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Liminares contra STJD expõem conflito entre esporte e Justiça comum

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

12/01/2014 18h46

O desfecho do Campeonato Brasileiro de 2013 escancarou uma disputa no futebol brasileiro. E não, ela não é entre torcedores do Fluminense e adeptos de outras equipes. Um dos principais efeitos da batalha jurídica que vai determinar o grupo de rebaixados para a segunda divisão nacional é que ela mostrou o quanto os tribunais esportivos e a Justiça comum do país se digladiam.

Fundamentalmente, o que move a polêmica sobre o descenso de 2013 é exatamente essa disputa entre tribunais esportivos e Justiça comum. O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) tirou quatro pontos de Flamengo e Portuguesa, mas a Promotoria do Consumidor do Ministério Público de São Paulo identificou nessa decisão uma infração de uma lei federal. A 42ª Vara Cível de São Paulo teve entendimento similar.

Flamengo e Portuguesa foram punidos no STJD porque o tribunal entendeu que ambos usaram jogadores em situação irregular na última rodada do Campeonato Brasileiro de 2013. Cada um perdeu quatro pontos, em decisão que motivou o rebaixamento da equipe rubro-verde para a Série B e salvou o Fluminense.

Na comissão disciplinar e no pleno do STJD, Flamengo e Portuguesa foram punidos por unanimidade. A decisão foi baseada em uma infração do artigo 133 do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva).

O entendimento de juristas que não são da esfera esportiva, porém, é que o dispositivo usado foi revogado em 2010 pelo Estatuto do Torcedor, que é uma lei federal e tem hierarquia superior. Os artigos 34, 35 e 36 desse código têm itens que, segundo essa ótica, contrariam o artigo 133 do CBJD.

“O STJD não é de mentira. Ele funciona e funciona muito bem. Mas isso não nos impede de questionar decisões deles, como nesse caso. Eles não observaram uma norma básica do direito”, disse Roberto Senise Lisboa, promotor responsável pelo inquérito no MP-SP.

Assim que CBF e STJD forem notificadas sobre o inquérito, terão dez dias para apresentar defesa por escrito. A Portuguesa será ouvida em audiência marcada para o dia 22 de janeiro.

Nesse período, a situação do rebaixamento do Campeonato Brasileiro de 2013 pode mudar. A 42ª Vara Cível de São Paulo concedeu liminares a ações de torcedores de Flamengo e Portuguesa e exigiu que a CBF devolva os pontos retirados dos dois times.

O entendimento que motivou as liminares é similar à avaliação inicial do MP-SP. O juiz responsável pelas liminares identificou que o STJD infringiu uma lei federal ao usar o artigo 133 do CBJD para punir Flamengo e Portuguesa. Assim que for notificada, a CBF terá de modificar a tabela do Campeonato Brasileiro e rebaixar novamente o Fluminense. A decisão ainda admite recurso.

“Se isso acontecer vai virar bagunça. A Justiça Desportiva existe porque tem competência para avaliar as especificidades do esporte. O que vai acontecer se um torcedor achar que foi lesado a cada vez que um jogador do time dele for suspenso e usar a Justiça comum para evitar isso? Ele pode alegar que pagou para ver o titular em campo e que não concorda com a pena que o jogador recebeu. E se isso acontecer na Copa do Mundo? Os torcedores vão poder questionar as decisões dos juízes da Copa do Mundo”, ponderou um advogado que costuma trabalhar no STJD, em entrevista ao UOL Esporte, sob condição de anonimato.

Em entrevista ao jornalista Juca Kfouri, o diretor jurídico da CBF, Carlos Eugênio Lopes, revelou preocupação semelhante. “É o fim do sistema desportivo brasileiro”, afirmou o dirigente após as liminares favoráveis a Flamengo e Portuguesa.

“Na verdade, o que ocorre é o seguinte: o assunto é novo. Problemas de regulamento de campeonato são uma discussão recente, e alguns juízes entendem que torcedores não podem entrar com ação judicial para beneficiar um clube. Não sei dizer o que vai acontecer sobre os torcedores, até porque há problemas de interpretação”, explicou Senise Lisboa.

O promotor do MP-SP tem uma avaliação preliminar de que o Estatuto do Torcedor foi infringido pela decisão do STJD. O pensamento dele foi corroborado por Yves Gandra Martins na última semana, em texto publicado pelo jornal “Folha de S.Paulo”: “O tribunal esportivo cometeu um erro, e isso está muito claro”.

A decisão sobre os times que serão rebaixados, portanto, será o resultado de um embate entre tribunais esportivos e a Justiça comum.

“Acredito que a Confederação Brasileira de Futebol vai avaliar o melhor caminho dos pontos de vista político e econômico”, encerrou Senise Lisboa.