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Com virada de mesa, Paysandu rivaliza com Fluminense como 'rei do tapetão'

Brasília ganhou a Copa Verde em 2014, mas a perdeu no tribunal; cabe recurso - Divulgação
Brasília ganhou a Copa Verde em 2014, mas a perdeu no tribunal; cabe recurso Imagem: Divulgação

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

30/07/2014 06h00

O hino informal do Paysandu diz que o time “quando perde é por descuido, mas depois vem a virada”. O verso nunca fez tanto sentido nesse último ano, quando a equipe conseguiu reverter no tapetão duas derrotas inquestionáveis em campo. As vitórias fora de campo do Paysandu lembram a atuação do Fluminense, que no ano passado conseguiu evitar um rebaixamento à Série B nos tribunais.

A última conquista paraense, o título da Copa Verde e a vaga na Sul-americana de 2015, veio depois que o clube percebeu a escalação irregular de atletas do Brasília, notificou o tribunal desportivo e conseguiu a virada de mesa em primeira instância. O clube candango vai recorrer ao pleno do STJD, já que a própria CBF admitiu sua responsabilidade no caso.

No campo, no Estádio Mané Garrincha, o Paysandu havia perdido a final nos pênaltis.

O clube viveu situação semelhante no ano passado, quando foi eliminado em casa da Copa do Brasil pelo modesto Naviraiense (MS). Após a derrota, a diretoria paraense entrou na Justiça apontando, outra vez, a escalação irregular de jogadores rivais. Conseguiu voltar à competição.

O presidente Vandick Lima, que comandou as manobras jurídicas nos dois casos, explica que o clube está sempre atento a brechas legais que possam beneficiá-lo. “Temos três pessoas aqui que ficam de olho tanto na situação dos nossos jogadores como na dos nossos adversários. Se detectarem qualquer problema, eles nos avisam e nós vamos atrás de nossos direitos”, afirmou o cartola, que também estava no clube no episódio que iniciou essa tradição.

Foi em 2003, o ano dourado do Paysandu, logo após a participação na Libertadores e uma vitória sobre o Boca Juniors, na Bombonera. No Brasileiro que inaugurou a era dos pontos corridos, o time paraense foi um dos primeiros do país a serem punidos com a perda de pontos por escalação irregular de jogadores.

Foram ao todo oito pontos perdidos porque três atletas foram contratados e tiveram seus contratos assinados pelo então presidente do time, Arthur Tourinho, que estava suspenso do futebol por ter ofendido em público o chefe da federação paraense. Um dos beneficiados pela punição ao Paysandu foi, curiosamente, o Fluminense, que lutava contra o rebaixamento na ocasião. Onze anos depois, o tricolor se salvaria da queda pela virada de mesa do “caso Héverton”.

No fim do campeonato de 2003, Paysandu e Fluminense escaparam da degola.

“O episódio nos ensinou uma lição e nós nunca mais descuidamos dessa questão dos regulamentos”, afirma Vandick, que era coordenador técnico na época. “O Paysandu foi beneficiado agora, mas prejudicado lá atrás. Isso faz parte das regras, é do jogo.”

O presidente não considera que tenha havido injustiça em relação ao Brasília, o campeão em campo da Copa Verde. O time renovou o contrato de seus jogadores no tempo regulamentar e foi prejudicado por uma falha no sistema de informática da CBF, que não publicou as renovações.

“Não vejo injustiça. O que vejo é que o clube tem obrigação de esperar o nome de todo jogador sair no BID [Boletim Informativo Diário, o documento eletrônico que oficializa a situação dos atletas]. Enquanto não sair, nenhum clube escala jogador. O Brasília escalou, não entendo por quê. Isso não pode, e nós fomos atrás do nosso direito.”

Ele também não acredita que a imagem do clube possa sair arranhada por ser associada a mais um episódio de virada de mesa.

“Existe o jogo para ser jogado, e existe um regulamento para ser cumprido. Quem não cumpre tem que ser punido, simples.”

Se fora de campo a diretoria jurídica está atenta, dentro dele o time não anda. No último domingo, o Paysandu completou uma sequência de três derrotas, com o revés para o Treze, na Paraíba, pela Série C. Recém-rebaixado da Série B, o clube está perto da zona da degola também da terceira divisão. Tudo isso, no ano de seu centenário.

O presidente Vandick, considerado por parte da torcida um ídolo (ele marcou três gols na final da Copa dos Campeões em 2002, contra o Cruzeiro, o maior título da história do clube), já enfrenta pressão para deixar o cargo. Ele não deve concorrer à reeleição.

O PAYSANDU NOS TRIBUNAIS:

JÁ SE DISSE VÍTIMA DE UM COMPLÔ

O presidente Arthur Tourinho pegou três meses de suspensão por ofender o presidente da federação local (Antônio Carlos Nunes, que continua no cargo). Mesmo suspenso, ele assinou o contrato de três reforços. Nunes alertou a Justiça desportiva sobre a irregularidade, o Paysandu perdeu oito pontos e ficou seriamente ameaçado de rebaixamento.

O curioso é que Tourinho, mesmo suspenso e sem poder assinar contratos, pôde votar na eleição que manteve Ricardo Teixeira à frente da CBF. Auditores do STJD disseram na ocasião que foi um caso de “dois pesos e duas medidas”. Tourinho alegou que seu clube só perdeu os pontos porque estaria havendo um complô dos times do Rio e de São Paulo para prejudicá-lo. O Fluminense e a Ponte Preta, por exemplo, estavam na disputa para fugir da degola.

No ano seguinte, o Paysandu foi novamente acusado de escalar irregularmente um atleta, no caso, o atacante Adrianinho. Mas conseguiu provar que não havia problemas, e o tribunal acabou arquivando a denúncia.

POR POUCO NÃO CAIU POR ESCALAR MARCELINHO PARAÍBA

Depois do trauma de 2003, a diretoria do clube contratou “especialistas em BID” e evitou ser punido por escalação irregular de atletas em algumas ocasiões. Na reta final da Série C de 2012, o atacante Marcelinho Paraíba foi contratado e apresentado com pompa para ser a grande arma do acesso.

Mas nas vésperas de sua estreia, a diretoria jurídica resolveu consultar a CBF sobre a situação do jogador e descobriu que poderia ser punida até com rebaixamento caso o escalasse. O motivo é que Paraíba já havia defendido dois outros clubes naquela temporada e não poderia jogar por um terceiro. O contrato foi rescindido, e o Paysandu subiria mesmo sem o atacante. “Escapamos por muito, muito pouco”, disse Fred Carvalho, então diretor de futebol do clube.

No ano seguinte, já na segunda divisão, os paraenses tentaram usar o mesmo argumento para tirar pontos do São Caetano, que teria posto em campo o lateral Renan de modo irregular. O clube paulista conseguiu provar que estava correto; o Paysandu acabaria rebaixado.

VOLTOU PARA A COPA DO BRASIL DEPOIS DE VEXAME EM CASA

Uma derrota de 2 a 0 para o Naviraiense (MS) em Belém foi revertida no tribunal depois que a diretoria descobriu dois jogadores rivais que jogaram sem contrato. Nas primeiras instâncias, o clube sul-mato-grossense venceu, alegando que o regulamento da CBF permite que contratos sejam renovados até 15 dias depois da realização da partida em que um atleta atuou.

Mas os auditores do pleno não compraram essa versão, e o Paysandu voltou à Copa do Brasil e ainda ganhou R$ 400 mil, o prêmio por avançar de fase.