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Dunga continua patrulhando craques. Mas o tapa de 2006 virou indireta

Do UOL, em São Paulo

23/07/2014 06h00

Dunga assumiu a seleção brasileira pela primeira vez, após a Copa do Mundo de 2006, para representar uma liderança autoritária contra uma desorganização disciplinar. A equipe que tinha Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Adriano, Robinho e Ronaldo – talvez o melhor elenco do Brasil em Copas desde 1982 – fracassou ao ver vários dos craques longe da forma física ideal. O discurso imediato do sucessor de Carlos Alberto Parreira foi bater no descompromisso e valorizar o espírito de entrega. Críticas claras e nada veladas à indiferença de alguns atletas em relação à seleção dominaram as declarações. Agora, a voz é outra. Dunga está mais cuidadoso, mas ainda assim tenta posicionar o que vê como inadequado.

“A grande estrela tem que ser a seleção brasileira. Se alguém se colocar acima, o trabalho já começa errado”, falou Dunga, em 2006, em uma de suas primeiras entrevistas coletivas. “A gente monta o time em cima daquilo que a comissão técnica, aqueles jogadores que tenham uma maior resistência a esse tipo de situação. É tudo estudado”, disse.

O recado era para o que havia acontecido na Copa de 2006. E para os craques: tinha Kaká e Ronaldinho, dois dos melhores do mundo, e tentava domar o início do declínio de Adriano.

"Eu acho que não tenho que ser mais rígido, é o atleta que tem que se apresentar em condições. Jogador da seleção tem que ter postura, atitude, e não precisa que eu fale ou as pessoas falem isso a ele. O mais importante é fazer os jogadores entenderem que qualidade nós temos, mas para jogar tem que estar altamente motivado, vibrar com a seleção, saber que poucos têm essa possibilidade e eles têm que aproveitar o momento. No período em que estiverem na seleção, terão de viver de corpo, alma, mente e coração na seleção", falou, à Reuters, antes mesmo de sua estreia como técnico, em 2006.

Nesta terça-feira, oito anos depois, Dunga foi apresentado como sucessor de Luiz Felipe Scolari. Agora cabe a ele, em outro cenário, reconstruir a seleção que encontrou no fim do túnel do pragmatismo o abismo para o futebol alemão: 7 a 1 em casa, o Mineirazo, maior desastre da história da equipe e talvez a partida mais marcante da história das Copas.

Dessa vez, em meio à mea-culpa pela relação conflituosa que cultivou com a imprensa no outro ciclo, tomou muito mais cuidado. Não pronunciou o nome de Neymar, mas falou do craque.

“Tem coisas que precisamos justificar. O Gilmar [Rinaldi, novo coordenador de seleções da CBF] falou bem: é importante talento e planejamento. O marketing e o resultado dentro de campo é importante para ser sustentado o marketing”, falou, nesta terça-feira, ao lado do presidente José Maria Marin e do próximo na fila, Marco Polo Del Nero.

Tentou, também, tirar do atacante habilidoso e artilheiro o rótulo de protagonista técnico. Para Dunga, o rótulo de craque pode ser do goleiro ou dos zagueiros, que impedem gols. Algo parecido com o que ele, volante, líder, rótulo da autoridade, foi nos anos 90.

“O que é futebol arte? O goleiro defender é arte, o zagueiro interceptar bola é arte. O que não podemos é comparar o futebol lá atrás com o de agora. Não podemos querer um Pelé, um ídolo a cada dia. Ídolo não se cria, é ele que conquista espaço. O Brasil tem jogadores de talento, mas temos que aliar talento, habilidade, trabalho, equilíbrio emocional e passar para o torcedor, às crianças, que a escola é uma coisa, mas a vida é dura e não perdoa. Se não nos prepararmos bem, a vida não perdoa e temos que estar preparados para assumir o papel em cada instante”, disse.

Outro recado ao craque foi a comparação com aqueles que ele – e enorme parte da crítica – considerou os melhores jogadores da Copa de 2014.

“O futebol muda, mas não muito. O importante é não estar parado, tem que ter movimentação e, principalmente, achamos que o craque não precisa participar de jogo, mas vimos [Thomas] Muller, [Arjen] Robben, James [Rodríguez] participando. O futebol tem que ter participação de todos. Vimos o goleiro da Alemanha de líbero. Tem que se aprimorar a cada instante”, concluiu.