Topo

Novato da seleção de Dunga quase foi dispensado por não saber marcar

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

18/09/2014 06h00

Anunciada na última quarta-feira (17), no Rio de Janeiro, a convocação da seleção brasileira para os amistosos contra Argentina (11/10, em Pequim) e Japão (14/10, em Cingapura) tem duas novidades: o lateral direito Mário Fernandes, do CSKA, e o lateral esquerdo Dodô, da Inter de Milão. No entanto, uma deficiência mostrada nas categorias de base quase impediu um deles de ser chamado pelo técnico Dunga. Hoje titular na Itália, Dodô quase foi dispensado pelo Corinthians porque marcava mal.

A história aconteceu quando Dodô estava no infantil do Corinthians. Nascido em Campinas, no interior de São Paulo, o lateral esquerdo de 22 anos começou na base do Cruzeiro e tinha acabado de trocar o time mineiro pela equipe paulista.

“Ele não estava conseguindo desenvolver o que o treinador queria. Falaram que iam liberar o Dodô, e eu fui ver. Achei que era um menino de muita qualidade técnica, com bom domínio, que batia muito bem na bola. Disse que gostaria de dar uma olhada melhor e puxei o menino”, relatou José Augusto, que na época era treinador do sub-17 do Corinthians e hoje dirige o sub-20 da Portuguesa.

Inicialmente, o treinador montou um esquema voltado a aproveitar as virtudes de Dodô. O Corinthians tinha um sistema de cobertura especial para que o jogador atuasse como ala, sem tantas obrigações defensivas.

“Eu não estava preocupado com a marcação. O que me chamava atenção era a qualidade técnica. Ele sempre foi um jogador muito inteligente”, enalteceu José Augusto.

Mais protegido, Dodô precisou de pouco tempo para descobrir o quanto alguns conceitos no futebol são efêmeros. De dispensável, transformou-se em promessa. Em 2009, o lateral esquerdo foi campeão sul-americano com a seleção brasileira sub-17 e passou a ser envolvido em especulações sobre negociações com gigantes do futebol europeu. Ele chegou a passar um período treinando no Manchester United – em maio daquele ano, jornais ingleses até anunciaram que o clube havia investido 6 milhões de euros e contratado o jogador.

“Muitas pessoas acham que o Manchester United é surreal, e é claro que a estrutura lá é excelente, mas não é tão diferente do Corinthians”, disse Dodô ao UOL Esporte na época. “Quem tem Ronaldo não se impressiona com Cristiano Ronaldo”, completou o lateral esquerdo, comparando os jogadores que eram astros das duas equipes.

Dodô foi promovido aos profissionais do Corinthians ainda em 2009, depois de André Santos ter sido negociado com o Fenerbahce. Nessa época, o titular dos profissionais era citado como referência para o lateral da base, que também era fã do meia Kaká.

Mas Dodô nunca conseguiu se firmar nos profissionais. Em 2010, quando o Corinthians contratou Roberto Carlos para a lateral esquerda, o lateral formado no clube voltou à base e conquistou o Mundial sub-18 da categoria.

“Aquela competição teve uma passagem marcante. Jogamos contra o Boca Juniors e empatamos por 0 a 0 no primeiro tempo. No intervalo, chamei atenção dele e disse que o Dodô tinha de subir mais. Ele estava muito contido. Fizemos 4 a 0 no segundo tempo, e ele acabou com o jogo. Depois disso, ele me encontrou na saída de campo e perguntou: ‘Tá bom agora’”, contou José Augusto.

Roberto Carlos não teve vida longa no Corinthians – saiu em 2011, depois de o time ter sido eliminado pelo Tolima na fase preliminar da Copa Libertadores. A vaga dele foi herdada por Fabio Santos, que era reserva e se consolidou – é o dono da posição até hoje. E a chance de Dodô nunca apareceu.

Empréstimo e drama

Sem espaço no Corinthians, Dodô foi emprestado ao Bahia em 2011. Ganhou espaço na equipe tricolor, principalmente pelo talento mostrado no ataque. Consolidado entre os titulares, o lateral esquerdo já havia anotado dois gols em novembro, quando um lance marcou a trajetória dele.

Em jogo contra o Internacional, no Beira-Rio, Dodô foi lançado na esquerda. Deu um toque por cima do primeiro marcador e correu na direção da área. Disputou a bola com o zagueiro Bolívar, que acertou com a sola a perna esquerda do jogador do Bahia. Era o fim da temporada para ele.

“Não tive nenhuma relação com ele – não conversei depois do lance e nem agora. Vi só declarações dele na TV pedindo desculpas. Eu acho que não houve maldade. Ele foi imprudente, mas não para me machucar”, avaliou Dodô.

Na ocasião, o árbitro Paulo César Oliveira não marcou pênalti. Bolívar recebeu cartão amarelo, mas foi suspenso posteriormente pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva): só poderia voltar a jogar quando Dodô estivesse recuperado. “Me chamaram de assassino durante muito tempo. Foi horrível”, disse o defensor ao canal fechado “Fox Sports”.

Dodô teve ruptura dos ligamentos do joelho. Em recuperação, perdeu o restante de 2011 e o primeiro semestre do ano seguinte, quando acabou o contrato com o Bahia. Em junho, o lateral usou a rede social Twitter para dizer que não ficaria na equipe tricolor e que tampouco voltaria ao Corinthians.

“Amanhã começo uma nova fase na minha carreira e na minha vida”, escreveu o lateral. “Estou indo para a Itália acertar tudo com a Roma – um time que, mesmo nesses meses difíceis, sempre apostou em mim”, completou.

Ataque e afirmação

Na Roma, a primeira faceta que Dodô demonstrou foi o poderio ofensivo. Prova disso é que chegou a ser escalado como atacante em partida contra o Torino.

“O que se aprende logo aqui é a questão tática. Eles são muito rígidos e obedecem muito. No Brasil, conhecemos o 4-4-2 e o 3-5-2. Não enxergamos tantas variações como eles fazem por aqui”, comparou Dodô.

Em dezembro de 2013, Dodô já havia sido elogiado publicamente por companheiros e pelo técnico Rudi Garcia. O lateral foi ganhando tempo em campo na Roma e já havia se tornado titular em maio deste ano, quando sofreu nova lesão no joelho em amistoso contra o Orlando City.

No entanto, o problema no joelho não foi grave, e Dodô não teve de conviver por muito tempo com o fantasma de tudo que havia acontecido no Bahia. No início de julho, a Roma acertou empréstimo do lateral à Inter de Milão.

O crescimento de Dodô na equipe milanesa foi mais rápido. Jogando como lateral em linha de quatro defensores, o jogador brasileiro se firmou ainda na pré-temporada. Foi titular nas quatro partidas que a Inter fez no último mês e anotou um gol.

“É um cara frio. Às vezes você dava esporro, e ele olhava como se nada estivesse acontecendo. Um treinador menos acostumado podia achar que ele estivesse fazendo graça”, descreveu José Augusto. “No momento em que foi para a Europa e conseguiu se organizar na marcação ele evoluiu muito. Isso contribuiu demais. Ele conseguiu manter a qualidade ofensiva, o que é bom, e ter um equilíbrio maior com a marcação”, completou.