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Filho de candidata a presidente tentou levar o marxismo ao futebol

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

18/09/2014 06h00

O último clube da carreira do centroavante Fernando Genro foi o pequeno Canoas, do interior gaúcho, tão pequeno que seu quadro de colaboradores é formado principalmente por parentes de atletas que atuam na equipe. Depois de dez anos atuando na base do Grêmio, depois de passagens pela seleção brasileira sub-15 e depois de ter tido como reserva imediato uma jovem promessa do Internacional chamada Alexandre Pato, lá no Canoas, Fernando encontrou um técnico que hoje ele descreve como um sujeito "completamente maluco".

O técnico era conhecido no Estado por manter um estilo linha dura, tratar seus jogadores como soldados e não gostar de ser contrariado. Um dia esse técnico deu uma ordem que Fernando e o elenco relutaram em cumprir. O treinador explodiu: “Se eu disse para vocês baterem com a cabeça na trave, vocês têm que bater com a cabeça na trave sem discutir, entenderam?”

Fernando não entendeu. “Comecei a fazer uma espécie de conspiração com os outros para não aceitarmos esse tipo de postura, esse autoritarismo, essa noção deturpada de hierarquia que existe no futebol”, diz o ex-jogador, hoje estudante de Direito. Naquela época, a conspiração não deu certo. O técnico autoritário ficou, Fernando saiu. Não apenas do clube, mas do futebol.

O episódio foi a gota d’água de um desencanto com o mundo da bola que o centroavante sofria há meses, desde experiências frustradas no Nordeste brasileiro e no interior da Espanha. O desencanto aumentava na medida em que crescia também sua paixão pela filosofia, pela sociologia e pelo marxismo, que ele começou a conhecer por meio de seus pais.

Fernando Marcel Genro Robaína, de 26 anos, é filho de Luciana Genro, candidata à Presidência da República pela PSOL, e de Roberto Robaína, candidato ao governo do Rio Grande do Sul pelo mesmo partido.

Ele é Fernando em homenagem ao avô, Tarso Fernando Herz Genro, liderança histórica da esquerda gaúcha, governador pelo PT e candidato à reeleição. E é Marcel por causa de Marcel Hic, militante francês da organização trotskista Quarta Internacional, que foi preso e morto em um campo de concentração na Segunda Guerra Mundial.

Com esse pano de fundo, não é estranho que, mesmo enquanto tentava fazer carreira como jogador de futebol, ele tenha se filiado ao PSOL, um partido feito principalmente por dissidentes do PT e que é considerado radical por quem se posiciona à direita do espectro político.

Luciana Genro, candidata à Presidência, com o filho Fernando e o então marido, Roberto Robaína - Divulgação/Luciana Genro - Divulgação/Luciana Genro
Imagem: Divulgação/Luciana Genro

Fernando atuava como cabo eleitoral de seus pais e tentava ganhar votos de seus amigos boleiros para o projeto socialista deles. Diz que conseguiu alguns. “Muitos jogadores não sabem que são de esquerda, mas têm posicionamentos progressistas”, diz. Na base do Grêmio, ele jogou com atletas como o goleiro Cássio, atualmente no Corinthians, Lucas Leiva, do Liverpool, Anderson, do Manchester United. Acostumou-se, por outro lado, a enfrentar Alexandre Pato, um atacante promissor da base do Internacional.

Um dia, Fernando e Pato foram convocados para uma seleção gaúcha da base. Como Pato era mais novo, amargou a reserva do gremista. Em 2006, o colorado deu o troco: na final do Brasileiro sub-20, o Inter venceu o Grêmio por 4 a 0, com um gol de Pato (naquela época conhecido apenas como Alexandre). “Foi um dos momentos mais terríveis da minha carreira que eu preferi esquecer”, recorda, sorrindo, Fernando.

A polarização Grêmio x Internacional

Quem matriculou o filho de políticos pela primeira vez em uma escolinha de futsal foi sua avó, mãe de Robaína, fanática por futebol. Foi ela também quem fez o garoto começar a pensar que aquilo poderia ser mais do que uma brincadeira. Fernando jogou por dez anos na base gremista. Aos 15, foi convocado pela primeira vez à seleção brasileira.

Só aí, Luciana, Robaína (que se divorciaram quando Fernando era bebê) e Tarso perceberam que o garoto queria mesmo ser um jogador profissional.

Uma reportagem do blog "Socialista Morena", da semana passada, descreve as acaloradas discussões políticas no seio da família. Tarso é cabo eleitoral de Dilma Rousseff, contra quem Luciana, sua filha, compete na corrida ao Planalto.

Em nível local, Tarso e Robaína (seu ex-genro) se enfrentam pelo governo e fazem críticas mútuas em relação aos projetos que representam.

Mas a paixão política da família não parece se repetir no campo clubístico. Embora a rivalidade entre gremistas e colorados tenha contornos quase religiosos no Rio Grande do Sul, ela parece não ser um problema para a família Genro-Robaína.

Tarso é colorado, assim como Luciana era antes do filho começar a jogar no Grêmio. Hoje ela é gremista, assim como ex-marido, que sempre levou o filho ao Olímpico – Fernando, por sinal, diz que nunca vai esquecer o gol de Airton, o segundo da final contra a Portuguesa, que deu aos tricolores o Campeonato Brasileiro de 1996.

Com a agenda pública cheia, principalmente em ano eleitoral, é difícil encontrar tempo para reunir a família. Eles estiveram todos juntos (menos Robaína, que não frequenta socialmente a casa do ex-sogro) na última Copa do Mundo, quando os Genros viram alguns jogos na casa de Tarso.

A família estava toda junta também na estreia de Fernando pelo Guarani, de Venâncio Aires-RS, em 2010. O avô, então Ministro da Justiça do governo Lula, assistiu da arquibancada e provocou um pequeno rebuliço na cidade – até o prefeito apareceu para recebê-lo. Meses depois, Tarso seria eleito governador com mais de 50% dos votos.

Quando o centroavante deixou o clube, houve cartolas e jornalistas que lamentaram sua saída porque, entre outras coisas, a presença de Fernando atraía a atenção da imprensa do Estado para a cidade.

Mas Fernando acredita que sua carreira foi também prejudicada pelo fato de ele vir de uma família de políticos. Ele diz que muitos jogadores o olhavam torto quando ouviam seu sobrenome. “Eles diziam: ‘você tem dinheiro, tem família, o que está fazendo no futebol, se não precisa?’”

Ele aponta outras razões políticas para nunca ter se firmado no time profissional do Grêmio. Na época, o presidente do clube era Paulo Odone, que atualmente é deputado estadual pelo PPS, um partido da oposição ao governo Genro.

“Com certeza ele não gostaria nem um pouco de ver o neto do Tarso Genro como centroavante do Grêmio”, diz Fernando.

Quando decidiu parar, Tarso foi seu principal apoiador. Ofereceu pagar sua faculdade de Direito e ajudar no que ele precisasse para recomeçar a vida longe dos gramados.

Hoje, Fernando está no final do curso e estagia na Defensoria Pública do Estado. “Tenho muito orgulho da história do meu avô, do legado político dele. Ele é uma pessoa que não pensa na família quando trabalha, pensa no que tem que fazer, e faz do jeito que ele acha ser o melhor”, afirma. Apesar disso, Fernando não vota em Tarso.

Sempre que pode, participa de panfletagens para o pai e para a mãe. “O Tarso está fazendo uma política para agora, e o PSOL é uma alternativa de política pra amanhã. Desse pragmatismo dele a gente discorda, mas sempre de um jeito respeitoso.”

Mesmo vivendo toda a sua vida nesse ambiente de efervescência política – e talvez até por causa dele –, Fernando pensa duas vezes quando é questionado se um dia pretende ele mesmo se candidatar. “Esse é um trabalho que eu não desejo a ninguém. Sei das dificuldades que a minha mãe sofreu quando ela foi parlamentar, é uma vida ingrata.”

Mas, emulando sem querer o discurso típico de jogadores que não sabem se serão ou não escalados como titulares, ele diz que uma possível candidatura seria uma decisão do partido. “O PSOL hoje tem bons candidatos, mas se um dia eles acharam que lançar meu nome é importante, eu ficaria feliz em levar a bandeira da esquerda em uma eleição.”