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Obituário: Autor de "Sou brasileiro" bebia e discutia religião com Sócrates

Nelson Biasoli, em sua casa em Tambau (SP), criador do grito de guerra "Sou Brasileiro" - 	Silva Junior
Nelson Biasoli, em sua casa em Tambau (SP), criador do grito de guerra "Sou Brasileiro" Imagem: Silva Junior

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

18/09/2014 15h59

Morreu na manhã da última quarta-feira o empresário Nelson Biasoli, aos 83 anos, conhecido por ter criado a música mais cantada pelas torcidas brasileiras de vários esportes, cuja letra diz quase ingenuamente: “Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Depois de sua morte, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, seus familiares começaram a atender jornalistas de todo o país interessados em conhecer histórias da vida de Biasoli, um sujeito, sob todas as medidas, fora do comum.

São muitas histórias, talvez uma para cada música que ele compôs ao longo da vida. De acordo com seu filho, foram mais de 500 canções criadas, entre elas 120 hinos oficiais de munícipios – número que colocou Biasoli no livro mundial dos recordes.

Olga, a mulher com quem ele faria 60 anos de casado em 2015, tem na ponta da língua uma delas, chamada simplesmente “Te amo tanto”, que o marido compôs por ocasião de suas bodas de prata. “Te amo tanto, mas tanto, que falaria deste amor eternamente”, canta ela, pelo telefone, horas depois do enterro de Biasoli.

Em 1973, ele compôs aquele que talvez tenha sido seu segundo maior sucesso. Abelardo Barbosa, o Chacrinha, lendário apresentador de TV, lhe pediu para que compusesse uma música que falasse sobre o futuro.

Depois de dias de reflexão, Biasoli saiu-se com alguns versos que entrariam no imaginário coletivo do país: “Maria sapatão, sapatão, sapatão, de dia é Maria, de noite é João”. Quando mostrou a composição à família e aos amigos, foi um escândalo. “Ninguém falava desse assunto na época”, conta o filho, Nelson Júnior, que era um adolescente nos anos 70. “Hoje só se fala disso, e é uma coisa normal. De alguma forma, ele sabia que isso aconteceria.”

Sócrates

Além de músicas, Biasoli tinha facilidade para fazer amigos. Um dos maiores era o jogador Sócrates. Os dois tinham mesas cativas no tradicional bar Pinguim, em Ribeirão Preto, e viravam dias e noites engajados em conversas filosóficas, que cada vez mais flertavam com a maluquice na medida em que garrafas de bebida iam secando.

Eles discordavam em quase tudo: Sócrates era esquerdista, e Biasoli, era de direita, crítico das “ditaduras comunistas” ao redor do mundo. Numa ocasião, porém, depois de dias de bebedeira e conversas sobre religião, concordaram que os brasileiros precisavam crer em seu próprio Jesus Cristo.

“Não precisamos de um Cristo do deserto”, exclamou um deles, de acordo com o relato de segunda mão do filho primogênito de Biasoli. “Deveríamos ter um Cristo da Amazônia, um Cristo índio, um Cristo moreno, brasileiro”, concordou o outro.

Os dois liam muito e gostavam de se provocar. “Meu pai chegava no bar e comentava com o Sócrates: ‘O Júlio César não tinha nada que ter feito aquele discurso na tribuna, tinha que ter ficado na dele’, se referindo ao imperador romano”, lembra o filho. Sócrates concordava, e os dois ficavam horas a fio discutindo a política do Império Romano como se tivessem nascido dois milênios atrás.

Biasoli também compôs a conhecida canção "A benção, João de Deus", por ocasião da passagem do papa João Paulo II pelo Brasil. Às vezes, porém, não levava os ritos cristãos muito a sério. Seu filho lembra de um dia em que ele e os amigos entraram "um pouco bêbados" em uma igreja da cidade. Falando alto, Biasoli perguntava que festa era aquela que estava acontecendo ali. Na verdade, tratava-se do velório do bispo local.  

Os hinos

A necessidade de acumular conhecimento se refletia no processo criativo pelo qual Biasoli passava sempre que era convidado a compor o hino de um município. Ele saía de sua cidade, Tambaú (SP), com mulher e às vezes filhos e ficava até um mês no lugar sobre o qual teria de escrever. Entrevistava padres, médicos, políticos e todos os velhos que soubessem alguma coisa sobre a história da cidade.

Com base nessas informações, compunha o hino. “A maior alegria dele era ser convidado depois para a primeira execução pública, era a grande paixão da vida dele”, conta a mulher Olga.

A criação de “Eu sou brasileiro, com muito orgulho...” foi bem mais simples. O diretor do colégio onde ele trabalhava pediu para que ele compusesse um grito de guerra para animar seus alunos em uma competição escolar contra colégios de vários países. Antes de um duelo contra alunos alemães, Biasoli veio com os versos nacionalistas que décadas depois virariam a coqueluche da torcida brasileira.

Na última Copa do Mundo, Biasoli ficou sabendo que os simpáticos torcedores da seleção alemã estavam cantando seus versos no Brasil. Sorriu e disse: “Vejam as voltas que o mundo dá, criei a música para provocar os alemães, e agora os alemães estão cantando.”

Também era um falador. Um interlocutor teria dificuldade de se engajar em uma conversava de verdade porque Biasoli não parava de falar sobre suas músicas, seus amigos, suas opiniões, sua vida. Se você o questionasse sobre isso, ele poderia responder com versos que não saíam de sua boca e que o definiam bem, de acordo com aqueles que o conheceram:

“Não há tropeiro que não fale de tropa, carreiro que não fale de boi, menina que não fale de namorado e velho que não fale o que foi.”

Além de Olga e Nelson Júnior, Biasoli deixa Maria Isabel e Lorberto, seus outros filhos.