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Livro revela que Barbosa quase jogou no Corinthians antes do Maracanazo

Luis Augusto Simon

Do UOL, em São Paulo

16/12/2013 06h00

Pela segunda vez uma Copa do Mundo será realizada no Brasil. E, 63 anos depois, ainda se comenta aquela derrota de 2 a 1 para o Uruguai na final que marcou a história do futebol e, mais do que isso, a história de muitos brasileiros que viram – 200 mil no Maracanã – e ouviram pelas ondas do rádio a festa antecipada se transformar em tragédia eterna.

Moacyr Barbosa, o grande herói trágico daquela Copa, é o personagem principal do livro "Queimando as Traves de 50", do jornalista Bruno Freitas, repórter especial do UOL Esporte. Com prefácio de Sérgio Cabral, o livro não se limita à tragédia. Conta a história de Barbosa desde os tempos do Ypiranga, quando ele defendeu quatro pênaltis em um único jogo, sua briga com Leônidas da Silva e sua quase ida para o Corinthians antes da gloriosa passagem pelo Vasco. 

O livro será lançado em São Paulo nesta segunda-feira. Abaixo, o autor Bruno Freitas conta como surgiu a ideia de escrever sobre o goleiro, como Barbosa carregou o estigma de "vilão" do Maracanazo e porque ele não atuou pelo Corinthians nos anos 40.

UOL Esporte:  Você é novo, porque o interesse em Barbosa? É um personagem com que todo jornalista sonha? Trágico, mítico?

Bruno Freitas:  Sentia a necessidade de revisitar a primeira Copa brasileira antes de mergulhar neste ano especial de 2014, quando possivelmente estarei envolvido até o pescoço, profissionalmente, e emocionalmente também. E a ideia de perder uma Copa com 200 mil pessoas no estádio me persegue desde pequeno, quando eu frequentava o Maracanã com meu tio vascaíno, vendo o time de Dinamite. Aquelas rampas e entradas pequenas do Maracanã sempre exerceram um fascínio em mim, mesmo sendo um paulista, torcedor de um time de São Paulo. E, pensando no que superficialmente então conhecia sobre 50, sobre o Maracanazo, a história do Barbosa era o que me convidava a entrar nesta investigação.

UOL Esporte:  A história de Barbosa ainda sobrevive?

Bruno Freitas: Acho que não sobrevive por muito tempo. Imagino que a intensidade dos próximos meses, com a Copa de novo por aqui, acabem deixando a lembrança da tragédia do goleiro de 50 cada vez mais para trás. E contribui para isso o fato de que poucas pessoas daquela geração ainda vivem. São testemunhas dessa história, mas já na casa dos 70, 80 anos. Em breve não estarão mais aqui para transmitir o que foi aquilo.

UOL Esporte:  Houve o tapa de Obdulio em Bigode?

Bruno Freitas:  Existem muitos relatos conflitantes sobre aquela tarde de 16 de julho. Um deles sobre um suposto acidente com o ônibus da seleção a caminho do Maracanã, na Quinta da Boa Vista, que provocou um corte na testa do capitão Augusto. O famoso tapa de Obdulio é outro. A versão que mais me parece factível é a de que Varela deu um tapinha na nuca de Bigode para pedir “calma, muchacho”, mas com uma forcinha a mais. A velha catimba uruguaia, com o seu mestre mais ilustre. Acredito em um gesto que sugeria esportividade, mas com um quê de provocação embutido. 

UOL Esporte:  Os "culpados" pela perda foram Bigode e Barbosa, dois negros. Coincidência?

Bruno Freitas:  Não foi coincidência, creio. O Juvenal, outro negro, também estava envolvido no fatídico lance de Ghiggia, na cobertura, assim como Barbosa e Bigode. Acho que foi um prato cheio para teorias perversas sobre a deficiência da raça. Triste que o Brasil tenha passado por isso. Do outro lado, por ironia, o mulato Obdulio levantou a taça. Creio que aí também nasce, ou ganha força, o preconceito contra o goleiro negro, que demorou décadas para ser desconstruído, graças a nomes como Dida, por exemplo. Mas a verdade que muita coisa errada aconteceu para que o Brasil não saísse campeão, dentro de campo, mas principalmente fora dele. As últimas 48 horas antes do jogo foram de pura festa antecipada, com torcida e até candidatos à presidência incomodando os jogadores na concentração.  

UOL Esporte:  Qual foi seu enfoque em relação a Barbosa?

Bruno Freitas:  Quis descrever Barbosa além do lugar comum, da imagem consagrada de goleiro da derrota de 50. Barbosa despontou como um goleiro promissor no pequeno Ypiranga, onde protagonizou um episódio de provocação com o ídolo são-paulino Leônidas da Silva. Pelo modesto time paulistano conseguiu façanhas como o jogo dos quatro pênaltis defendidos em Taubaté. Foi assediado pelo Corinthians, mas a família Jafet se recusava a negociar o atleta com qualquer time da cidade. Preferiu aceitar a oferta do Vasco.

No Rio começou azarado, com uma lesão atrás da outra, mas virou titular quando um companheiro ganhou na loteria. Foi um símbolo do Vasco mais ganhador da história, uma das peças importantes da primeira façanha internacional de um clube brasileiro, parando o River de Di Stéfano no Sul-Americano de 1948. Jogadores contemporâneos me disseram que Barbosa foi responsável por pequenas revoluções na posição de goleiro, o primeiro a se aventurar além da pequena área. Ele tinha uma defesa clássica em bolas pelo alto, trazendo a bola com apenas uma mão ao encontro do peito. Além disso, seus tiros de meta potentes eram bastante folclóricos.

UOL Esporte:  Como os jogadores brasileiros e uruguaios conviveram depois da Copa?

Bruno Freitas:  Foi muito interessante poder descrever a relação entre brasileiros e uruguaios depois de 50. Na verdade, apenas um núcleo de cada time, a turma de Zizinho e a turma de Obdulio. Barbosa estava nessa, Ghiggia também. Foram seis encontros, três aqui e outros três em Montevidéu. Muito cavalheirismo, jamais tocavam em 50. Ghiggia me disse: “era algo insólito, as pessoas não acreditavam nisso” (sobre a amizade).

UOL Esporte: Há outros aspectos interessantes no livro?

Bruno Freitas:  Também me interessava o impacto do Maracanazo em trabalhos intelectuais, de livros e cinema. Valeu conhecer o trabalho minucioso do escritor Paulo Perdigão, por exemplo. O Geneton Moraes Neto conta como uma recusa de Barbosa em gravar para a Globo de dentro do gramado do Maracanã motivou ele a escrever um livro sobre 50, entrevistando todos os jogadores daquele time. Falo também um pouco dos bastidores do filme de ficção inspirado na história de Barbosa, ele inclusive chegou a participar e se aventurar na atuação. É o filme em que o personagem do Antônio Fagundes cria uma máquina do tempo para tentar evitar o chute de Ghiggia, em vão.

UOL Esporte: A tragédia do Maracanã acompanhou Barbosa até o final?

Bruno Freitas: No fim da vida Barbosa aparentemente se deixou envolver um pouco pela caricatura de seu personagem, repetindo os famosos bordões de que silenciou o Maracanã, em façanha só dele, do papa e de Frank Sinatra.

Apesar dos pesares, Barbosa teve tranquilidade em seus últimos. Me pareceu que acabou sendo uma boa deixar o Rio para se abrigar na Praia Grande. Diziam que ele abusava um pouco da bebida, mas encontrou amigos. A homenagem no centenário do Vasco em 1998 também parece ter aliviado a alma dele no fim de vida.

LANÇAMENTO NESTA SEGUNDA, EM SÃO PAULO

QUEIMANDO AS TRAVES DE 50 – glórias e castigo de Barbosa, maior goleiro da era romântica do futebol brasileiro

Autor: Bruno Freitas
Editora: iVentura
Nº de páginas: 151
Formato: 16 x 23 cm

Lançamento e sessão de autógrafos do autor

Quando: 16 de dezembro de 2013, em São Paulo
Onde: Livraria da Vila
(Alameda Lorena, 1731 – Jardins)
Horário: 18h30