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Demissão de Moyes mostra que Manchester United é um gigante à deriva

Fernando Duarte

Do UOL, em Londres (Inglaterra)

22/04/2014 12h00

Por mais compreensível que a demissão de David Moyes - dando lugar ao interino jogador-treinador Ryan Giggs - tenha sido diante de uma sucessão de péssimos resultados do Manchester United na atual temporada, a saída do treinador ironicamente revela problemas maiores com o gigante inglês e europeu. Dentro e fora do campo. Sem chances de disputar a Liga dos Campeões da Uefa de 2015, o Manchester se prepara para enfrentar uma realidade bem diferente da que se acostumou nos últimos 20 anos, em que não parece mais encher os olhos do mercado tanto assim.

Um exemplo pode ser encontrado mesmo antes da saída de Moyes: a dificuldade em convencer estrelas do futebol europeu a tomar o rumo de Old Trafford. Na última janela de transferências do verão europeu, o clube não trouxe nenhum grande nome e seu investimento mais caro (R$ 160 milhões) foi feito na janela de janeiro na forma do meia Juan Mata, reserva da seleção espanhola e que vinha sendo banco do brasileiro Oscar no Chelsea.

Mesmo a tarefa de substituir Moyes teve início com uma esnobada pública do alemão Jurgen Klopp, um dos técnicos mais cobiçados da Europa, mas que prefere ficar num Borussia Dortmund cada vez mais ‘’canibalizado” pelo Bayern de Munique que encarar a fogueira em Old Trafford. Obviamente que o Manchester está longe de ser um clube de segunda linha e ainda oferece um posto cobiçado. A dúvida é se possíveis candidatos estão se acotovelando na fila para uma entrevista de emprego.

Depois de 27 anos sob comando de Alex Ferguson, o treinador com que conquistou 12 títulos ingleses e dois europeus, fazendo ainda duas finais de Liga dos Campeões (2009 e 2011), o Manchester ficou à deriva com o anúncio da aposentadoria do escocês, no final do ano passado. Moyes foi o sucessor indicado pelo próprio Ferguson, mas assumiu uma missão que já seria ingrata com um elenco balanceado. Não conseguiu reforços e foi atropelado pela concorrência numa das temporadas mais competitivas de Premier League – a três rodadas do fim do torneio, o Manchester correr o risco de sequer disputar a Liga Europa no ano que vem, ficando sem futebol continental pela primeira vez em 30 anos.

E isso terá importância no jogo das finanças: depois de anos figurando como o clube mais rico do mundo, o Manchester caiu para a quarta posição nas mais recentes avaliações – foi ultrapassado por Real Madrid, Barcelona e Bayern de Munique. A queda está longe de ser trágica, até porque o clube inglês, por exemplo, recentemente assinou um contrato de patrocínio com a Chevrolet que derramará um total de mais de R$ 2 bilhões nos cofres do clube ao longo de sete anos. Essa magnitude financeira, porém, está intrinsicamente ligada a sucesso e reputação.

“O futebol europeu é competitivo em termos esportivos e comerciais. A presença na Liga dos Campeões se tornou crucial, por exemplo. Uma sequência de insucessos certamente causará danos à marca do Manchester United”, opina Nigel Currie, consultor de finanças do esporte que no início da temporada alertava para o risco comercial da aposta do clube em Moyes, um treinador que jamais ganhou um troféu relevante na carreira e cujo maior resultado na primeira divisão inglesa fora um quinto lugar com o Everton.

O Manchester também sofre pressões financeiras: o clube tem dívidas da ordem de R$ 1,6 bilhão, decorrentes da complicada operação em que o bilionário americano Malcolm Glazer repassou ao clube o empréstimo que fez para comprá-lo em 2005. Um custo que já tinha limitado o orçamento nos tempos de Ferguson, mas que o escocês compensou com a experiência e com contratações pontuais em comparação com o festival de transferências de rivais como o Manchester City e o Chelsea. Até nisso Moyes mostrou-se desastroso: os maus resultados na temporada derrubaram o valor das ações do clube na Bolsa de Valores de Nova York.

“O clube terá problemas se não mostrar uma recuperação significativa em termos de desempenho já na próxima temporada para recuperar a confiança em seu potencial”, diz Kieran Marguire, especialista em marketing esportivo da Universidade de Liverpool.

Além de um novo técnico, o Manchester precisa de reforços. Já mostrou interesse no brasileiro Dante, do Bayern de Munique, e até a demissão de Moyes buscava com certo desespero os serviços do meia Tony Kroos, também do Bayern. A lista agora vai depender do novo “professor”. As casas de apostas de Londres ontem tinham como favorito o holandês Louis Van Gaal, que já anunciou seu desligamento da seleção de seu país após  a Copa do Mundo. O que o próximo treinado já sabe é que encontrará um clube e um país bem menos dispostos à longevidade: de acordo com o Sindicato dos Treinadores, o futebol inglês hoje tem estabilidade média de um ano e meio para técnicos, período que há 21 anos era três vezes maior.