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Felipe 'light' passa longe de polêmica. Mas filme queimado ainda incomoda

Pedro Ivo Almeida

Do UOL, no Rio de Janeiro

28/02/2014 06h10

A aprovação do assessor de imprensa a cada resposta dada mostra que Felipe já não causa mais as polêmicas de antigamente. E o comportamento mais "light" do goleiro do Flamengo acostumado a opiniões fortes não é apenas reflexo de pedidos de membros do seu estafe. A língua menos afiada do camisa 1 rubro-negro é também fruto de uma série de arrependimentos após ter a imagem desgastada no passado e ficar longe de alguns sonhos, como o de vestir a camisa da seleção brasileira.

"Meu passado complicado e tumultuado impediu isso. Tenho uma ponta de tristeza. Minhas atitudes mudaram meu destino. Eu poderia ter tido uma chance na seleção, e sei que não fui chamado pelos problemas", revela o arqueiro do Rubro-negro da Gávea.

Em entrevista ao UOL Esporte em sua casa recém-construída no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio de Janeiro, Felipe fez uma análise sobre sua carreira, explicou com detalhes a mudança no comportamento e ainda culpou a "chatice" de alguns setores do futebol pelos discursos cada vez mais pasteurizados entre os jogadores.

"O mundo do futebol está muito chato. Tudo vira polêmica. Até uma foto em rede social causa problema. Não dá. É melhor ficar quieto e esconder algumas coisas que pensamos", revelou.

Em pouco mais de uma hora de conversa, Felipe ainda relembrou o polêmico episódio com seu primo no Twitter, contou ter se arrependido da conturbada saída do Corinthians, falou sobre o racismo enfrentado no Vitória e comentou as diferentes fases vividas no Flamengo - do tumultuado período com Ronaldinho em 2012 aos tempos de paz da atualidade.

Por fim, uma dose leve de polêmica ao comentar o atual momento do Bom Senso. Ao contrário das principais lideranças do grupo, Felipe disse ser contra a paralisação em busca de melhores condições de calendários e afirmou que a decisão só iria prejudicar a imagem do movimento em ano de Copa.

Confira a entrevista completa com Felipe:

UOL Esporte: Qual o balanço que você faz da carreira até o momento?
Felipe:
Confesso que estou muito satisfeito com tudo que conquistei até hoje. Joguei nos dois maiores clubes do país, defendi as maiores torcidas e ganhei título em ambos [Corinthians e Flamengo]. Além disso, minha luta começou até mesmo antes de iniciar a carreira. Tive que brigar com meu pai, que era militar, para poder jogar bola. Parando para ver tudo o que já vivi, estou satisfeito.

UOL: Não faltou nada nesta trajetória?
F:
Sempre falta alguma coisa. No meu caso, tenho uma tristeza por nunca ter defendido meu país. Poderia ter tido uma chance na seleção.

UOL: E por que você acha que essa chance não veio?
F:
Penso muito que algumas atitudes que tomei antes me impediram de ir mais longe. Infelizmente, esse meu passado mudou um pouco meu destino. Eu me arrependo, por exemplo, da maneira como deixei o Corinthians. Às vezes paro para pensar e vejo que não precisava daquilo. Inclusive porque as pessoas que estavam lá naquela época foram as pessoas que assumiram a seleção depois [técnico Mano Menezes e o presidente Andrés Sanchez]. Se eu poderia ter alguma chance, aquela briga toda no Corinthians barrou qualquer coisa. Fico triste porque poderia ter sido lembrado em tantos testes que fizeram no gol da seleção. Fiz um ótimo ano em 2011 e acho que estive até melhor que outros atletas que vinham sendo convocados.

  • Júlio César Guimarães/UOL

    Felipe pega um pênalti pelo Flamengo. Em pouco mais de 3 anos, foram 11 defesas assim

UOL: O Andrés e o Mano, então, impediram uma possível situação por problemas antes?
F:
Não digo isso. Foi uma série de problemas. Tomei muitas atitudes erradas. Ma não quero ficar pensando muito. Tiveram tantos outros grandes craques que nunca disputaram uma Copa e nem por isso deixaram de ser lembrados.

UOL: Mas você ainda sonha com uma convocação? Mudou seu comportamento de olho neste sonho?
F:
Claro que ainda penso. Sabemos que goleiro não tem muito essa questão e idade. Por mais experiente que eu esteja, posso ser lembrado. Mas não mudo meu comportamento por isso. Penso em trabalhar. Uma boa temporada, no Carioca e na Libertadores, é o que pode me levar.

Alexandre Vidal/Fla Imagem
"Algumas atitudes que tomei antes me impediram de ir mais longe. Infelizmente, esse meu passado mudou um pouco meu destino. Eu me arrependo, por exemplo, da maneira como deixei o Corinthians. (...) Fico triste porque poderia ter sido lembrado em tantos testes que fizeram no gol da seleção"


UOL: Por que mudou suas atitudes, então? Podemos perceber você hoje com um perfil mais tranquilo
F:
É culpa desse cara aqui [aponta para o assessor de imprensa]. Hoje nem dou mais trabalho para ele. Agora tudo é um mar de rosas. Aprendi que não vale comprar briga boba. Além disso o futebol hoje está muito chato. Evito me envolver em novos problemas.

UOL: Poderia detalhar essa “chatice” do futebol?
F:
Às vezes as pessoas não entendem bem sua opinião e tudo vira uma polêmica, como foi no Twitter. Você quer fazer uma brincadeira com o amigo que torce para um time rival e já falam que você está menosprezando o adversário. É difícil. Se postar no Facebook, já reproduzem. Está chato demais essa patrulha. Falam muito que o jogador não tem mais contato com torcedor. Mas quando começamos a estreitar a relação, já ficam policiando e querendo ver problema onde não tem. Isso irrita, é muito chato. E sei que todo jogador pensa assim. Teve um dia que criticaram o André Santos porque postou uma foto na piscina em dia seguinte a uma derrota. Fala sério. Queriam o que? O cara não pode ficar de castigo, trancado dentro do quarto por causa disso.

UOL: O que mais incomoda os jogadores atualmente?
F:
Calendário e briga de torcida, violência no estádio. O calendário, então, é brincadeira. Outro dia teve time jogando terça e quinta. Aí o técnico tem que colocar time reserva. Quem é que vai pagar ingresso para ver seu time naquele calor de Bangu com jogadores reservas? Não dá.

UOL: Então você também defende uma mudança no calendário, como o Bom Senso propõe?
F:
Até concordo, mas não agora. Não vai ser uma greve agora que vai mudar. Tem que manter o movimento, sentar, conversar e decidir com calma. Tudo agora seria precipitado e só iria prejudicar a imagem do Brasil em ano de Copa. Não queria tumulto agora.

PROBLEMAS EM 2012

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Era problema todo dia, jogador sem receber há seis, sete meses, clima de eleição, troca de treinador. Aquele período foi f... Só isso mesmo para explicar um time com Ronaldinho, Vagner Love, Deivid e Léo Moura ser eliminado tão cedo na Libertadores. Em 2012, um olhava para o outro e falava: 'não vou correr por ele. O cara ganha não sei quantos milhões, recebe em dia e não corre. Eu estou aqui sem nada e vou correr?'. Isso atrapalhava tudo


UOL: Calendário e violência entre torcidas são os grandes culpados pelos estádios vazios?
F:
Não só isso. A maneira chata como controlam o futebol também. Sou de uma época em que Edmundo, Vampeta e Romário se provocavam antes do jogo para promover um clássico, apostavam. Não era para ofender, mas sim para divulgar, chamar o torcedor para o estádio. Agora não pode mais. Tudo é falta de respeito com o adversário. Que isso, gente?! A provocação entre rivais é saudável. Por isso que o futebol agora é só essa coisa chata de declarações prontas, entrevistas iguais. 'Vamos lá, se Deus quiser, vamos ganhar, vamos brigar pelos três pontos'. É só essa coisa pronta e chata. Ninguém pode falar o que pensa. Virou um mundinho que não é o real. Fui tachado de polêmico muitas vezes por isso.

UOL: E se pudesse desabafar, falar o que pensa...
F:
Se eu pudesse, falaria muito da arbitragem. É muito ruim. Mas não posso mais,  porque logo vem o tribunal. Melhor deixar e viver nesse mundinho chato de ilusão, onde acham que estamos falando o que pensamos. Não, falamos o que dá menos dor de cabeça. Queríamos poder falar mais. Então, fico calado e todo mundo fica feliz. É chato, mas é o que acontece. Queria falar um monte de coisa, mas não posso mais. Desabafo agora só em casa, no vestiário, com o assessor, com os amigos.

UOL: Ao falar o que pensa em outras situações, você saiu brigado e também teve um problema no Vitória. Como foi isso?
F:
No Corinthians, eu errei. Me arrependo muito. Talvez seja a grande situação que eu gostaria de mudar na minha carreira. A maneira como ocorreu, aquela discussão em TV aberta, me queimou. Não pensei na hora e depois vi que estava errado. De tudo que ocorreu, o grande ponto que eu gostaria de mudar. No Vitória, foi uma situação pior: um racismo do presidente na época [Paulo Carneiro]. Ele me chamou de preto, safado, macaco... Ali eu resolvi sair. Tinha mais quatro anos de contrato, mas não poderia ficar depois daquele episódio. Os meus agentes entraram na Justiça e conseguiram me tirar de lá por conta disso. E o presidente acabou saindo por conta disso. Até o ACM [Antônio Carlos Magalhães, famoso político baiano já falecido] entrou na briga. Foi um problema imenso. E é triste que estamos em 2014 e ainda assistimos um caso como o do Tinga.

UOL: Voltando a falar de Flamengo, você vive seu momento mais tranquilo da carreira no Rio. Mas já teve algumas polêmicas no clube da Gávea.
F:
Sim. Hoje o momento é muito bom e tranquilo. Temos uma diretoria que cumpre o que fala, paga em dia e faz com que os jogadores se preocupem apenas em treinar, concentrar e jogar. Mas nem sempre foi assim. Em 2012, isso aqui era uma bagunça. E não tinha como jogador se concentrar em campo. Era jogador com seis, sete meses sem receber, outros ganhando em dia... Você abria o jornal e via problema com a diretoria. Não dava.

UOL: Isso atrapalhou o rendimento da equipe naquela Libertadores em que foram eliminados na primeira fase?
F: Com certeza. Perdemos, demos mole em alguns jogos, mas isso foi fundamental para a campanha ruim. Era problema todo dia, jogador sem receber há seis, sete meses, clima de eleição, troca de treinador. Aquele período foi f... Só isso mesmo para explicar um time com Ronaldinho, Vagner Love, Deivid e Léo Moura ser eliminado tão cedo na Libertadores. Em 2012, um olhava para o outro e falava: 'não vou correr por ele. O cara ganha não sei quantos milhões, recebe em dia e  não corre. Eu estou aqui sem nada e vou correr?'. Isso atrapalhava tudo. Agora não tem mais isso.


UOL: Você teve problemas com o Ronaldinho, como muitos falavam? E com o Vanderlei Luxemburgo?
F: Que nada. Sempre me dei muito bem com o Ronaldo, que até frequentou aniversários do meu filho. E o Vanderlei é meu amigo. Foi ele quem bancou minha contratação. Eu não tive problemas com eles, mas sabemos bem que aquelas relações [briga entre R10 e Luxa] atrapalharam o time naquele ano.

UOL: Como é o clima hoje?
F: Completamente diferente. Até brincamos que está tudo muito tranquilo. Temos até um receio que volte os problemas [risos]. O único probleminha foi naquela saída do Mano Menezes. Só isso. Ninguém entendeu até agora. Isso é muito ruim. Ficou estranho para nós, atletas. Falaram tanto de ter um treinador de seleção e ele sai da maneira que saiu. É complicado, até por tudo que foi falado na apresentação dele. Falou-se em reformulação, projeto a longo prazo e ele sai daquela maneira. Como assim? Difícil. Mas isso nos fortaleceu. Se não tivesse acontecido aquilo, certamente não ganharíamos a Copa do Brasil. Demos uma virada importante após aquele choque ali. Ou mudávamos a atitude, ou estávamos f...

UOL: Com essa tranquilidade, e você vivendo essa nova fase, o que esperar da Libertadores de 2014? Cássio foi bem na conquista do Corinthians em 2012, Victor no Atlético-MG, em 2013...Chegou sua vez de brilhar?
F: Sei lá. Não penso em ser herói. Não tenho essa coisa na cabeça. Eu quero ajudar, como foi na Copa do Brasil. Quero ter uma sequência boa neste ano, estar sempre jogando bem e errar o menos possível. Meu pensamento é só esse. Se eu for bem em um jogo decisivo, tudo bem. Mas o meu sonho mesmo era ganhar uma Libertadores, independente desta situação. Este elenco, esta diretoria e esta comissão técnica precisam de um título desta grandeza. Futebol nem sempre o melhor vence. A fase mais difícil é agora. Temos que classificar, depois vemos o que acontece. Sabemos da nossa força em mata mata. Vimos isso na Copa do Brasil. Podemos não ter o melhor time, como falaram contra Cruzeiro, Botafogo, Goiás e Atlético-PR antes, mas o histórico mostra que somos chatos nessas fases.

FELIPE AJUDOU FLA A VENCER EMELEC POR 3 A 1 NA LIBERTADORES