschini e Luis Augusto Simon

Do UOL, em São Paulo

03/09/2013 06h58

Em 2000, quando deixou o Corinthians pela primeira vez, Edu Gaspar saiu em meio à enorme turbulência de uma eliminação na Libertadores, e na época conversou, por opção, com dirigentes da Gaviões da Fiel. Treze anos depois, hoje gerente de futebol do clube, o ex-volante relembra o episódio e diz que não é papel do jogador dar essa satisfação, mas não se opõe a conversas como a que Emerson Sheik teve há duas semanas com o grupo.

“Ali foi uma situação distinta. Estava sendo criado muito burburinho sobre o Emerson ter feito por querer, se queria sair ou não. E aí começou esse tumulto todo. Nós queríamos cortar isso na raiz. Falamos que o Emerson teria de parar de falar sobre isso daí na imprensa. E eu preciso que os caras não venham cobrar o Emerson de uma coisa que não é verdade. Conversei com o Emerson sobre essa possível conversa [com a torcida] e ele disse que também gostaria de conversar para explicar sobre esse zum-zum-zum. E foi mais tranquilo do que todo mundo imagina”, disse o gerente de futebol, em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

O episódio foi um dos mais recentes, mas não o único na relação conturbada das organizadas com o clube. Edu Gaspar defende, no entanto, que as torcidas não sejam avaliadas de maneira institucional, e exalta o lado bom dos grupos. Para ele, assim como para as próprias organizadas, a punição tem de ser individual.

“Tem o lado bom, a gente não pode esquecer. A gente não pode falar em organizada, tem de falar das pessoas. A instituição eu já fui e vou na quadra, conheço integrantes, não escondo isso daí. Às vezes são pessoas que estão no meio de uma boa torcida e acabam prejudicando um bom trabalho”, disse o dirigente.

Na entrevista, Edu Gaspar vai além da questão das organizadas. Em mais de uma hora de conversa, o gerente corintiano explicou seu papel no clube, falou das novidades que trouxe ao dia-a-dia alvinegro desde sua chegada, no início de 2011, e relembrou histórias de seus tempos de jogador, como as brigas em campo, um flagra em uma balada e o atrito com Mano Menezes.

Leia a íntegra da conversa a seguir:

UOL Esporte: Edu, qual é exatamente o seu cargo e quais são as suas atribuições?
Edu Gaspar:
Meu cargo é de gerente de futebol, minhas atribuições são muitas. Na verdade, é mais do que eu realmente esperava a princípio. Tenho uma preocupação com todo o departamento de futebol. Me preocupo muito com o departamento, com a preparação física, o departamento médico, a comissão técnica, os atletas e os funcionários, porque o departamento de futebol é isso, não são só os atletas. 

UOL Esporte: Como você se preparou para esse cargo?
Edu Gaspar:
 Tive três escolas, o Brasil, a Inglaterra e a Espanha. Peguei um pouquinho de cada um. Entrei nesse cargo e me inscrevi em um curso. Não vou citar o nome, mas foi um curso muito básico, de um ano, de gestão esportiva e eu parei no meio. Vi que as pessoas ainda não estavam preparadas. Depois disso, entrei no curso da Fifa de gestão esportiva na FGV [Fundação Getúlio Vargas]. Completei só quatro módulos porque fomos para o Japão. Conversei com o tutor e acabei pedindo um tempo. A minha experiência é mesmo o dia-a-dia. E muita coisa aqui é meio autodidata. Longe de arrogância, mas procurando pesquisar coisas, conversando com o departamento, buscando melhorias. 

UOL Esporte: Você viu “O Homem que mudou o jogo” (Moneyball, no título original)?
Edu Gaspar: Sim.

UOL Esporte: Quando você chegou aqui, você falava em um sistema de scout (monitoramento de jogadores).
Edu Gaspar:
Já está implantado.

UOL Esporte: Tem a ver com a lógica do filme, de não depender tanto de olheiros?
Edu Gaspar:
Sem dúvida nenhuma. Essa daí eu peguei um pouco da Inglaterra. Tive o prazer de ser muito próximo do Arsene Wenger [técnico do Arsenal], e de ver como ele contratava os atletas. Um dia eu entreguei para ele uma fita do Gilberto Silva, e anexo à fita ele já tinha um documento do Gilberto Silva. Era um livrinho que tinha tudo dele. Nós vimos juntos a fita e ele folheava, folheava, folheava, e voltava, voltava. Realmente com a análise de aleta.

Nota da Redação: “O Homem que Mudou o Jogo” é baseado em uma história real sobre um time de beisebol que passou a ter bons resultados depois de basear seu jogo em uma análise estatística, deixando para trás avaliações pessoais de olheiros veteranos e revolucionando a liga norte-americana e a forma de se pensar o esporte.

UOL Esporte: Esse sistema privilegia o jogador mais constante. Alguém como o Garrincha, por exemplo, seria aprovado?
Edu Gaspar:
O serviço de scout é mais uma ferramenta pra nos ajudar a contratar melhor. Às vezes, o atleta não tem um scout tão favorável pela idade, pela liga que ele joga, mas tem um potencial técnico fora do comum. Aí a gente avalia a parte técnica. E aí vai formando o quebra-cabeça. 

UOL Esporte: O Arsene Wenger é um formador de talentos reconhecido, mas há anos não vem conseguindo formar times campeões. Como fazer diferente aqui?
Edu Gaspar:
Você precisa entender muito o clube. Hoje o Arsene não está dando muito título, só que a parte econômica é saudável. Ele contrata jogadores jovens, bota para jogar e vende com valores bons. Hoje o Arsenal tem um dono, precisa entender o que o dono quer. Ele quer títulos ou um clube economicamente saudável? O Corinthians é muito cobrado por títulos também. Quando você consegue equilibrar títulos com uma parte econômica saudável, a gente está falando em excelência. 

UOL Esporte: O Corinthians passa por um processo de europeização?
Edu Gaspar:
Não sei se é europeização. Porque tem clubes na Europa que são diferentes. Você vê o Arsenal, aí vê o Manchester City, aí vai no Manchester United, aí você vai no Milan... São clubes que têm características diferentes. A gente tem a nossa, do presidente, do Duilio, do Roberto, nosso corpo diretivo. Já tem um conceito. Quando eles me contrataram, uma das primeiras perguntas que eu fiz foi se eles querem excelência no futebol ou querem continuar brigando como sempre brigamos. A resposta na época foi: “Queremos excelência”. Quando falamos nisso, falamos em estrutura, não só de atletas. Não adianta ter uma Ferrari na mão e não ter bons mecânicos. A Ferrari não vai andar. Tem de ter grandes atletas, mas tem de mexer na estrutura. Muitas vezes isso tem um custo para o clube, que já entendeu que não é mais custo, é investimento. Fazer departamento de scout não é barato, por exemplo. Precisa contratar gente, ter programas caros para acompanhamento. 

UOL Esporte: Como isso funciona? Se vocês querem um volante, por exemplo, vocês identificam os jogadores e começam o scout ou já têm isso feito?
Edu Gaspar: Se falar um nome do Chipre, sem exagero, eu tenho tudo na minha mão em meia hora. O sistema que eu tento colocar aqui é de trás para frente. Antigamente, era muita indicação de atleta que vinha bem. Só que muitos desses atletas eram caras [de posições] que nós tínhamos no elenco e vinham pelo momento. Então hoje eu sento com a comissão técnica e a gente avalia nossas necessidades e nossas carências. A partir daí sento com o scout. “Aqui é que vamos ter de trabalhar para 2014”. A partir daí é que vamos falar de muitos nomes. Depois disso daí, a gente vai ver a ficha contratual. Depois de tudo isso eu sento com Tite, que é a última análise. 

Se falar um nome do Chipre, sem exagero, eu tenho tudo na minha mão em meia hora.

Edu, explicando o sistema de scout

UOL Esporte: Eles assistem a jogos o dia inteiro?
Edu Gaspar: Sim [risos]. Hoje existem profissionais especialistas em scout. Fizemos uma seleção com mais de 20 pra achar três. E é o dia inteirinho, os caras amam isso. Você entra lá e tem várias telas, informações. O scout não só vê o atleta para contratar. Eles passam informações também de times contrários. Isso é muito importante para a comissão técnica.

UOL Esporte: Neste fim de semana acabou o contrato do Defederico. Com todo esse sistema o Corinthians ainda corre o risco de fazer negociações como essa?
Edu Gaspar:
Eu não estava na negociação do Defederico e não sei como foi.

Nota da Redação: O argentino foi contratado por R$ 10 milhões em 2009, chegou a ser chamado de “Novo Messi”, e acabou sendo emprestado no ano seguinte, sem nunca retornar ao clube.

UOL Esporte: Independentemente do Deferico, o Corinthians ainda corre riscos de errar desse jeito em uma contratação?
Edu Gaspar: Independentemente de tudo isso que nós preparamos para contratar melhor, nós temos margem de erro também. Esse é o ponto. Só que errar, nós vamos errar. Às vezes o atleta tem uma baita ficha boa, um baita histórico, mas Corinthians é Corinthians. Outra coisa que faz a gente minimizar é o negócio de pegar o cara do interior e colocar de titular. A margem de erro é muito maior. Hoje a gente contrata e vai com calma. Cleber e Jocinei são exemplos. Entra com calma, conhece a parte tática, a característica, para depois colocar em um momento bom. Isso diminui muito a margem de erro. 

UOL Esporte: Você está no Corinthians desde os 5 anos de idade. Você é sócio do clube?
Edu Gaspar:
Sim. Eu, meu pai, minha mãe, minha mulher e meus filhos. Toda a minha família.

UOL Esporte: Tem vontade de ser conselheiro ou presidente um dia?
Edu Gaspar:
Não.

UOL Esporte: Nenhuma?
Edu Gaspar:
Não.

UOL Esporte: Não seria bom ter um ex-jogador no comando de um clube?
Edu Gaspar:
Muita gente me pergunta isso, até de maneira informal. Eu, quando entrei para esse lado, comecei a ver coisas que eu não via quando atleta. Ver hoje o que um presidente do clube faz para o Corinthians, tem de estar muito preparado. Eu vejo o dia-a-dia, estou muito em contato com o Mario [Gobbi], às vezes a gente conversa em tom de desabafo, de companheirismo, e vejo o quanto tem de estar preparado para assumir um lance desse. E hoje eu não me vejo.


UOL Esporte: Por quanto tempo você se vê como gerente de futebol do Corinthians?
Edu Gaspar:
Enquanto eu estiver feliz como estou. Enquanto estiver tendo a autonomia que eu tenho, enquanto tiver boa relação com meus diretores, isso me completa. Então não sei.

UOL Esporte: O Tite fala em ciclo de três anos para o técnico. Tem ciclo para o gerente de futebol?
Edu Gaspar:
Não sei. Até porque isso é tão novo, o executivo. A gente não tem parâmetros para comparar. Ah, aquele fez um baita trabalho e saiu. Isso eu não sei te responder, sinceramente.

UOL Esporte: Uma das propostas da ONG Atletas pela Cidadania é de que os clubes tenham, necessariamente, ex-atletas na direção. Você concorda com isso?
Edu Gaspar: Eu concordo, desde que sejam atletas preparados para tal cargo. Tem atletas que não têm perfil para colocar porque tem uma lei de que você precisa. Você tem de saber se é benéfico ou maléfico.

UOL Esporte: Mas aí teria de ter um parâmetro. Seria um curso superior, ou algo assim?
Edu Gaspar:
Não sei, aí já foge da minha esfera. O que eu sei é que pode ter atletas muito bem preparados para assumir tal função e outros que nem tanto. Pode até ser um tiro no próprio pé. Isso seria bom, sem dúvida, para ex-atletas terem um pós-carreira, mas que se preparem. O Morientes, que jogou comigo no Valencia, jogou no Real Madrid, está sendo treinador do Real no sub-15. O cara fez curso de treinador e tem vários módulos. Ele está no A, que acabou de começar, e só pode dar aula até o sub-15. Acho legal para caramba você incentivar os ex-atletas, estou falando da minha classe. Mas que se preparem.

Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians
Isso eu acho do c... Isso é demais. Eu quando vi eu fiquei orgulhoso do Paulo André.

Sobre o evento em que o zagueiro cobrou Marin publicamente

UOL Esporte: Você acha legal um atleta em atividade, como o Paulo André, expor suas opiniões?
Edu Gaspar:
Isso eu acho do c... Isso é demais. Eu quando vi eu fiquei orgulhoso do Paulo. Orgulhoso do próprio evento [Edu faz referência ao encontro em que o zagueiro pressionou José Maria Marin, presidente da CBF, na última semana]. Não tinha um evento desses há quanto tempo, com o presidente aberto a ouvir perguntas? 

UOL Esporte: Seu cargo impede que você também faça isso?
Edu Gaspar:
Eu tenho de ter certo cuidado, porém, tenho de me expressar também. Tenho de ter minha crítica ou elogio. Só que tenho de saber onde eu piso para não prejudicar a instituição.

UOL Esporte: Como vocês estimulam para que existam outros "Paulo Andrés"?
Edu Gaspar:
Eu digo internamente, hoje a gente dá muita liberdade para os atletas. Todos se sentem muito à vontade para falar de tudo, minhas portas estão abertas para tudo. Você automaticamente dá liberdade para muita discussão. Muitas vezes o que eu converso com o Tite, e a gente tem alguma dúvida, nós mesmo falamos: “Vamos discutir com os caras”. Reúne todo mundo e vê o que eles acham.

UOL Esporte: Tem como você dar um exemplo de quando isso acontece?
Edu Gaspar:
Quando temos um clássico importante, muitas vezes se concentra dois dias antes. Eu e o Tite ficamos: “Pô, vamos? Não vamos? Vamos falar com os atletas”. Chega e diz: “Olha, estamos pensando em concentrar dois dias antes”. E às vezes eles dizem: “Vamos concentrar um dia só, porque estamos cansados, não vai ter problema, vamos nos cuidar”. E aí tá tudo certo. Quando se trata da verdade, não tem problema.

UOL Esporte: Você tinha concentração na Europa?
Edu Gaspar:
No Arsenal não, no Valencia sim. No Arsenal eu só concentrava no dia do jogo. Por exemplo, o jogo era 19h45 no horário da Liga dos Campeões, eu chegava meio dia, almoçava, descansava e ia para o jogo. Às vezes o jogo era às 15h e eu chegava meio-dia no estádio. Isso eu achei ruim. Tanto é que o Arsene colocava para os atletas que, quem quiser concentrar, tudo bem, quem não quiser vai meio dia no estádio. E eu ia concentrar.

UOL Esporte: Quão longe o Corinthians está de abolir a concentração?
Edu Gaspar:
No Corinthians a gente não discute isso de não concentração. Hoje não entra nem na pauta. Ainda está um pouco longe disso.

UOL Esporte: Você ainda joga bola?
Edu Gaspar:
Nunca mais joguei. Fiz uma brincadeira aqui com Tite e o pessoal até, mas me arrependi. O nível estava muito baixo [risos].

UOL Esporte: Seu ou deles?
Edu Gaspar:
Dos dois.

UOL Esporte: Você teve momento de ser passional em campo, e hoje você é um cara racional.
Edu Gaspar:
Mas eu ainda sou passional.

UOL Esporte: Mas é difícil imaginar que um cara passional consiga segurar a vontade de jogar bola, por exemplo. Me parece que você se afastou daquela vibração do campo, e que você vê futebol deum jeito mais frio. É isso?
Edu Gaspar:
Eu tive a sorte de conseguir virar a página rápido. Acabei minha carreira e fechei um livro, bonito para caramba. Só que agora tenho de encarar outro desafio, o meu de jogador já foi. Eu não jogo bola porque eu não tenho tempo livre também. Eu me cobro bastante, sou o cara que não consegue não responder email.

UOL Esporte: Nessa linha de ser passional, quando você estava começando você teve um momento crítico, que foi aquela famosa foto no NP. Quem estava naquela foto?
Edu Gaspar:
Nessa você foi longe, hein? Era o Dinei.

Folha Imagem
Ali foi coisa de molecagem total. Ali foi terrível. Eu fiquei muito mal. Me preocupei porque o Vanderlei era o treinador, e ele era duro. Era o pessoal brincando no vestiário e eu tendo de aceitar e engolir calado as brincadeiras

Relembrando a foto de 1998, em que aparece de sunga ao lado de Dinei e várias mulheres

UOL Esporte: Quem te deu um conselho depois daquilo, para te mostrar o melhor caminho?
Edu Gaspar:
A família né? Ali foi coisa de molecagem total. Moleque deslumbrado porque as pessoas me conheciam. Não entendia o tamanho que estava me tornando. Eu ia nos lugares e as pessoas queriam tirar foto. Não sabia que tipo de repercussão teria. Foi no Palace [antiga casa noturna de São Paulo]. Ali foi terrível. Eu fiquei muito mal. Me preocupei porque o Vanderlei era o treinador, e ele era duro. Era o pessoal brincando no vestiário e eu tendo de aceitar e engolir calado as brincadeiras. E todo mundo vendo. Acho que eu tive durante minha carreira todas as situações. De ser destaque no time, do treinador não olhar para você. De estar no banco, de estar machucado, de deslumbrar com seu primeiro salário. Eu passei por tudo isso. Então hoje qualquer tipo de atleta eu sei abordar.

Nota da Redação: Na foto em questão, Edu Gaspar, ainda uma promessa da base alvinegra, aparecia de sunga ao lado do companheiro de Corinthians, cercado de mulheres.

UOL Esporte: Seu pior momento como jogador foi a lesão às vésperas da Copa de 2006?
Edu Gaspar:
Sem dúvida. Saí da Copa das Confederações com o Brasil campeão e fui direto para Valencia, me apresentar. Foi uma p... festa bonita. Eu já estava com um pé na Copa, porque eu fiz a Copa América e a Copa das Confederações. E em um treino machuquei meu joelho esquerdo. Fui roubar uma bola e... Ali, quando vi que era cruzado e faltava quatro meses para o Mundial, eu já vi que perdi.

UOL Esporte: Te dói ver que você poderia ter disputado a Copa?
Edu Gaspar:
Dói, porque eu tive bastantes títulos, acho que 16. E faltou o título de participar do Mundial. Eu passei pela seleção, fui campeão duas vezes, e ter essa experiência do Mundial me deixa com nó na garganta, porque quando ganhamos da Argentina [na Copa das Confederações], o Parreira falou que o grupo estava praticamente fechado, que só ia mudar se acontecesse algo fora do comum. E aí eu me lesiono. E antes disso ele anuncia que achou substituto do Zé Roberto. Era eu. São coisas da vida.

UOL Esporte: Como era estar no vestiário daquele Arsenal, em que havia quebra pau com os jogadores do Manchester United em todo jogo, especialmente entre o Patrick Vieira e o Roy Keane?
Edu Gaspar:
Não só com o Roy Keane. Como chama aquele centroavante holandês?

UOL Esporte: Van Nistelrooy.
Edu Gaspar:
Isso. Era bonito. O vestiário do Arsenal era muito legal. Era só cara de primeira linha, e como pessoa também.

UOL Esporte: Foi mais difícil estar naquela rivalidade ou naqueles Corinthians e Palmeiras dos anos 1990?
Edu Gaspar:
Para mim, Corinthians e Palmeiras. Pessoalmente, Corinthians e Palmeiras. Pela grandeza, Arsenal e Manchester. Porque Arsenal e Manchester era uma esfera meio Mundial. Vinha esse jogo e a imprensa não só era britânica não. Era do mundo inteiro. O peso era grande. Mas para mim que vim da base, e para mim o grande rival ainda é o Palmeiras, a Libertadores de Corinthians x Palmeiras é bonita.

UOL Esporte: Em que lugar do campo você estava na briga entre Corinthians e Palmeiras de 1999, da final do Paulista?
Edu Gaspar:
Não, eu estava fora ainda. Nesse jogo eu fui cortado, eu estava na arquibancada, no Morumbi, onde o pessoal ficava.

UOL Esporte: Querendo participar sendo passional ou querendo ficar ali mesmo, sendo racional?
Edu Gaspar:
Depende [risos]. Depende da circunstância. Eu não sei como eu ia estar lá no banco, não sei se alguém me provocou ou não.

UOL Esporte: Em 2004 a provocação à Argentina na final da Copa América partiu de você, não?
Edu Gaspar:
Sim, foi com o Tevez. Começou eu e ele, o pau comendo. Depende da situação que você se encontra. Que nem, em 2000 fui eu que comecei, porque o Argel falou: “É, juvenil, vai errar o pênalti”. Respondi: “Ah, vai tomar no...”. E começou comigo, porque estava no momento ali. Mas não sei como ia estar em 1999.

UOL Esporte: Quando você voltou ao Corinthians, você teve um problema com o Mano e você foi na imprensa reclamar por não jogar. Você fez exatamente o que você não quer que o jogador do Corinthians faça hoje. Como lidar com isso?
Edu Gaspar:
Não fiz, viu bicho? Pior que eu fiz o que eu gostaria que fizessem também. Porque eu conversei muito internamente com todos os envolvidos, e não tive a resposta. Hoje, se vier falar comigo, ele não chegaria onde eu cheguei. Só que eu não fui ouvido na minha época, então aí tive de ir para o outro lado. Mas na época não tinha esse cargo. Tinha o Mario Gobbi, que era o diretor. Então ficava mais com o treinador.

Mário Ângelo/AE
Isso me magoava. Porque eu nunca fiz nada com ele, nunca desrespeitei ninguém. Ficava no banco aplaudindo, fui de grupo, sempre tentava ajudar. Aí foi a hora que eu cheguei ao meu limite

Explicando a relação com Mano, que terminou com desabafo público de Edu na imprensa

UOL Esporte: Qual era o seu pedido?
Edu Gaspar:
Eu sempre fui claro com o Mano: “Eu quero ser titular, mas eu respeito a titularidade dos outros atletas, a sua posição”. O único problema é que atletas quando não estão jogando gostam de se sentir úteis. Ele gosta de saber que o treinador está olhando para não se sentir fora do processo, e muitos de nós que não estávamos jogando nos sentíamos fora do processo. E não estou falando por mim, é pelo grupo. Eu não achei bacana eu não estar convocado e... deixa eu explicar. Eu não estava convocado para um jogo da Libertadores no Paraguai. O jogo era na quarta, a viagem era na terça e a convocação saiu na segunda. Se eu não estou na lista, eu venho para o treino na terça normal, sem minha mala. No meio do treino ele me chama e diz: “Vai pegar sua mala que você vai com a gente”. Respondi que então teria de sair no meio para dar tempo e ele me liberou. Saí correndo que nem louco, liguei para minha mulher e pedi para ela arrumar tudo. Vou para o hotel direto, como correndo para ir para o aeroporto. A expectativa era de pelo menos estar no banco. Chega lá e ele me corta. Eu fiquei na arquibancada. Aí que achei que faltou... Pô, eu nunca foi um ídolo, nunca fui “the best”, mas cheguei ao Arsenal, cheguei ao Valencia, à seleção. Será que precisava passar por isso?

UOL Esporte: Mesmo esquecendo isso, você tem uma história no clube.
Edu Gaspar:
Pois é. Não sei se ele tinha algum intuito fazendo isso. Então isso que me magoava. Porque eu nunca fiz nada com ele, nunca desrespeitei ninguém. Ficava no banco aplaudindo, fui de grupo, sempre tentava ajudar. Aí foi a hora que eu cheguei ao meu limite.

UOL Esporte: Esse foi o limite?
Edu Gaspar:
Não, o limite foi quando eu queria falar com o Mano e não fui atendido. [Simula a fala do treinador] “Ah, tem isso para fazer, aquilo pra fazer”. E eu estou no treino e achava que agora ia falar. Ia para o vestiário, esperava alguém me chamar e nada. Isso para mim foi o limite.

UOL Esporte: E isso você cuida para que não aconteça de novo no grupo?
Edu Gaspar:
Isso eu posso garantir 100% que não vai acontecer.

UOL Esporte: E quando acontece o que aconteceu com o Martinez o ano passado, serve de lição? O Douglas, por exemplo, disse que ficou muito chateado com o Mundial, teve um primeiro semestre difícil, só que em nenhum momento ele foi para a imprensa recamar.
Edu Gaspar:
Quando você trata com a verdade os atletas entendem. Chega para o cara, e o Tite tem o mérito, e fala: “Estou te tirando por causa disso, disso e disso. Porém, não por isso você é menos importante pra mim”. Então você dá uma certa satisfação. O atleta entende. Agora, o Martinez não entendeu. E se ele acha que ele tem de jogar sim ou sim, não é assim. Não tem mais espaço para esse atleta.

UOL Esporte: A maneira do atleta falar faz diferença? Porque o Martinez chutou o balde, mas tem vários atletas que dão entrevistas sobre isso de forma branda. O Pato faz isso, por exemplo, e da maneira dele, manteve o assunto vivo, só que ele faz de forma mais tranquila. Isso pesa na avaliação de vocês?
Edu Gaspar:
Logico que pesa. Como o cara se expressa, como ele fala. Porque antes de chegar para vocês ele já teve uma conversa aqui. Não foi uma surpresa. E a forma com que o cara se expressa a gente tem como detectar se foi negativo ou positivo. O Douglas, por exemplo, sempre foi positivo.

UOL Esporte: Quando você saiu, em 2000, o clube passava por uma turbulência com a torcida e você teve de ir lá explicar para a Gaviões por que estava saindo.
Edu Gaspar:
Na verdade foi circunstância. Deu aquele problema do Edilson e logo saiu que fui vendido. Foi no mesmo dia. O pessoal tinha um carinho por eu ser da base e eles se rebelaram. E eu tomei partido e falei: “Deixa eu ir lá resolver”. Porque eu tenho uma boa relação com o pessoal, de respeito, de falar. Eles falaram: “Pô, Edu, você não tem de sair, você é da base, tem de ficar para ajudar a gente”. E eu expliquei que era uma oportunidade para mim também, como atleta. Não vou deixar de gostar do Corinthians, mas o Arsenal, pagando o que estava pagando na época, com todo aquele esforço, o Arsene Wenger vindo para o Brasil, eu também estou motivado. E aí deu uma baixada neles. Mas foi uma decisão minha. Eu falei que queria ir lá explicar. 

Nota da Redação: O episódio em questão aconteceu logo depois da eliminação na Libertadores de 2000, diante do Palmeiras. Edilson, principal alvo das críticas, foi agredido no estacionamento do Parque São Jorge. Mesmo local usado por Edu para conversar com os organizados.

UOL Esporte: Ali você que tomou a decisão, mas você acha que é papel do jogador dar essa satisfação?
Edu Gaspar:
Não.

UOL Esporte: O que aconteceu, então, no episódio do Emerson?
Edu Gaspar:
Ali foi uma situação distinta. Estava sendo criado muito burburinho sobre o Emerson ter feito por querer, se queria sair ou não. E aí começou esse tumulto todo. Nós queríamos cortar isso na raiz. Falamos que o Emerson teria de parar de falar sobre isso daí na imprensa. E eu preciso que os caras não venham cobrar o Emerson de uma coisa que não é verdade. Conversei com o Emerson sobre essa possível conversa [com a torcida] e ele disse que também gostaria de conversar para explicar sobre esse zum-zum-zum. E foi mais tranquilo do que todo mundo imagina.

UOL Esporte: Vocês pediram para o Emerson parar de falar sobre isso?
Edu Gaspar:
Não, a gente não é taxativo com as pessoas aqui dentro. A gente explica do momento, fala de abaixar a poeira, tenta explicar algumas coisas para ver o que está acontecendo.

UOL Esporte: E ele encomendou aquela chuteira.
Edu Gaspar:
Não foi ele, foi a Adidas.

UOL Esporte: Mas a Adidas diz que fez a chuteira a pedido do estafe dele.
Edu Gaspar:
Mas aí não sei se foi ele ou o estafe dele. Mas ele não usou.

Reprodução/Instagram
Isso é uma coisa pessoal do atleta. A gente não se mete nisso daí. Agora, em se tratando de um mundo machista que é o futebol, ele ia ter de arcar com as consequências que ia ter

Respondendo sobre o que faria se Emerson mantivesse a posição contra a homofobia

UOL Esporte: Vocês pediram para ele não usar?
Edu Gaspar:
A gente deixa ele à vontade. A gente explica para ele o que pode ter de bom e o que pode ter de ruim. Porque estamos no fio de navalha aí. Se vai para um lado é ruim, se vai para o outro é pior. A gente explicou para o atleta e ele tomou a decisão de não usar a chuteira.

UOL Esporte: Mas o Emerson, com intenção ou sem, acabou levantando uma bandeira. Como o Corinthians viu isso? Se ele mantivesse a posição contra a homofobia, o Corinthians apoiaria?
Edu Gaspar:
Isso é uma coisa pessoal do atleta. A gente não se mete nisso daí. Agora, em se tratando de um mundo machista que é o futebol, ele ia ter de arcar com as consequências que ia ter. É uma escolha pessoal do atleta.

UOL Esporte: Se algum jogador quisesse assumir, o que você faria?
Edu Gaspar:
Aí você está entrando em uma questão pessoal. Se a pessoa quer assumir, a decisão é dele.

UOL Esporte: No caso de Oruro, o Corinthians se esforçou para tentar livrar os torcedores que estavam presos de forma ilegal e agora aparecem alguns deles envolvidos na questão do Mané Garrincha. Dá uma decepção?
Edu Gaspar:
Não sei qual é a palavra. Se eu falo decepção pega muito forte, não é essa palavra que eu quero usar. A gente fica triste. Porque eu vejo sempre vejo essa melhoria do futebol, do jogo ser só um componente de um bom almoço. É pelo evento em si que eu fico triste. Esse tipo problema que nós temos afasta muito.

UOL Esporte: Com esse processo de modernização do futebol brasileiro, esse comportamento das torcidas é uma coisa anacrônica, que atrapalha?
Edu Gaspar:
Não digo que atrapalha. É uma coisa que nós temos de pensar em melhoria. Não tenho a solução. Mas a importância que elas têm a gente não pode negar.

UOL Esporte: Esse é um daqueles assuntos em que é difícil opinar justamente por ser diretor do clube?
Edu Gaspar:
É complicado, porque é outra esfera. Tem o lado bom, a gente não pode esquecer. A gente não pode falar em organizada, tem de falar das pessoas. A instituição eu já fui e vou na quadra, conheço integrantes, não escondo isso daí. Às vezes são pessoas que estão no meio de uma boa torcida e acabam prejudicando um bom trabalho.