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Morre Foguinho, o radialista que levou a Copa ao sertão do Ceará

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

16/07/2014 16h43

Morreu na última terça-feira aos 69 anos o locutor esportivo Francisco Silva, o Foguinho, ícone da crônica esportiva nordestina. Ele será lembrado por uma geração de ouvintes do sertão do Ceará que cresceu ouvindo futebol com o radinho à pilha colado à orelha. Foguinho narrava jogos dos campeonatos locais, era querido pelas torcidas do Icasa e do Guarani de Juazeiro do Norte, mas também chegou a cobrir sete Copas do Mundo e, morreu, segundo os amigos, angustiado por não poder trabalhar no Mundial do Brasil – sua saúde já estava bastante debilitada nos últimos meses.

Em seu velório que durou um dia em Juazeiro, amigos e admiradores recordaram a capacidade do locutor de fazer suas transmissões em condições precárias. O radialista Wilton Bezerra, que trabalhou com Foguinho em duas Copas e em partidas locais, lembrou o dia em que os dois precisaram se embrenhar no meio do mato para consertar uma linha de transmissão afetada por chuvas torrenciais em Afogados do Ingazeira, Pernambuco, para levar as emoções de um jogo ao Ceará.

Quando não havia sinal telefônico nas cabines de rádio, Foguinho não hesitava em pedir ajuda aos vizinhos do estádio e puxar longos fios de lógica de suas casas até as arquibancadas. Quando não havia dinheiro para viagens, Foguinho batia na porta dos comerciantes locais com e oferecia anúncios que financiavam suas aventuras. Quando Icasa e Guarani estavam de férias, ele viajava até o Maracanã para narrar dali os jogos do Flamengo, cuja torcida é enorme no interior do Ceará.

“Para ele, um domingo sem futebol era um domingo perdido”, afirma Demontier Tenório, que trabalhou com Foguinho durante 25 anos. Demontier deve ao amigo uma de suas maiores felicidades na carreira.

Nas partidas dos times de Juazeiro, praticamente todos os torcedores no estádio Romeirão tinham um radinho sintonizado na voz de Foguinho. O trabalho de Demontier era entrar ao vivo do estúdio para informar os gols que iam saindo pelo Brasil. Quando ele anunciava gol do Flamengo, podia conseguia ouvir em seu retorno a multidão comemorando no estádio. “95% da audiência estava com a gente só por causa dele.”

Uma vida no rádio

Francisco Silva começou a trabalhar na rádio Iracema aos 14 anos como contínuo. Ganhou o apelido pelo qual seria conhecido por toda a vida porque era muito ligeiro, às vezes elétrico, uma chama impossível de agarrar. Adorava o ambiente da rádio e, quando o mandavam fazer qualquer coisa fora dali, fazia correndo para voltar a seu habitat o quanto antes. Aprendeu a ler e escrever com a ajuda de uma secretária da empresa, dona Irene, que depois do expediente lhe obrigava a recitar o ABC.

Aprendeu a narrar ouvindo os radialistas. Trabalhou também na Bahia e em Pernambuco. Um ouvinte fiel disse que não havia emoção maior do que um jogo de futebol narrado por ele. “Às vezes você nem tinha vontade de ir ao estádio, mas era só ligar o rádio e ouvir o abre-jogo do Foguinho que se sentia obrigado a estar na arquibancada”, lembra Wilton.

Seu estilo influenciou toda uma geração de locutores esportivos cearenses. Quando seus problemas de saúde se agravaram, ele parou de narrar e começou a fazer apenas comentários curtos na rádio Verdes Vales.

Franzino, pequeno, lembrando uma “criança velha”, segundo a definição de um grande amigo, Foguinho sempre terminava suas jornadas esportivas se despedindo de seus ouvintes de uma maneira dramática, exagerada: “Se eu voltar, Deus estará comigo. Se eu não voltar, eu estarei com Deus.”

Seu sonho era ver um dos times de Juazeiro campeão estadual do Ceará, o que nunca aconteceu - o Icasa tem um caneco conquistado nos tribunais, mas Foguinho queria um título sem asterisco. Na terça, o time prestou um minuto de silêncio antes da partida contra o Oeste pela Série B.

Ele foi enterrado nesta quarta-feira em Juazeiro do Norte, cidade em que nasceu e de onde nunca conseguiu se afastar por muito tempo.