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Jogador concilia futebol com as carreiras de músico e dentista

Bruno Thadeu

Do UOL, em São Paulo

20/02/2014 06h00

Thales Verissimo se desdobra para dar conta de três profissões. De manhã e à noite ele dá expediente em seu consultório dentário. À tarde, o jovem de 24 anos participa de treinos e jogos do Vitória/ES, time que disputa a elite do Campeonato Capixaba. Já as noites de sexta e sábados são reservadas para a música: Thales é saxofonista de uma banda que toca em festas e casamentos.

A rotina diária é puxada. O jogador dentista trabalha cerca de 13 horas diárias. E o futebol é o que tem dado o menor retorno financeiro. São dois meses de salário atrasado.

Para amenizar o drama financeiro dos jogadores de time, Thales Veríssimo decidiu fazer o tratamento dentário de todo o elenco sem cobrar nada. O atendimento gratuito também inclui técnico e funcionários do Vitória/ES.

“A situação do futebol está horrível no Espírito Santo. Os clubes não têm dinheiro para pagar os jogadores. Eu resolvi atender os jogadores no consultório de forma voluntária. É uma maneira de ajudar esse grupo que está sem receber. Se eu fosse cobrar do clube por todo os atendimentos seria uma fortuna”, diz Thales, que ganhou dos jogadores o apelido de “doctor”.

São realizadas restaurações, tratamentos de reparação e prevenção de cáries, canais, entre outros serviços dentários.

As três profissões somadas geram no fim do mês cerca de R$ 5.500 na conta de Thales.

Como dentista, ele ganha cerca de R$ 2.000 mês. Com a música, fatura de R$ 1.500 a R$ 2.500. Já no futebol, o salário é de pouco mais de R$ 1.500.

A paixão pelo futebol e o sonho de atuar em um clube grande fazem com que o atleta siga no esporte, apesar dos atrasos salariais.

“Eu ganharia mais no fim do mês se eu ocupasse o horário da tarde com consultas, em vez de treinar no Vitória. Mas o dinheiro não é tudo na vida. O importante é a realização profissional e pessoal. Batalhei para chegar até aqui. Vou até onde Deus permitir”.

MAIORIA DOS ATLETAS NÃO TEM INTERESSE POR LIVROS

Eu falo para os jogadores que a carreira é curta. No máximo vai jogar até os 38 anos. E os 40 anos depois como aposentado? São pouquíssimos os jogadores que ficam rico com o futebol. Eu decidi estudar

Diz o jogador dentista

Músico aos fins de semana

Thales jura que nunca se atrasou ou precisou de “dublês” para conseguir executar algumas das tarefas. Quando tem jogo marcado para sábado à noite, Thales sacrifica os shows de sua banda.

Facilita o fato de o Vitória/ES não realizar concentrações dias antes das partidas. Isso possibilita Thales de tocar sax na noite de sábado, indo a campo no domingo à tarde.

Nos dias de jogos na quarta-feira, ele não faz atendimento noturno na clínica.

“A minha namorada às vezes reclama por eu nunca ter tempo. Mas ela entende meu esforço e vem comigo nos shows de fim de semana. Aí eu toco e ainda fico com ela à noite. É bom porque que eu resolvo duas coisas de uma vez só. É o jeito”, sorri.

Inspiração no Doutor Sócrates

No tempo em que cursou Odontologia, Thales diversas vezes pensou em desistir do curso diversas vezes. O meio-campista diz ter como referência o ex-jogador Sócrates, falecido em dezembro de 2011, que era formado em medicina.

O baixo índice de boleiros com diploma no Brasil se deve à falta de interesses dos jogadores, opina Thales.

“Eu noto que os jogadores com quem converso ficam interessados em estudar. Mas na semana seguinte já não falam mais nisso. Com um pouco de esforço, dá para fazer um curso técnico ou faculdade. As oportunidades aparecem, mas são poucos os que vão atrás”.

Eu ganharia mais no fim do mês se eu ocupasse o horário da tarde com consultas, em vez de treinar no Vitória. Mas o dinheiro não é tudo na vida. O importante é a realização profissional e pessoal. Batalhei para chegar até aqui. Vou até onde Deus permitir

Teoria sobre lesões

Thales explorou um tema comum do futebol, as lesões, para realizar trabalho de conclusão de curso da faculdade de Odontologia. O jogador/dentista afirma que a cura de contusões no esporte só será plena caso a saúde bucal esteja em dia.

Ele acredita que Alexandre Pato, por exemplo, superou os problemas de lesões musculares depois que tratou os dentes.

“As células de defesa do nosso corpo migram para as regiões da cabeça e do pescoço. Isso significa que não adianta querer resolver lesão na perna se a pessoa apresenta problemas na boca. Eu atendi um jogador que tinha cáries e que necessitava de tratamento de canal e restauração. Assim que os dentes foram tratados, sua recuperação muscular na coxa foi muito mais rápida”.