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Zé Elias tem medo de voar desde acidente com avião do Corinthians em 96

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

16/09/2014 06h00

No começo de maio de 1996, depois de um jogo pela Libertadores, um avião fretado pelo Corinthians teve problemas em uma de suas turbinas e não conseguiu decolar do aeroporto de Quito, no Equador. A aeronave chegou a sair do chão, mas logo desceu novamente, derrubou os muros de proteção da pista e chegou a pegar fogo, perto das casas vizinhas do aeroporto. Comissão técnica, cartolas, jornalistas, torcedores e jogadores, entre eles Edmundo, Marcelinho Carioca e o goleiro Ronaldo, entraram em pânico e alguns tiveram a certeza de que não conseguiriam sair vivos dali.

Zé Elias, meio-campista revelado pelas categorias de base do clube, diz que quase duas décadas depois ainda sofre as consequências daquele trauma. Aos 37 anos, aposentado do futebol, ele se angustia toda vez que precisa entrar em um avião. “Parece que estou me despedindo”, diz.

Em entrevista ao UOL Esporte, o atual comentarista esportivo descreve em detalhes a experiência que marcou sua vida. Apesar do susto, nenhum dos ocupantes do avião se feriu gravemente.

Leia o relato de Zé Elias:

Quando o segundo avião finalmente conseguiu decolar, foi uma coisa que eu nunca vou esquecer na vida. Ficamos uns 20 minutos gritando, chorando e quem bebia encheu a cara para ficar mais calmo. Eu tinha tomado dois remédios para dormir, mas deu efeito contrário. Eu fiquei ligadão, doidão, acordado a viagem toda. Em São Paulo, meu pai tinha recebido uma visita do pai do Dinho dos Mamonas Assassinas, que tinha morrido em um acidente de avião naquele ano. Meu pai carregava um buquê de flores me esperando no aeroporto. Eu estava em choque ainda, não tinha entendido o que aconteceu.

O que aconteceu foi o seguinte: eu nasci de novo. Para ir a Quito já tinha sido uma luta porque o avião era todo velho, caindo aos pedaços mesmo, e quando pousou, pousou meio de lado. Já ficou todo mundo ressabiado. Jogamos, ganhamos e nos preparamos para voltar ao Brasil. Durante o jogo, tive uma luxação no dedo, estava doendo um pouco e cheguei ao aeroporto fazendo gelo.

Dentro do avião, ficamos esperando umas duas horas antes de ir à pista. A aeromoça dizia que o plano de voo não tinha sido aprovado. O aeroporto de Quito, como a cidade, fica dentro de um vale, no meio das montanhas. Por causa disso, quando o avião entra na pista para decolar, as turbinas têm que estar no máximo, para subir rápido e não bater nas montanhas.

Depois de um tempo, o voo foi autorizado. O piloto entrou na pista, deu um gás na turbina, mas percebeu que não ia rolar e parou, deu meia volta e não subiu. Todo mundo ficou assustado, e veio a informação de que teríamos que voltar. Voltamos. Ficamos esperando mais uma hora e meia para que a decolagem fosse autorizada outra vez. Nesse meio tempo, nos serviram o jantar.

“O avião vai explodir e eu vou ferver”

De repente, os comissários anunciam que vamos decolar, recolhem as bandejas e pedem para ajeitarmos as poltronas. O avião vai subir. As turbinas esquentam, roncam e ele consegue levantar um pouco. Mas acho que o piloto percebeu que não tinha força suficiente e desistiu. As rodas tocaram a pista de novo, começamos a balançar e ouvir aquele barulho vindo debaixo. Depois de uma freada brusca, pensei: “O avião vai explodir e eu vou ferver.”

Eu estava bem na frente, na poltrona oito-alguma-coisa. Olhava pros lados e via cintos de segurança arrebentando, gente batendo a cabeça no teto, o Bernardo, que era o nosso capitão e estava do meu lado (dividíamos quarto nas viagens), passando como um vulto por cima de mim. O Cris, zagueiro, dava socos no teto para tentar tirar a máscara de oxigênio. O desespero tomou conta do avião.

Cada um reage de um jeito numa hora dessas. Eu lembro que pensei: “Preciso pegar meu passaporte ou não vou conseguir sair desse país”. Peguei o passaporte, coloquei no bolso do paletó e comecei a calcular a fuga daquele caos. É estranho hoje lembrar que a primeira coisa que eu quis salvar foi meu passaporte.

Quando levantei, percebi o fogo. A turbina do meu lado direito estava em chamas. Todo mundo começou a perceber também e gritar: “Vai explodir, vai explodir, corre que o avião vai explodir!”

Todo mundo, menos umas das aeromoças. Ela estava na porta da frente tentando organizar calmamente a saída por uma daquelas escadas infláveis. Pedia para ter paciência e descer um de cada vez. Mas ela não estava vendo a turbina pegando fogo. Eu saí em disparada pelo corredor, empurrando meio mundo, já não sentindo a luxação no dedão do pé.

No desespero, empurrei alguém que depois descobri ser o diretor Mario Travaglini. Ele caiu de cima do avião direto na rua. Era uns três metros e meio de altura. Quebrou umas costelas. Depois eu pedi desculpas.

Eu pulei, caí em pé e saí em disparada pela rua. Nem o Usain Bolt me pegaria ali! Eu tinha certeza que o avião explodiria.

Os bombeiros chegaram, jogaram uma espuma na turbina, e eu voltei para perto de todo mundo. A maioria estava chorando, lembro do Marcelinho Paulista e do Ronaldo. Eu só conseguia rir. Ainda não tinha entendido. Aí o pessoal começou a contar as histórias.

As histórias

O Tupãzinho ficou com o corpo cheio de querosene e chegou a sofrer uma queimadura. Naquela época, torcedor viajava junto com o time. Tinha um torcedor nosso, o Júnior, que era muito gordo e ficou entalado na porta. O pessoal ficou tentando desentalar, empurrava de todos os lados, mas ele demorou muito para sair.

[Nota da redação: diz uma edição do jornal “Folha de S.Paulo” da época que o tal torcedor pesava 260 kgs. A “Folha” afirma que a diretoria cogitou erguer bustos de bronze em homenagens aos jogadores e a um segurança que conseguiram resgatá-lo do avião.]

Os jornalistas que estavam no avião começaram a ligar para as redações no Brasil querendo dar o furo de reportagem. Houve até uma briga porque a gente não tinha conseguido falar com a família e uma notícia assim podia deixar todos muito preocupados. Tinha só um telefone para todo mundo ligar para casa.

O avião ficou atravessado na rua, fora do aeroporto, por muito pouco não avançou sobre as casas vizinhas. Nós voltamos ao hotel. Não sabíamos quando seria possível pegar outro voo para casa.

No quarto do hotel, o Bernardo sentou na cama e começou a beber uísque para tentar se acalmar. Eu também estava nervosíssimo. Através da embaixada brasileira, o Corinthians conseguiu nos realocar em outro voo e nós finalmente saíamos de Quito. Pela janela do avião, eu via a cidade ficando menor lá embaixo e todos nós alucinados, gritando, chorando, durante aqueles 20 minutos.

Trauma

Isso mudou a minha vida. Eu já tinha um pouco de medo de voar, mas depois desse dia não consigo entrar em um avião tranquilo. Graças a Deus, hoje, aposentado, moro perto de onde trabalho e não tenho que viajar para muito longe. Quando é necessário voar, é sempre um sofrimento. Se for preciso, eu voo, mas com o coração na boca. É até forte dizer isso, mas sempre que eu entro em um avião, é como se estivesse me despedindo.

E você pode imaginar como eu me sentia: a vida de um jogador é viajar de avião.

O acidente aconteceu no meio de semana, se eu não me engano. Uns dias depois, teríamos que jogar contra o Palmeiras. Chegaram a cogitar adiar esse jogo porque o time estava muito abalado. E pior: seria em Presidente Prudente (SP), e teríamos que ir de avião.

A ficha só caiu sobre o que tinha acontecido em Quito quando eu estava em casa, arrumando a mala para essa viagem. Eu sentei na cama, comecei a dobrar camisas e chorei. Não conseguia parar de chorar. Decidi que não entraria naquele avião para Prudente. O doutor Joaquim Grava, médico do Corinthians, precisou ir me buscar em casa, em Guarulhos, porque eu não queria me apresentar.

Quando eu cheguei no avião, descobri que os outros jogadores tinham me preparado uma surpresa: um cachorrinho de pelúcia, que eles disseram que seria meu companheiro de viagem. Se eu tivesse medo, era só abraçá-lo. Com o tempo a gente começou a brincar com o que tinha acontecido. Mas na hora foi um terror.