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Argumento da CBF contra ações de torcedores em SP sustenta entidade no RJ

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

20/01/2014 06h00

O Campeonato Brasileiro de 2013 está longe de ter uma definição. O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) retirou quatro pontos de Flamengo e Portuguesa, em decisão que motivou o rebaixamento da equipe rubro-verde. Desde então, a Justiça comum emitiu liminares que derrubam e sustentam esse parecer. Em meio ao debate, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) vai condenar nos tribunais de São Paulo um argumento que é favorável a ela no Rio de Janeiro.

O juiz Marcello do Amaral Perino, da 42ª Vara Cível de São Paulo, emitiu liminares favoráveis a torcedores de Flamengo e Portuguesa. Nas decisões, exigiu que a CBF devolva os pontos que foram suprimidos das equipes – ambas foram punidas por terem escalado jogadores em situação irregular na última rodada do Campeonato Brasileiro de 2013.

A CBF decidiu apresentar recursos sobre as ações. A base da argumentação da entidade é um questionamento sobre a legitimidade dos torcedores que apresentaram os pedidos ao tribunal.

“É o seguinte: um torcedor não tem legitimidade para questionar uma decisão de um tribunal esportivo. Eles fizeram questionamentos baseados no Código do Consumidor, mas o Código do Consumidor só serve para os direitos do consumidor. Ele não pode ser usado para mexer no regulamento da competição”, avaliou Carlos Miguel Aidar, advogado e candidato à presidência do São Paulo. O escritório dele foi contratado para defender a CBF em São Paulo nesse caso.

O problema da argumentação de Aidar é que a CBF se apoia em uma ação contrária. No Rio de Janeiro, um sócio do Fluminense obteve liminar no Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos para ratificar o que havia sido decidido pelo STJD.

A CBF é ré nos processos de São Paulo e do Rio de Janeiro. Nos tribunais paulistas, a entidade defenderá que um torcedor não tem legitimidade para questionar uma decisão do STJD. No foro carioca, defenderá liminar obtida por um sócio do Fluminense.

“Esse processo de um sócio do Fluminense gerou uma situação muito peculiar. A CBF vai alegar ilegitimidade do torcedor em São Paulo e defender a legitimidade do torcedor no Rio de Janeiro?”, questionou o advogado Daniel Neves, responsável pela ação de um torcedor da Portuguesa que obteve liminar em São Paulo.

Neves começou a escrever um artigo científico para contestar a tese da CBF. No texto, ele argumenta que as ações de torcedores são legitimadas pela tutela coletiva do consumidor e do futebol como patrimônio brasileiro, como previsto no artigo 4º da Lei Pelé.

“Você sai de uma ótica individual e vai para uma ótica coletiva, e a legitimação coletiva é plural. Vários legitimados podem entrar com ações coletivas. Quando for uma ação coletiva, essa questão estará superada”, ponderou o jurista.

A avaliação do advogado Gustavo Lopes Pires de Souza, diretor regional do IBDD (Instituto Brasileiro de Direito Desportivo), é muito parecida: “Meu pensamento é que o direito do torcedor é um direito coletivo homogêneo. É algo semelhante ao direito do consumidor. Se uma indústria de postos de gasolina faz um cartel para vender no mesmo preço e eu proponho uma ação para que ele seja desmontado, estou pleiteando um direito meu e de todo mundo que usa aqueles postos”.

Pires de Souza lembrou, contudo, que não há um entendimento consensual sobre a legitimidade de ações de torcedores. “É um ponto de discussão na doutrina”, ponderou o advogado. “As pessoas falam que eles não podem acionar a Justiça porque estariam defendendo interesses de terceiros, mas eu acho que é direito próprio, que se torna homogêneo pela questão comum. Ou isso, ou eu derrubo as duas liminares. Mas derrubando as duas eu vou manter o que foi decidido pelo STJD”, completou.

O fato é que a discussão sobre legitimidade dos torcedores tem impedido qualquer debate sobre o que motivou as ações. Os torcedores de Flamengo e Portuguesa acusam a CBF de ter infringido lei federal ao usar o artigo 133 do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) para condenar as duas equipes.

Na visão dos torcedores que entraram com ações pró-Flamengo e Portuguesa, o artigo 133 do CBJD foi revogado em 2010 pelo Estatuto do Torcedor, que tem texto contraditório e é hierarquicamente superior. Portanto a CBF infringiu lei federal ao usar o dispositivo.

Até o momento, a CBF não apresentou argumentação sobre isso. A entidade tem limitado a discussão à legitimidade de quem apresentou as ações.

“O que eu quero é que essa discussão seja ultrapassada. Aí vamos poder falar sobre o que realmente interessa. Vamos sair das preliminares e vamos ver quem tem razão”, sentenciou Daniel Neves.