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Pelé polemiza sobre racismo. Mas nem todo mundo do futebol concorda com ele

Bruno Thadeu, Guilherme Costa e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

16/09/2014 06h00

“Achei desastroso”. Foi assim que o ex-jogador Ronaldo resumiu no último domingo (14) os comentários feitos por Pelé sobre as ofensas racistas direcionadas ao goleiro Aranha. O titular do Santos foi chamado de “macaco” em vitória sobre o Grêmio pela Copa do Brasil, interpelou o árbitro Wilton Pereira Sampaio e protestou. Para o Rei, contudo, a reação foi precipitada e exagerada.

“Aranha se precipitou um pouco em querer brigar com a torcida”, disse Pelé na semana passada, em evento da empresa Shell. “Se eu fosse parar o jogo cada vez que me chamassem de macaco ou crioulo, teria de fazer isso em toda partida. O torcedor, dentro da sua animosidade, vai ao estádio e grita. Acho que temos de coibir o racismo, mas não vamos fazer isso em lugar público”, completou.

A tese defendida por Pelé é que a reação de Aranha deu mais notoriedade ao caso. “Quanto mais atenção dermos a isso, mais vamos aguçar”, ponderou o Rei, que comparou o caso a outro episódio recente: “No Barcelona, jogaram uma banana no Daniel Alves. Ele pegou a banana, comeu e bateu o escanteio. Ninguém falou mais nada. Se ele tivesse jogado de volta, até hoje estaríamos falando sobre isso”.

As declarações de Pelé reverberaram no mundo do futebol. E como aconteceu em muitos momentos da carreira dele, causaram polêmica. O UOL Esporte ouviu nomes importantes do futebol sobre o assunto. “Já sofri racismo na Colômbia, no Brasil e na Europa. Às vezes tiro de letra, mas tem hora em que você não aguenta. Você tem de reagir, mas não de forma violenta. Eu sei o que o Aranha sentiu”, afirmou o colombiano Freddy Rincón.

“Seria ainda mais vergonhoso esconder e botar embaixo do tapete uma realidade que as pessoas vivem. Seria ocultar”, opinou Tereza Borba, filha de Barbosa, negro que foi titular da seleção brasileira no vice-campeonato mundial de 1950.

Barbosa, aliás, foi personagem de um episódio de reação ao racismo. “Ele foi jogar no Sul, saiu do hotel em que estava hospedado e resolveu ir a uma barbearia na mesma rua. Era num porão, e ele precisou até abaixar a cabeça para entrar. Havia três pessoas, e o Barbosa esperou para ser atendido. As três pessoas foram embora, e o cara que estava trabalhando sentou em uma cadeira ao lado. O Barbosa perguntou se não podia ser atendido, e o rapaz disse que não. O Barbosa voltou ao hotel, e chegando lá o técnico dele perguntou o que tinha acontecido. Depois de ele ter relatado, o Barbosa e o técnico voltaram à barbearia. O técnico disse que o dinheiro dele era igual ao dos outros e exigiu que ele fosse atendido”, relatou Tereza.

 

“O Aranha não exagerou. Quem exagerou foi aquela minoria. A revolta dele foi uma explosão pessoal”, ponderou o ex-goleiro Emerson Leão, tricampeão mundial com Pelé em 1970.

Também companheiro de Pelé na seleção que conquistou o tricampeonato mundial em 1970, Carlos Alberto Torres defendeu Aranha: “O cara foi atingido. Talvez tenha sido levado porque fica parado ali e porque os novos estádios deixam os torcedores muito perto do campo. Ele teve uma reação e não foi violento. É compreensível”.

Como jogador ou como treinador, Carlos Alberto Torres nunca vivenciou um caso parecido com o de Aranha. “No tempo em que eu jogava não havia manifestações desse tipo”.

A despeito do ineditismo e de entender a reação de Aranha, contudo, o capitão do tri evitou criticar Pelé: “Eu estava viajando e não vi direito, mas ele é o Rei do futebol. Nós temos de respeitar”.

O pentacampeão mundial Vampeta foi ainda mais incisivo ao defender Pelé. “Eu estou do lado do Pelé. Se cada vez que me chamasse de macaco eu fosse parar uma partida ia ser f... O negócio é jogar bola. Eu sou contra racismo. Lógico que se você estiver em um restaurante e alguém ofender é uma coisa, mas no futebol isso é bobagem”, avaliou.

A polêmica sobre racismo, aliás, não é nenhuma novidade para o maior jogador de futebol de todos os tempos. Ele já havia sido criticado, por exemplo, por Paulo César Caju. Tricampeão mundial em 1970, o jogador acusa Pelé de ser omisso sobre o tema.

“Se o Pelé tivesse um pouco de noção ou sensibilidade, faria uma revolução neste caso [racismo]. Ele tem mais repercussão que líderes políticos e religiosos. Mas não, prefere ficar falando besteira. E, na boa, nem quero mais falar dele. Não vale. Temos que falar de Muhammad Ali, Martin Luther King, Nelson Mandela... Estes, sim, foram grandes líderes que aproveitaram o espaço que tinham para brigar pelos negros. Abdicaram de suas vidas e compraram brigas sérias, coisa que o Pelé deveria fazer e nunca fez. É brincadeira”, sentenciou Caju em entrevista concedida ao UOL Esporte em abril de 2014.