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Nobre empresta dinheiro ao Palmeiras. Economistas acham que não é uma boa

Mauricio Duarte

Do UOL, em São Paulo

12/02/2014 06h00

A prática do presidente Paulo Nobre de avalizar empréstimos para o Palmeiras não é bem vista do ponto de vista econômico e administrativo. Até o momento, foram R$ 75 milhões. Na opinião de especialistas, a estratégia, mais do que heterodoxa, é nociva e pode gerar um “caos administrativo” a longo prazo. Ainda mais por se tratar de um ano de eleição no clube. De acordo com quem entende de gestão empresarial, o componente torcedor tem falado mais alto em sua gestão, e o coração superou a razão.

“Considerando que você está tratando de um patrimônio coletivo, a princípio não seria esperado colocar dinheiro, porque você está de passagem. Você espera que esse dirigente encontre alternativas dentro das possibilidades da organização para que ela própria supra suas necessidades. Nesse caso o lado torcedor falou mais alto. No mundo ideal isso não se misturaria. É uma operação baseada na emoção”, explica Ricardo Teixeira, professor de estratégias empresariais da FGV.

Especialistas também ressaltam que uma das regras de ouro do mundo dos negócios é que, não importa quão emergencial seja a situação financeira de uma empresa, a solução tem que vir de seus próprios recursos. Se transpusermos isso para uma gestão profissional de um clube, eles avaliam que em tese também deveria ocorrer o mesmo.

“Em nenhum lugar do mundo, se você não é o dono da empresa, um executivo tiraria dinheiro do próprio bolso pra investir. Parece absolutamente contra todas as teorias de gerenciamento que eu aprendi até hoje, parece uma grande confusão entre a paixão e o seu padrão profissional”, comenta Clarisse Setyon, coordenadora acadêmica de MBA de Marketing Esportivo & Núcleo de Esportes da ESPM.

A principal questão que se coloca é o conflito de interesses, ainda mais em um ano de eleições no clube. Há o temor entre conselheiros de que o clube se torne refém desses empréstimos e eles virem barganha durante o pleito. Por outro lado, em uma hipotética derrota de Nobre, ele poderia cobrar o dinheiro com mais veemência.

“Essa prática não é nada aceitável. Essa postura de presidente emprestar dinheiro não é nada profissional e deixa claro um grande conflito de interesse. O Paulo está fazendo isso pela dificuldade do mercado, é uma forma de agilizar recursos. Mas isso é muito perigoso e pode ser questionado futuramente. A tendência a dar errado é muito grande”, diz Sergio Bessa, professor de MBA da FGV.

Nobre já explicou que os empréstimos estão documentados e dentro dos critérios estabelecidos pelo COF (Conselho de Orientação e Fiscalização). O presidente disse também que só irá resgatar o dinheiro quando o clube alviverde estiver melhor financeiramente. A justificativa é de que ele consegue no mercado taxas muito menores do que o clube, já que suas garantias são melhores.

De acordo com Marcelo D’Agosto, economista especializado em administração de investimentos, esse tipo de solução só se justifica quando não existe, na prática, distinção entre a empresa e os donos.  Como, por exemplo, em grupos familiares.  Mesmo assim, serve apenas como paliativo e não é recomendável.

“Do ponto de vista econômico e administrativo é o caos, mesmo considerando as boas intenções associadas às paixões futebolísticas. Se o diretor dá empréstimos para o clube ou avaliza financiamentos, a tendência é criar diversas situações que podem gerar conflitos de interesse entre o clube e o dirigente, tais como as condições do empréstimo, prazos e taxas de juros. Ainda mais sendo um clube, em que o comando é volátil e pulverizado”, opina.

Vale ponderar que a realidade de um clube de futebol brasileiro é distinta de uma empresa. Por mais que se cobre profissionalismo, se fosse uma empresa, qualquer clube estaria enforcado em dívidas e teria que pedir falência.

“O ideal era que o clube conseguisse se financiar com a geração de caixa própria e com fontes de financiamento tradicionais - bancos, BNDES, mercado de capitais, desconto de seus recebíveis -, sem recorrer a empréstimos de dirigentes ou empresários. Mas essa não é a realidade dos clubes brasileiros, que possuem um endividamento muito acima da sua capacidade de pagamento e dificuldade de obter crédito nessas fontes tradicionais”, afirma o economista André Rocha.

Procurada, a assessoria de imprensa do Palmeiras não comentou o assunto. É política da gestão não discutir assuntos considerados internos.

Entenda a gestão de Paulo Nobre

Após assumir a presidência após uma gestão desorganizada e com sérios problemas de caixa, Paulo Nobre usou sua influência no mercado financeiro para ajudar o time do Palestra Itália. O que chama a atenção, entretanto, é o alto valor de empréstimos ao clube avalizados pelo presidente: cerca de R$ 75 milhões.

Paulo Nobre assumiu e tomou uma série de medidas: por um lado, ampliou o programa Avanti, de sócio-torcedor, fechou patrocínios pontuais e cortou gastos com esportes amadores que eram deficitários no clube. Por outro, profissionalizou vários departamentos com executivos remunerados. A Kia Motors, então patrocinadora, deixou de estampar sua marca na camisa alviverde após o Paulistão 2013.

A escassez de receitas continuou e os empréstimos surgiram como alternativa. Como o presidente consegue no mercado juros e condições de pagamento muito melhores do que o Palmeiras, avalizou diversos repasses, começando em junho do ano passado, e que foram crescendo em valor e quantidade.

A medida divide os conselheiros do clube: parte entende que era necessário encontrar uma saída, mas os grupos de oposição a Paulo Nobre mostram preocupação. O medo é de que, no futuro, o clube fique refém do mandatário, em uma situação similar à do Santos, que quase viu a Vila Belmiro ir a leilão por uma dívida com o ex-presidente Marcelo Teixeira.

Na atual realidade do Palmeiras, R$ 75 milhões é um valor bastante significativo: equivale a 34% do total do que o clube espera arrecadar em 2014, R$ 220 milhões.