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Leonardo fala tudo: cotovelada na Copa, preço de Lucas e discussão com Ibra

José Ricardo Leite e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

22/04/2014 06h00

Culto, politizado e poliglota. Um brasileiro que conseguiu fazer sucesso no Velho Continente em diferentes esferas, o que parece algo muito difícil para o profissional do futebol do país pentacampeão: foi jogador, técnico, dirigente e agora quer voltar às funções de treinador. Este é o tetracampeão Leonardo, 44 anos, que vive na Itália enquanto estuda a possibilidade de comandar uma equipe na próxima temporada.

O ex-jogador de Flamengo, São Paulo, Milan e PSG está afastado dos gramados até junho de 2014 em função de uma punição de quando era dirigente do clube francês, no ano passado, por um suposto empurrão em um árbitro. Ainda demonstra inconformismo por ter ficado impedido de trabalhar durante os últimos meses. Não pôde ter acesso a vestiário e banco de reservas. Pediu para sair. “Quero ganhar essa batalha infinita”, disse.

Em entrevista ao UOL Esporte, Leonardo fala sobre como vê a Copa do Mundo no Brasil, as críticas que Lucas vem recebendo no PSG e sua relação com o sempre polêmico atacante sueco Ibrahimovic, a maior estrela da constelação montada pelo clube francês, que teve no agora ex-dirigente a principal cabeça para a montagem do elenco. Eles chegaram a ter uma conversa acalorada no vestiário depois da conquista do título na temporada passada, mas o brasileiro diz que a relação entre ambos sempre foi e é muito boa.

Ele também fala sobre a eterna imagem da cotovelada em Tab Ramos na Copa de 1994, sua boa relação com americano depois lance acidental e o sentimento de decepção que deixou nos torcedores do Milan, onde foi ídolo, após aceitar um convite para treinar a arquirrival Inter de Milão. 

UOL Esporte: Como estão agora suas pretensões no futebol depois de sair do PSG? Pensa em seguir carreira como dirigente ou voltar a ser técnico?
Leonardo: Na verdade eu saí do PSG por uma questão muito pessoal em função de uma suspensão que considero completamente injusta e inaceitável. Então acabei me desligando e estou até agora brigando com ela (suspensão). Quero ganhar essa batalha infinita que não acaba nunca e me liberar completamente disso. Depois, vou ver o que vou fazer em relação a isso, mesmo porque me impediu de trabalhar toda essa temporada. Na minha opinião, tudo é questionável, mas eu tive que me afastar do cargo de grande responsabilidade no PSG. Tinha até uma possibilidade de me transformar no treinador do clube, já que o Carlo Ancelotti (hoje no Real Madrid) tinha pedido pra sair. Então eu estava num período mesmo de decisão pra isso, mas com esta suspensão que me impede de ir pro banco, de ir para o vestiário e de assinar um contrato, fiquei proibido fazer muitas coisas que eram ligadas diretamente à minha função.

Mas você pensa voltar a trabalhar como dirigente ou treinador de futebol?
Eu vou voltar a ser treinador. Era uma decisão que eu já tinha tomado depois que saí do PSG há mais ou menos um ano atrás, só que eu estou impedido de sentar no banco. Então não posso ser treinador e agora eu estou me organizando para ser técnico. Essa é a minha decisão e a minha vontade.

Tem algum clube que você já negocia?
Eu preciso terminar esse processo, só quando essa coisa for resolvida é que (uma negociação) vai realmente dar um passo maior. Claro que o mercado é vivo, mas hoje eu estou ligado mais na questão da suspensão.

Aceitaria trabalhar no Brasil?
A minha vida hoje está muito aqui na Europa. Eu não tenho nada de “não” ao Brasil, graças a Deus na minha vida tudo foi muito bacana nesse sentido, nas experiências de um lado e de outro. Mas não tenho pressa de nada, nem de voltar para o Brasil. Pra mim é tudo muito aberto, mas é claro que a minha vida hoje está mais aqui. Estou há muitos anos na Europa e muito concentrado nas coisas daqui. Mas o meu objetivo é voltar a ser treinador e como estou aqui, fica mais acessível.

Você é um cara que ganhou fama pelo estilo culto, fala várias línguas, e é um dos poucos técnicos brasileiros que os times europeus cobiçam. Acha que falta preparo cultural para o brasileiro treinar time na Europa?  
Não, não acho isso não. Hoje a informação roda muito e todo mundo sabe o que está acontecendo. Acho que o problema de o treinador brasileiro vir pra Europa é um pouco cultural mesmo, de o próprio mundo sempre reconhecer o Brasil como um grande tipo de jogo, um grande talento natural (de atletas), mas que nunca atribuiu ao treinador brasileiro ser o grande maestro de uma conquista. Isso nunca aconteceu, culturalmente é assim. Se pegar qualquer pessoa no mundo, ninguém vai lembrar que o Brasil tinha uma organização de jogo, (para o mundo) é ´Brasil tinha Pelé, Garrincha, Romário, Bebeto, Ronaldo´, então eu acho que é muito mais cultural dessa visão em relação do treinador do Brasil de uma falta de cultura para que ele seja exportado. Essa questão da língua é importante porque o treinador usa fundamentalmente isso, e o treinador hoje é uma figura, talvez seja mais visto depois do que a grande estrela do time porque é mais ligado ao clube, é o que mais faz coletiva de imprensa, é o cara que mais explica a situação do clube. Muito mais do que o presidente ou qualquer um, então ele precisa realmente articular essa parte de comunicação seja interna ou externa ele precisa dominar.

Você sonha ou pensa ser presidente do Flamengo ou algo dentro do clube?
Se você conseguir juntar o trabalho com a sua paixão e a sua história...se eu pensar assim, vou pensar na seleção brasileira, no Flamengo e no São Paulo. Não tenho como sair muito disso. O Flamengo eu acabo pensando muito porque acho que ele poderia ser um piloto de uma transformação real no futebol brasileiro se algum dia existir um modelo sustentável e equilibrado no Brasil. Eu acho que ele pode ser como o São Paulo. Existem clubes que trabalham muito bem, mas acho que existe ainda uma estrutura no Brasil que sou muito crítico e acho que ela ainda precisa de uma adaptação e de uma modernização e uma estrutura, porque ela ficou muita arcaica. A necessidade hoje é outra. O Brasil hoje é uma bomba econômica de dinheiro pra tudo o que é lado e no futebol tem se dificuldade até de entrar para participar e construir coisas novas. Então isso é uma coisa que eu sinto falta, agora não tenho um sonho específico. Fiquei 21 anos fora do Brasil e não me arrependi de nada. A única coisa que me falta é aquela coisa do Brasil; de realizar coisas no Brasil. É o que me falta um pouquinho isso aí de trabalhar no Brasil, viver no Brasil isso aí é um buraco dentro de mim.

O Lucas tem sido muito criticado no PSG pelo valor pago e não estar rendendo. Acha que foi precipitado pagar aquele valor de 43 milhões de euros?
Não, não acho porque o valor é de mercado e existiam outros clubes que estavam pagando (valor similar) e aumentamos um pouquinho a oferta. O Manchester United estava disposto a pagar o mesmo valor, então esse era o valor dele. O que eu acho que aconteceu é que ele fez a escolha ótima porque é um time que está crescendo e que hoje tem um projeto muito ambicioso. Outra coisa; acho que a crítica não é tão forte assim. Não acho que exista uma coisa meio reportada ao Brasil e ao Lucas. Ele jogou muitos jogos muito bem e às vezes o que falta é fazer mais gols, mas ele é um jogador que joga muito mais aberto do que na área pra fazer gol. Para marcar gols o PSG tem o Ibra e o Cavani. É normal que um terceiro atacante faça menos gols. E não existe essa questão de valores. O Juan Mata custou 40 milhões (ao Manchester United) e não sei dizer quem é melhor. Quem é melhor entre os dois? Temos sempre que estudar o mercado. É um ano de Mundial e o Lucas está super bem e dentro de um clube que está se estruturando para ser campeão da Champions League. Ele é o futuro, assim como Marquinhos e o Pastore e está vivendo com caras experientes como Thiago Silva, Cavani. Quem não quer jogar nesse time?

O ex jogador e hoje comentarista na TV francesa Guy Roux criticou o Lucas após a eliminação da Champions e disse que o brasileiro não sabe jogar futebol. Como avalia isso?
Então faça o seguinte: veja a história do Guy Roux e depois você analisa se ele tem também essa autoridade toda pra falar, pois falar todo mundo pode. É só você ficar na redação vendo na internet o que o Guy Roux falou e transportar isso para o Brasil. Qualquer coisa pode acontecer, você passa a mensagem que quiser. Mas, infelizmente, uma pessoa que diz que o Lucas não sabe jogar futebol fica difícil de você dar crédito. É melhor parar de falar porque não tenho como avaliar. Respeito, mas pra mim é ponto final. Ele é um personagem do futebol francês e fica meio engraçado.

Como foi a sua relação com o Ibra durante seus tempos juntos no PSG? Ele era um cara muito difícil? Teve um episódio do vestiário, na comemoração do título, que vocês discutiram...
A minha relação com ele é ótima, não tem nada de difícil. Ele estava me contando que os caras do anti-doping o pegaram e levaram para dentro de uma sala e que ficou 20 minutos lá; essa era a nossa discussão. Não tinha nada a ver comigo nem com ele. Não dava pra ele falar ´olha meu amor eu estava ali no...´ Então fica essa coisa de transportar imagem, sinceramente isso aí faz parte do show, com o Ibra eu discuti duas vezes e vou discutir outras milhões se trabalharmos juntos. Isso aí faz parte, mas não teve briga nenhuma e havia um respeito absoluto. Ele foi o cara que veio muito por mim ao PSG e veio para trazer uma coisa muito forte. Ele foi realmente o cara que mudou a dimensão do clube, um cara que ganhou 10 campeonatos em 11 anos em quatro países diferentes (Holanda, Itália, Espanha e França). Perdeu só em 2011/2012 no Milan, se for ruim trabalhar com ele eu não sei o que é bom. Se você não quiser um cara desse do teu lado então você quer perder.

Como foi aquele episódio na Copa América de 99 de sua saída da seleção? Disseram que você saiu decepcionado porque Luxemburgo não te escolheu capitão...
Não, não foi uma coisa ligada a ser capitão não, tinha uma situação ligada à escolha do capitão e essa coisa acabou até mais fácil de ser entendida dessa maneira, mas pra mim era um ciclo que tinha terminado na seleção brasileira, principalmente depois de 98. Havia sido duas Copas, muitas coisas aconteceram e acho que não era mais o meu momento. Eu não via como essa coisa ia fluir, era um momento meu e acabei me desligando. Meus dez anos de seleção foram maravilhosos e extraordinários. Sobre o Luxemburgo, sinceramente eu nem o conhecia direito. A gente não tinha uma relação construída, não tinha nada. Sou um cara muito crítico, exigente e naquele momento meu pensamento foi o de sair e não vivia mais em sintonia (com a seleção). Depois ainda voltei com o Felipão (em 2001). Quando ele me ligou, era um momento delicado para a seleção. Estava cansado fisicamente, mas fiquei feliz de ter participado porque acho que foi um momento importante para organizar o grupo para a Copa de 2002.

A cotovelada no Tab Ramos na Copa de 94 ainda é uma marca na carreira?
Até hoje eu encontro as pessoas e é engraçado, é a primeira lembrança delas. Mas isso foi um episódio da Copa do Mundo que até em certo ponto é engraçado de você pensar, porque eu acabei sendo expulso. Pra mim eu estava super bem, acabei sendo expulso aos 44 min do primeiro tempo e o Bebeto vem no vestiário e fala 'vou fazer um gol pra você a gente vai ganhar'.  Aí ele faz o gol do 1 a 0 contra os EUA e aquilo ainda deu uma força maior ao time. E no jogo seguinte, contra a Holanda, o Branco jogou no meu lugar e fez o gol da vitória. São coisas difíceis de se explicar e de acreditar. (A cotovelada) foi uma coisa que eu poderia ter evitado? Sim, mas não pensava em dar uma cotovelada na cara dele. Mas não estou preocupado em como as pessoas veem ou não. Eu pensei em fazer um gesto pra pegar no braço dele, mas acabou pegando na cara atrás da orelha e ele foi para o hospital.

Você foi visitá-lo depois?
Logo depois do jogo eu fui para o hospital falar com ele. Depois ficamos amigos e nos falamos algumas vezes por telefone. Certa vez o Milan foi fazer uma turnê nos EUA e um dos jogos era a despedida dele. Foi muito legal ter participado da despedida dele em Nova York e uma vez nos cruzamos numa rádio via telefone. A rádio ligou pra mim e ligou pra ele. 

Você foi ídolo no Milan como jogador e técnico. Os torcedores ficaram chateados porque depois foi para a rival Inter de Milão e chegaram a te chamar de traidor. Considera injustas as críticas? 
Eu acho que é normal isso, entendo perfeitamente, a minha escolha faz parte da própria escolha de viver um pouco de tudo o que pode acontecer. Aquele jogo contra o Milan foi marcado pelo ambiente que foi criado, mas o Milan foi uma situação muito legal e eu acabei me desligando por problemas pessoais e acabei me afastando do clube. Eu estava completamente livre de qualquer situação e tenho uma relação boa com o Massimo Moratti ,que era o presidente da Inter. Era uma ideia legal e bacana e acabei aceitando o desafio de passar pra Inter, que pra mim foi uma experiência sinceramente extraordinária. As críticas não ligo, eu respeito. O cara que toma a decisão de ir para o arquirrival na mesma cidade existe um preço e aí eu não acho injusto não, acho normal e faz parte de tudo. O meu respeito pelo Milan não muda em função disso e o meu carinho pela Inter também não.

Dá pra dizer que não se arrepende então?
De jeito nenhum, eu acabei saindo da Itália só porque recebi uma proposta que é completamente uma coisa única no futebol, que foi a proposta que o PSG fez me dando uma liberdade, uma autonomia absoluta para formar um time competitivo de Champions League, mas que isso não existe e eu tinha que aceitar também foram mudanças muito rápidas do Milan, pra Inter e PSG mas por uma série de propostas na minha opinião irrecusáveis.

Neymar é a maior esperança brasileira para conquistar a Copa?
Acho que no Brasil nós sempre chegamos em Copa do Mundo com Garrincha e Pelé,  com Zico e Sócrates, com Romário e Bebeto, depois Ronaldo, Ronaldinho e Rivaldo. Não vejo o Neymar nesta Copa no nível desses jogadores. Não vejo ele nesse patamar que nós sempre tivemos. Antes era um ´tudo bem, tem o Ronaldo, tudo bem o Romário está lá o Bebeto também, tudo bem o Zico está lá´. Não vejo essas coisas tão forte como nós sempre estivemos acostumados a ter. Agora, acho que é uma ocasião única pra ele, uma Copa do Mundo, no Brasil, e se ele conseguir confirmar o que as pessoas esperam que um dia seja...aí eu acho que vai ser a reviravolta na carreira dele,  que até agora jogou muito bem no Brasil, no Barcelona e está indo bem. É um ótimo jogador, mas ainda não é aquele cara que vai carregar o Brasil nas costas eu acho que não é isso ainda.

Você era a favor da Copa do  Mundo aqui no Brasil?
A coisa é muito ampla, mas eu acho que em nenhum país o futebol tem uma importância tão politica e social como aqui. Agora acho que as pessoas estão vendo a ocasião como quem diz: ´legal, agora nós acordamos, vamos utilizar esse evento para demonstrar tudo o que a gente pensa´. Pela primeira vez o futebol está sendo usado ao contrário, então realmente é um momento histórico político bem forte. Falando de futebol, eu gostaria que este evento trouxesse coisas boas para o futebol interno, que desse alguma coisa pro futebol. Eu não sei se dará; não vejo os clubes e confederações envolvidos nisso a ponto de tirar proveito. Não vejo um projeto como o da Alemanha, que depois da Copa do Mundo a Bundesliga cresceu dez vezes. Isso eu não vejo nada, vejo assim um evento que é a Copa do Mundo, que vai acontecer e não sei o que vai acontecer depois. Chegou a hora de o poste mijar no cachorro, como diz o grande amigo Serginho, ex-jogador do São Paulo, Milan e seleção brasileira.