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Valdivia protagoniza novela que mostra como amor e ódio andam lado a lado

Danilo Lavieri

Do UOL, em São Paulo

15/07/2014 06h01

Valdivia viaja nesta terça-feira (15) para os Emirados Árabes para assinar com o Fujairah FC não voltar mais ao Palmeiras. Não dá para dizer que a saída do chileno tem contornos de "Crônica de uma morte anunciada", onde o fim trágico já era conhecido desde o começo da trama, mas o desfecho da novela do camisa 10 fica longe de ser uma surpresa.

Recontratado em agosto de 2010, pela gestão de Luiz Gonzaga Belluzzo, o meio-campista chegou com o rótulo de ídolo e de grande esperança. Virou até miniatura, como Felipão. Não porque conquistou muita coisa, como no caso do treinador. Na verdade, seu título, até então, tinha sido apenas o Paulista de 2008. Mas muito pela irreverência que traz aos gramados e apimenta a rivalidade. Ele é mais lembrado por provocações do que por taças levantadas.

Esse passado, no entanto, não bastou. O gesto pedindo silêncio para Rogério Ceni na semifinal do Paulista de 2008 era cada vez mais esquecido após uma série de lesões que o tirava do gramado. O “chororô” feito contra o Corinthians foi definitivamente apagado com os problemas extracampo, excesso de noitadas e até casos extraconjugais que ganharam destaques na imprensa.

A falta de comprometimento durante parte da sua segunda passagem minou sua credibilidade com todos: elenco, membros da comissão técnica e torcida. Os médicos do clube, por exemplo, vieram a público para esconder problemas que Valdivia trazia diversas vezes. Dentro da ética da carreira, até omitiam alguns casos. Até o ponto em que a credibilidade deles era colocada em jogo. A partir disso, era melhor expor o atleta e deixar claro que não havia profissionalismo.

E os erros eram ainda mais graves pelo contexto em que o meio-campista estava dentro e fora de campo. O Palmeiras vivia um jejum de títulos importantes. Fora dele, apostava tudo na gestão de Luiz Gonzaga Belluzzo, nome que veio como a grande esperança para recolocar o time no topo, com o devido destaque que sempre lhe foi garantido com times como a Academia, dos anos de 1970, ou como da Era Parmalat, nos anos 1990.

Por isso, o então presidente não poupou esforços. Cometeu algumas loucuras do ponto de vista financeiro. Não só com Valdivia, que custou mais de 6 milhões de euros em uma carta de crédito, sem contar o alto salário. Não que o chileno seja culpado de conseguir uma valorização, mas seu esforço dentro de campo não correspondia às notas de dinheiro que deixavam a conta bancária palmeirense. E os pagamentos, que eram para ser encarados de forma natural para a estrela de uma companhia, passaram a jogar contra.

E, aí, entra também o conturbado ambiente do Palmeiras. Sua imagem ficou tão desgastada com todos que até mesmo a veracidade de um sequestro sofrido por ele em 2012 foi colocada em dúvida. O atleta chegou a ser acusado de encenar tudo para conseguir uma liberação. Precisou vir a público e contar com a ajuda da polícia para provar que estava certo.

Neste episódio, ele percebeu que precisava mudar algo na sua carreira. Fez as pazes com Felipão, com quem não escondia o mau relacionamento, deixou de lado a balada, treinou em casa durante as férias e fez até pacto com a família. Voltou a jogar em bom nível, mas parou, mais uma vez, nas lesões.

Dessa vez, o problema era mais físico do que de responsabilidade. Sua musculatura não correspondia mais e isso ficou comprovado até com uma biópsia. Mas era tarde para convencer imprensa, companheiros de elenco e torcida. Passou a ser vítima de constantes ataques em programas de televisão e de cobranças internas. Chegou até a brigar com Marcos Assunção, então líder do elenco.

Depois de uma série de exames e de tratamento diferenciado, conseguiu ter uma sequência de jogo. Voltou a apresentar alguns dribles sensacionais, deu assistências e fez gols. E mesmo assim era cobrado.

Valdivia sentiu-se desprotegido pelo clube perante a imprensa e a torcida. Na atual gestão, viu a diretoria ser blindada. Qualquer veículo de comunicação que desagradasse à cúpula era vetado de privilégios. Atacar o chileno, no entanto, era “permitido”. Na cabeça do camisa 10, aquilo era um sinal claro de que precisava sair. Quando algo dava certo, ele não tinha mérito. Quando dava errado, a culpa era toda sua.

Chegou a brigar com a comissão técnica para provar que tinha condições de jogo durante a Série B. Os preparadores preferiam poupá-lo e o atleta queria entrar em campo. Não suportava as constantes divulgações de seu salário e até chamou jornalista de mentiroso em rede nacional, ao vivo.

Conseguiu atingir um objetivo pessoal, foi convocado para disputar a Copa do Mundo e, até na hora de deixar o clube conforme o combinado foi atacado. Não participou de dois jogos, como era o acordo com a diretoria, e foi chamado de chinelinho. A amigos, reclamou de não ter recebido nem um “boa sorte” de seus superiores na hora de ir para o Mundial.

GARECA DIZ QUE NÃO VAI SE LAMENTAR POR QUEM DECIDE SAIR

Sentiu-se desprestigiado e definiu: depois da Copa, sairia do Palmeiras. Sabendo que não teria seu contrato renovado, o objetivo era ir bem no Mundial e conseguir um espaço na Europa. Para isso, até contratou um empresário especialista em “cavar” vaga em equipes no exterior. O plano falhou, e Valdivia voltará para seu “porto seguro”.

Nos Emirados Árabes, enfrentará alguns problemas culturais, mas sabe que conseguirá ser destaque na liga local. Terá prêmios e mais prêmios (em dinheiro, relógio e até carros), marcará gols, vestirá a camisa 10 e a faixa de capitão. Baterá, falta, escanteio, pênalti e, se quiser, lateral. Era assim no Al Ain. E vai ser assim no Fujairah Sport Club, com quem assinará vínculo de três anos.

Com a decisão, no entanto, sabe que praticamente enterra as chances de manter um futebol de alto nível. Se a Copa do Mundo no Brasil foi um sonho realizado, a Copa América no Chile, em 2015, deve ser a sua primeira frustração após deixar o Palmeiras e ir para o anonimato médio-oriental.