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Marketing, ego e paixão movem torcedores símbolos das arquibancadas

Danilo Valentini

Do UOL, em São Paulo

02/06/2014 06h00

Uma saída para a depressão, uma apelo contra a violência, uma conta bancária recheada e uma vizinhança amigável mudaram a vida de quatro torcedores que, desde a infância, já sentiam um amor autêntico e incondicional por suas equipes, mas que os faziam ser anônimos no meio da multidão que pula e grita na arquibancada.

Figurinhas carimbadas entre os seus, alguns torcedores foram além: viraram personagens, ficaram relativamente famosos e inflaram seus egos – em alguns casos, os próprios bolsos também.

É o caso de Valquíria Dionísio de Jesus, uma presença cativa nos treinos e jogos do Corinthians desde o final da década de 1990, quando suas filhas foram morar no Japão. “Tive um começo de depressão e a médica me perguntou se não tinha algo que eu pudesse fazer para ficar mais animada. Lembrei de como gostava de acompanhar os jogos do Corinthians com os meus pais, na infância, e não parei mais de acompanhar minha paixão de perto”.

Nascia aí a Mosqueteira, personagem que vira e mexe aparece tremulando sua capa roxa acetinada quando uma câmera de TV filma a Fiel na arquibancada. Trajando cartola com o símbolo do Corinthians, óculos espelhados, muitas pulseiras e um sorriso estampado, dona Valquíria não perde a menor chance de atrair flashes.

A moradora de Ermelino Matarazzo (zona leste de São Paulo), de 70 anos, vai aos treinos, se aproxima dos jogadores, ganha ingressos e tem sua imagem divulgada pelo próprio departamento de marketing do Corinthians, participando de gravações comerciais para divulgar o programa de sócio-torcedor do clube. Como pagamento, recebeu a carteirinha do Fiel Torcedor para ir aos jogos sem pagar.

Autointitulada “rainha da Fiel”, dona Valquíria cuida de cada detalhe de sua imagem. “A criatividade para montar a fantasia é toda minha. Vou na 25 de Março (rua de comércio popular no centro de São Paulo), vejo uns restos de tecidos e adapto umas fantasias de Carnaval, porque não posso gastar muito. Recibo auxílio doença e meu filho me ajuda”.

As maneiras para incrementar uma fantasia e valorizar ainda mais sua imagem é o que move Marcelo Nubia, que desde 2002 frequenta os jogos do Flamengo como o famoso Anjnho que traja uma túnica branca, asas cenográficas, óculos escuros e uma peruca branca. Sua figura atrai fotógrafos e cinegrafistas naturalmente, atrativo que acabou virando o ganha-pão do carioca de 37 anos.

De personagem criado para pregar a paz nos estádios, Anjinho virou produto: chaveiros, camisetas e adesivos com sua imagem atrelado ao escudo do Flamengo são vendidas por onde ele passa, desde Vigário Geral, onde mora, até os vagões do Metrô que o levam até a entrada do Maracanã. Agora, sua luta é vender seu peixe durante a Copa do Mundo. E se adaptar às exigências das novas arenas brasileiras.

“A atual asa que venho utilizando é feita com pedaços de madeira. Não vou poder mais entrar com ela. Estou pensando em procurar o Paulo Barros para criar uma asa padrão Fifa”, diz Anjinho, referindo-se ao carnavalesco responsável pelos três títulos recentes da Unidos da Tijuca (2010, 2012 e 2014). Sua entrada nos jogos do Mundial, porém, é uma incógnita.

“Estou tentando ingressos, não posso ficar de fora”. Outro que está se descabelando para garantir um lugar na sua 12ª Copa do Mundo é Francisco Moraes, de 74 anos, mais conhecido apenas por seu sobrenome e um dos torcedores mais assíduos dos jogos do Flamengo, com viagens para 73 países para acompanhar o rubro-negro e a seleção brasileira. Um feito que, segundo ele, já custou mais de US$ 1 milhão, acumulado durante sua carreira como funcionário público e administrador de uma empresa de captação de recursos para investimentos.

“Isso não vai durar para sempre. Mas o Flamengo está na minha essência, sou completamente apaixonado. E enquanto puder, vou seguir fazendo o que faço desde 1968, que é seguir o Flamengo onde ele estiver”, diz Moraes, que afirma ter perdido apenas um dos 38 jogos feitos pela equipe em 2014.

“Se meu filho for casar na hora do jogo, ele vai ficar no altar. Não bate de frente com o Flamengo que você vai perder. Família, casamento… é tudo inegociável. Vai ter jogo do Flamengo, eu vou”. E Moraes, além de ir, conta tudo em seu site, onde relata suas experiências de torcedor muito conhecido entre os rubro-negros. “Sou um cara muito conhecido, e para mim isso é um ego fantástico (sic). Mas não misturo as coisas, não vivo do clube, não ganho nada”.

Antônio Dionísio, também de 74 anos, é outro que não fatura nada financeiramente. No quesito folclore e carisma, porém, o Caverna das arquibancadas do Canindé é um dos mitos da torcida da Portuguesa. Torcedores o param para tirar fotos e ouvir um pouco da história da Portuguesa, uma de suas armas favoritas para esculhambar quando a Lusa está jogando mal.

“Vocês têm de honrar a camisa de um time que já cedeu 7 jogadores para uma mesma seleção brasileira!”, gritava Caverna durante a goleada sofrida pela Portuguesa para o Sampaio Corrêa (1 a 4), pela série B do Brasileirão. “Vim morar do lado do Canindé e me apaixonei há 53 anos. Não vou largar a Portuguesa nunca. Quando ela perde, sinto como os jogadores, eu perco junto deles”.