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Kardec foi troco? Conheça o chapéu histórico que São Paulo levou e reclama

Cafu em chegada ao Zaragoza, em 1994 - Katia Lombardi/Folha Imagem
Cafu em chegada ao Zaragoza, em 1994 Imagem: Katia Lombardi/Folha Imagem

José Ricardo Leite e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

29/04/2014 14h17

A polêmica transferência de Alan Kardec para o São Paulo depois do Palmeiras não conseguir segurar o jogador é aquela do tipo que muitos torcedores chamam de “chapéu”, quando um rival leva a melhor sobre outro numa disputa em que o perdedor em tese teria vantagem.

Há vários casos desse tipo de disputa entre os arquirrivais vizinhos de CT (veja alguns no fim do texto), mas um deles chama a atenção por causa do rigor imposto pelo time do Morumbi e pela maneira como a equipe alviverde conseguiu levar a melhor e driblar o rival de uma maneira bem estranha, tendo ao seu lado um clube como parceiro na jogada. O fato foi lembrado nesta terça-feira pelo presidente do São Paulo, Carlos Miguel Aidar, ao justificar a contratação do centroavante e reclamar do Palmeiras no passado.

Há 20 anos, o São Paulo vendeu o lateral direito Cafu para o Zaragoza, da Espanha, e colocou uma cláusula no contrato que impedia o time espanhol de vender o jogador a qualquer clube paulista. O temor era que a Parmalat, endinheirada parceira palmeirense na época, repatriasse o atleta. A empresa já havia feito algo similar quando o São Paulo vendeu o zagueiro Antônio Carlos ao futebol espanhol para meses depois ele reforçar o Palmeiras.

O São Paulo colocou uma multa de US$ 3,6 milhões caso Cafu fosse negociado pelo time espanhol até 1996 com seus rivais. Mas o capitão do pentacampeonato mundial chegou ao clube do Parque Antarctica em julho de 1995 numa operação que contou com o Juventude-RS como um “laranja” que ajudou na jogada.

 

A equipe gaúcha também era patrocinada pela Parmalat e funcionava como um braço do time paulista. Emprestava jogadores que por lá se destacavam e recebia outros que não iam tão bem no Palmeiras. Eis que Cafu assinou um contrato de três meses (prazo mínimo estipulado pela Fifa na época) com o Juventude. Ficou por cerca de 20 dias na equipe e fez três jogos. Depois, foi para o Palmeiras.

Apesar da manobra via Juventude ter funcionado, Zaragoza, Palmeiras e Cafu tentaram na época de todas as formas amenizar o ocorrido, vide que o time do Morumbi queria pleitear a multa. As três partes “beneficiadas” falaram que o jogador recebeu passe livre pela lei espanhola na época e negociou de forma independente sua transferência para o Brasil. Hoje, a patrocinadora admite que usou o clube gaúcho como ponte.

“Existiu a ponte. Foi uma estratégia que nós montamos que deu certo, aí o cara leva pelo lado do futebol e fala que é chapéu, como de repente, pode ser um chapéu que o São Paulo está dando no Palmeiras em função do Alan Kardec. A minha ideia é a seguinte: chumbo trocado não dói. O São Paulo talvez esteja querendo dar uma volta pelo que ocorreu na era Parmalat”, falou Marcos Bagatella, diretor da empresa na época.

O Juventude de certa forma admite que fez o papel de clube que apenas “fingiu” que estava acertando com Cafu para depois cedê-lo ao clube paulista. “A Parmalat adquiriu o Cafu e resolveu colocá-lo no Juventude por um tempo. Foi só uma passagem. Ele ia ficar um pouco aqui e depois seria recolocado pela Parmalat. Disseram que ele ficaria um tempo aqui e depois iria para outro clube”, disse Marcos Ferreira Cunha Lima, presidente do time gaúcho na época.

O São Paulo lembra que o próprio Cafu assinou o termo dizendo que não se transferiria para um clube paulista. O time do Morumbi acionou a Fifa, mas não ficou com o valor integral da multa. Recebeu US$ 1 milhão pelo “chapéu”. “A ação foi contra o Cafu. Ele assinou um documento se responsabilizando por participar de uma ação deste tipo. A gente previa que isso poderia acontecer, então fizemos um contrato estabelecendo que ele era o responsável por qualquer coisa, pois tinha uma multa estabelecida e ele foi acionado. E, claro que quem pagou foi o patrocinador do Palmeiras. Nós recebemos o dinheiro”, falou Fernando Casal de Rey, presidente do São Paulo na época.

Bagatella, cartola da Parmalat que foi até Zaragoza e viabilizou a transferência, confirma o pagamento da multa, mas não admite se a ida do lateral para o Zaragoza foi premeditada com intenção de retornar ao Brasil.

“Está tudo bem documentado. O Zaragoza liberou o Cafu para o Juventude e depois nós trouxemos para o Palmeiras. A Fifa determinou uma multa, e nós pagamos. Fim de conversa. Quando acertamos tudo em Zaragoza, fizemos até um churrasquinho pra comemorar”, afirmou.

Nos últimos anos, São Paulo e Palmeiras acirraram suas disputas. Em 2005, o clube verde tinha quase tudo acertado com o meio-campista Richarlyson, que acabou indo para o Morumbi. O São Paulo também tirou do rival o lateral Ilsinho, em 2006, em um vacilo da diretoria palmeirense que não renovou seu contrato quando faltavam seis meses e poderia assinar com outra equipe. 

Em 2008, a equipe tricolor tentou por muito tempo trazer o meia Diego Souza. Mas o Palmeiras, por meio da parceira Traffic, chegou depois ao negócio e conseguiu levar o jogador com uma proposta melhor.