Jogador brigou com Botafogo e Atlético-MG para ficar com Hilda Furacão
Quando uma repórter tentou conversar com ela sobre seu passado de Hilda Furacão, a prostituta que povoou sonhos masculinos na Belo Horizonte do século passado só queria falar sobre o marido. “Foi o amor da minha vida”, disse Hilda. “A senhora amou alguém mais?”, perguntou a jornalista da TV Globo. “Não.”
Na semana passada, o jornal “Estado de Minas” revelou que Hilda, aos 83 anos, vive em um asilo em Buenos Aires. Ela é a mulher real por trás da personagem fictícia encarnada por Ana Paula Arósio na minissérie que fez sucesso na década de 1990. Além da TV Globo, jornalistas da Band e da “Folha de S.Paulo” conversaram com ela, que alterna momentos de lucidez e confusão.
Mas quem é Paulo Valentim, o jogador de futebol brasileiro que casou com Hilda e por causa de quem ela deixou a prostituição nos cabarés de Minas?
Em poucas palavras, é o artilheiro histórico do clássico Boca Juniors x River Plate, com dez gols, mais do que qualquer outro atleta, vivo ou morto. É também o brasileiro que deu um título nacional ao Boca em 1962 após nove anos de fila e para o qual a Bombonera costumava ressoar em dia de jogo: “Tim, tim, tim! Gol de Valetim!”
Mas também foi o homem que transformou Hilda Furacão em Hilda Valentim e aquele que brigou com seus patrões, os dirigentes do Atlético-MG e do Botafogo, para ficar com ela. Os cartolas acreditavam que o contato com Hilda e a vida boêmia que os dois levavam diminuíam o desempenho técnico de Paulo.
O jornalista Ivan Drummond, que encontrou Hilda em um asilo de Buenos Aires, conta que o casal se conheceu em Belo Horizonte. Ele, um jovem jogador do Atlético; ela, uma pernambucana recém-chegada a Minas que ganhava a vida nas casas de tolerância locais.
O romance começou a incomodar os dirigentes do Atlético, que viam em Hilda uma influência sobre seu jogador. Eles temiam que a vida boêmia de Paulinho pudesse “contaminar” o resto do elenco. Reprimiam o atacante, pediam que ele se separasse de Hilda e se concentrasse na carreira. Ele resistiu, nunca considerou abandonar a mulher.
A situação ficou insustentável e, em 1956, o Galo decidiu vendê-lo ao Botafogo. No Rio de Janeiro, Hilda e Paulo moraram no bairro boêmio da Lapa. Frequentavam festas e viviam intensamente a vida social da capital da República. Em campo, o atacante ia bem. Em 1957, marcou cinco gols na final do Carioca contra o Fluminense, um recorde mantido até hoje.
Mas os cartolas alvinegros continuavam incomodados com seu romance com Hilda e com as farras de que os dois participavam. Eles pressionavam por um rompimento. Valentim não apenas não rompeu, como anunciou a seus colegas de clube que casaria com a ex-prostituta.
A mulher e o padre
O jornalista Roberto Porto, autor de um livro sobre a história do Botafogo, conta que no dia do casamento, o técnico João Saldanha evitou uma briga entre Valentim e o padre, por causa de Hilda.
Acontece que durante a cerimônia, o sacerdote resolveu criticar a vida pregressa da noiva e a aconselhou a mudar de hábitos porque os anteriores não combinariam com os da esposa de um importante jogador de futebol. "Procure uma atividade honesta", disse ele.
Valentim se ofendeu e quis partir para cima do padre. Foi contido apenas por Saldanha, padrinho do casamento, amigo íntimo do noivo e ateu convicto, que repreendeu a indiscrição do celebrante.
Finda a cerimônia, Hilda Furacão saía de cena e dava lugar a Hilda Maia Valentim.
A primeira-dama do Boca
O que explica a chegada de Paulo Valentim ao Boca Juniors é a final do Sul-Americano de 1959, entre Brasil e Uruguai, quando o atacante saiu do banco para fazer três gols e dar socos e chutes em vários adversários.
Ele era um homem esquentado (como se pode perceber do episódio nupcial) e não se conteve ao ver o amigo Chinezinho ser agredido por um jogador uruguaio. Subiu ao campo e foi um dos principais articuladores do imenso “sururu” que se formou no estádio do River Plate. As brigas em campo entre sul-americanos eram bastante comuns naquela época, mas para os brasileiros havia um componente emocional maior: era uma espécie de vingança pelo Maracanazo que os uruguaios haviam imposto ao Brasil nove anos antes.
Depois da briga generalizada, Valentim entrou no segundo tempo e fez três gols, levando a seleção ao título. A atuação histórica o levou para o Boca, onde se transformaria em ídolo. Hilda foi com ele a Buenos Aires e passou a ser chamada de primeira-dama pela torcida boquense.
Ao sair do Boca, foi jogar no México, mas não teve o mesmo sucesso. Perdeu seu dinheiro na vida noturna e acabou trabalhando com outras atividades não relacionadas ao futebol. Hilda também teve que trabalhar e chegou, por exemplo, a cuidar de crianças.
Apesar da carreira de sucesso, Valentim morreu pobre e praticamente esquecido.
O jornalista argentino Jose Luis Ponsico, torcedor do Boca, viveu de perto a passagem de Paulinho na Bombonera. “Depois de muitos anos já adulto, me perguntava quem tinha sido meu ídolo de infância”, escreveu ele recentemente. “Foi Paulo Valentim [...] Ele era um negro de luxo, calado, alto, de figura elegante e uma explosão de goleador, na qual coincidiam potência e velocidade. Um goleador extraordinário. Um craque. Um ídolo. Agora compreendo.”
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