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CDF, imbatível no Fifa, avó espírita.. Conheça Kardec fora dos campos

Alan Kardec, artilheiro do Palmeiras com oito gols - Rodrigo Capote/UOL
Alan Kardec, artilheiro do Palmeiras com oito gols Imagem: Rodrigo Capote/UOL

Danilo Lavieri

Do UOL, em São Paulo

26/03/2014 06h01

No prato, um peixe. No fone de ouvido, pagode. E nas horas vagas, quando não está treinando no futebol, um pouco mais de futebol, mas virtual. Eis a vida levada por Alan Kardec, um dos destaques do Campeonato Paulista e nome da vez no Palmeiras.

Artilheiro do time na temporada com oito gols em 14 jogos disputados, o atacante é um dos poucos boleiros que conseguem fugir do discurso habitual da classe. Não que ele não use clichês para evitar assuntos dos quais não quer falar - a renovação de seu contrato é um exemplo. Mas Kardec sabe bem a hora de agir. Não à toa, ele é chamado de CDF, termo popular para se referir a pessoas inteligentes e dedicadas ao estudo, entre familiares e amigos.

O pai e xará do jogador enche a boca para falar da inteligência do filho. O atacante já foi premiado nas escolas pelas quais passou, inclusive em um programa de educação do Vasco, quando estava nas categorias de base do clube carioca. Kardec chegou a ser aprovado em um teste para fazer faculdade de fisioterapia. Desistiu por causa da chance de jogar futebol, explica Alan pai.

“O Alan era arteiro como todas as crianças, mas sempre foi muito obediente. Ele é muito inteligente desde criança. Foi o primeiro aluno a concluir o ensino médio no Vasco. E concluiu com louvor! Ele tirou notas altas, quase fez a faculdade de fisioterapia, mas não tinha como. Depois, ele percebeu que o futebol era o futuro dele, nem carta [de motorista] ele tinha para fazer o deslocamento entre faculdade e treino. Mas ele ainda nutre essa esperança de fazer uma faculdade”, explicou o pai.

Para dar ainda mais orgulho à família, o desempenho intelectual de Kardec já foi assunto também na Europa. Jorge Jesus, técnico do Benfica, é um dos que admira a capacidade tática do jogador. Muricy Ramalho, hoje no São Paulo, é outro que rasgou elogios à qualidade do atleta. Ambos trabalharam juntos no Santos, quando o treinador deu a seguinte declaração.

“Ele é acima da média quando se diz respeito à inteligência”, resumiu o comandante quando questionado da possibilidade de Alan atuar em diferentes setores em um time com Neymar, Borges e Paulo Henrique Ganso. 

Alan Kardec brinca com o pai durante sua infância em Barra Mansa-RJ - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Alan Kardec brinca com o pai durante sua infância em Barra Mansa-RJ
Imagem: Arquivo Pessoal


ONDE TUDO COMEÇOU

Alan Kardec começou a se destacar com a bola aos cinco anos. O pai conta que o filho chegou a jogar como meio-campo e que o tempo fez com que se tornasse atacante.

Foi jogando no meio, aliás, que o atual camisa 14 - que ele diz ser homenagem ao ídolo Thierry Henry - despertou a atenção de profissionais pela primeira vez. E foi “sem querer”, em Barra Mansa, cidade do interior do Rio de Janeiro.

“Marcaram um amistoso de núcleos de escolinha do Vasco e acabaram marcando um amistoso para que o pessoal do time olhasse os garotos. O interesse era em outros dois jogadores, mas acabou que eles não foram bem e o Alan acabou se destacando”, relatou o pai. “Já quase briguei com muito treinador de base por ver meu filho fora do time, mas eu acabei pensando duas vezes antes de comprar a briga”, admitiu Alan pai, aos risos.

Segundo a família, uma pessoa que ajudou muito na orientação da carreira do goleador foi seu ex-empresário Reinaldo Pitta. Ele chegou até a bancar parte dos estudos de seu ex-cliente. “Fizemos porque teve um investimento, teve uma aposta no futuro. E é algo que vale a pena como ser humano, não só como jogador”, explicou Pitta.

DIFICULDADES NA EUROPA

Em Barra Mansa, Kardec também cresceu. Foi lá que ele conheceu Caio Gama, seu amigo de infância que o acompanha até hoje. O hoje engenheiro até morou com Kardec em Portugal, quando o atacante atuou pelo Benfica.

Caio lembra das brincadeiras de criança, mas tem mais viva na memória as dificuldades enfrentadas por Kardec no Velho Continente.

“Quando ele passou a morar no Rio, quando tinha uns 17 anos, vivia muito sozinho. Eu ia sempre lá, jogar videogame com ele. Depois, no Inter, fiquei um tempo com ele em Porto Alegre. No Benfica, fui para Portugal e ficamos juntos. No começo foi muito difícil, até mesmo a comida. A gente não gostava da comida de uma moça que trabalhava com a gente”, lembra Caio.

“A gente vivia isolado na cidade, era um pouco frio... E aí vivíamos jogando videogame e sinuca, sempre se divertindo em casa, porque ele é bem tranquilo, bem caseiro mesmo”, completou.

Kardec e Caio, criados juntos desde a infância mantêm amizade - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Kardec e Caio, criados juntos desde a infância mantêm amizade
Imagem: Arquivo Pessoal


UM ARTILHEIRO CASEIRO

Aos 25 anos, noivo e com planos de casar ainda em 2014, Alan jura que não dá problemas a mulher justamente por ficar em casa e se divertir muito no videogame. E a história parece ser verdade, dada a fama do jogador com um controle de Playstation.

No Palmeiras, Kardec reina como o melhor jogador do Fifa 2014. Caio confirma que era difícil vencê-lo. “Se jogar comigo de dupla, então, é imbatível”, brinca o amigo. Dentro do time, no entanto, há quem tente relativizar o domínio do atacante - apesar de considerar empate contra Kardec um bom resultado. É o caso de Wesley.

“Eu tive a oportunidade de jogar com ele e eu consegui um ponto! Ele estava gritando, fazendo maior ‘xabu’ na concentração. Eu nem vi tudo isso. Acho que ele ganha no grito, acho que é comum no videogame. Mas ainda vou jogar com ele e provar que ele não é tudo isso”, disse o meia em entrevista à TV Palmeiras.

ALAN KARDEC É ESPÍRITA?

Pagodeiro, fã de peixe e viciado em videogame. Mas e esse nome, Alan Kardec? Aos que não sabem, Alan Kardec era o codinome usado por Hippolyte Léon Denizard Rivail, considerado uma das pessoas mais importantes na origem da doutrina espírita. Seria, então, o atacante palmeirense um espírita?

O atacante diz que apenas herdou o nome de seu pai. Este, por sua vez, admite que o francês influenciou sua família.

“Minha mãe era espírita e deu esse nome justamente em homenagem ao criador do Espiritismo. E aí, como o Alan é filho único, coloquei o nome dele também. E agora ele está podendo realizar um sonho que não consegui”, comemorou.

COISAS QUE SÓ ACONTECEM COM O BOTAFOGO...

O pai do atacante palmeirense sempre quis ser jogador de futebol. Sem sucesso, acabou se contentando com suas peladas e em assistir na TV a todos os jogos do seu time de coração. Quis o destino que ele comemorasse o primeiro gol de seu filho contra sua própria vontade. Coisas que só acontecem com o Botafogo.

Na ocasião, Alan Kardec marcou o gol de empate do Vasco em uma semifinal de Taça Rio, em 2007. Aos 37 minutos do 2º tempo, ele conseguiu empatar o placar que estava em 4 a 3 para o time de General Severiano.

“Qualquer pessoa que entrasse na sala na hora que o Botafogo tomasse um gol, virava persona non grata”, lembra ele. “Mas eu acabei comemorando justamente esse gol dele, o primeiro como profissional, contra o Botafogo. Foi estranho. Pô, passei a vida inteira torcendo para o Botafogo e aí acontece aquilo? Mas, hoje, eu já não tenho mais time. Eu torço para meu filho sempre!”, disse.