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Conheça o super empresário que pode levar um jovem de 16 anos ao R. Madrid

Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

23/09/2014 06h00

Pense em alguém poderoso o suficiente para emplacar um jovem de 16 anos que nunca fez uma partida como profissional no Real Madrid. A transferência de Alípio, atacante quase desconhecido que estava no caminho do Inter em 2006, dá a medida da importância que o super empresário Jorge Mendes tem, hoje, no futebol europeu, retratada em detalhes pelo jornal inglês The Guardian em matéria publicada na última segunda-feira.

Jorge Mendes é agente de gigantes como Cristiano Ronaldo e o técnico José Mourinho, entre outras dezenas de craques de primeiro nível. Sua ingerência sobre o mercado de transferências é tão grande que só na última janela ele ajudou a fazer James Rodriguez, Radamel Falcão e Angel di Maria trocarem de time por cifras milionárias.

Entenda, nos tópicos abaixo, como esse português criou um império da bola e, principalmente, o que isso significa:

Qual é o tamanho da influência dele?
A trajetória do jogador citado no primeiro parágrafo dessa matéria é um bom exemplo para responder a essa pergunta. Nascido em Brasília, Alípio atuava em uma escolinha ligada ao Internacional quando foi descoberto por pessoas ligadas a Jorge Mendes em 2006, quando tinha 14 anos.

Alípio foi para o modesto Rio Ave, de Portugal, onde sequer chegou a atuar no time profissional. Em 2008, Mendes costurou uma transferência do atacante para o Real Madrid, onde ele chegaria com o status de promessa que nunca conseguiu justificar. Hoje, roda por times modestos como Chipre e Grécia, longe do estrelato que sonhou alcançar.

A história é só um dos exemplos do que Jorge Mendes pode fazer. Quando não emplaca jovens desconhecidos em gigantes europeus, consegue encaixar atletas sem muito destaque em times de peso por somas milionárias. Foi assim com Eliaquim Mangala, zagueiro francês que foi reserva na Copa e trocou o Porto pelo Manchester City na última janela por 32 milhões de libras (R$ 125 milhões).

Ao mesmo tempo, ele também está nas movimentações dos principais nomes do mercado. Nas transferências de James, Falcão, Diego Costa e Di Maria, quatro das compras de maior impacto de 2014, Mendes fez girar 169,4 milhões de libras (R$ 664 milhões).

Como ele adquiriu esse poder?
Jorge Mendes é português e tentou ser jogador quando adolescente, sem sucesso. Segundo um perfil do jornal The Times publicado em 2009, ele começou a carreira quase por acaso. Dono de um bar e uma locadora de vídeos no nordeste de Portugal, ele conheceu Nuno Espírito Santo, goleiro de quem virou amigo no tempo em que ele atuava pelo modesto Vitória de Guimarães.

Foi Jorge Mendes quem o ajudou a se transferir para o Deportivo La Coruña, da Espanha, em uma negócio que surpreendeu e fez o futuro super agente de interessar pelo futebol. Retratado sempre como alguém de trato fácil, boa lábia e convincente, ele foi crescendo aos poucos na profissão.

Ao longo da carreira, fez parceria com rivais, clubes mais próximos e exerceu sua influência como pôde. Seu domínio explodiu a partir de 2003, quando ele colocou Cristiano Ronaldo no Manchester United. Um ano depois, foi José Mourinho, outro cliente famoso, quem trocou Portugal pela Inglaterra, mas para ir ao Chelsea.

Como Jorge Mendes opera?
É sobre isso que trata a matéria do jornal Guardian que questionou o poderio de Jorge Mendes. O empresário, hoje, é o maior nome de um modelo de negócios combatido por várias das principais instituições ligadas ao futebol, entre elas a Uefa.

Por meio da Gestifute, sua empresa de agenciamento, ele empresaria os jogadores e, teoricamente, defende seus interesses. Por outro lado, ele também investe nesses mesmos atletas com o dinheiro que arregimenta em fundos privados, comprando direitos econômicos daqueles que ele representa.

Em uma transferência, portanto, ele muitas vezes ganha comissão como agente e uma parte da transferência como investidor. Essa duplicidade é permitida em países como Brasil e Portugal, mas é condenada pela Uefa e vetada pela Liga Inglesa, segundo o Guardian, o que coloca em xeque o “modus operandi” de Mendes, em tese.

Só que, de acordo com o jornal inglês, o português vai além disso. O Guardian diz ter tido acesso a um documento de 2012 que trata da formação de um fundo de investimentos que pretendia arrecadar 85 milhões de euros (R$ 261 milhões) para comprar direitos de jogadores.

O dinheiro seria reunido em Gibraltar, paraíso fiscal europeu, e o fundo seria denominado Quality Sports V Investments LP. A ideia era usar o dinheiro para “estabelecer parcerias com clubes de desenvolvimento de atletas na Espanha e Portugal”. Na prática, isso significava comprar direitos econômicos de jogadores promissores dos dois países que posteriormente renderiam bem mais em transferências milionárias.

O aval para a formação do fundo seria a reputação de Jorge Mendes e seu polêmico sócio: Peter Kenyon, ex-chefe-executivo do Manchester United. Cartola responsável por transformar o time vermelho no clube mais rico do mundo no início dos anos 2000, Kenyon foi apresentado pelo fundo, ao lado do empresário português, como alguém com “extensa experiência na indústria do futebol e relação com os dez principais clubes que têm capacidade de investir em jovens talentos”.

Que clubes são parceiros desse modelo de negócios?
O fundo de investimento descoberto pelo jornal Guardian aponta os portugueses Porto, Benfica, Sporting e o espanhol Atlético de Madri como “clubes parceiros” de Mendes e seu esquema em 2012. Hoje, porém, esse cenário mudou, em vários aspectos.

Por um lado, Mendes estende cada vez mais seus tentáculos. Seus negócios com Chelsea, Monaco e Real Madrid são cada vez mais constantes quando se trata de grandes transferências, e ao menos uma de suas “barrigas de aluguel” rompeu relações.

Com capital aberto na bolsa, o Sporting está em situação financeira delicada. O atual presidente, Bruno de Carvalho, assumiu em março de 2013 declarando guerra ao modelo de negócios em que o clube, assim como seus principais rivais, recebe jovens valores de todo o mundo e os vende para o primeiro escalão europeu pagando gordas comissões a Jorge Mendes.

Foi esse rompimento que travou a carreira do volante Elias por seis meses, por exemplo. Em 2011, quando saiu do Atlético de Madri, o volante foi comprado por Jorge Mendes e repassado ao Sporting, que ficou com 50% dos seus direitos econômicos e uma dívida com o agente.

Para não ter de pagar essa conta sozinho, o clube português fez jogo muito duro para liberar Elias. Só o fez ao Corinthians, em abril, quando se viu pressionado pela situação econômica e tentado pela proposta de 4 milhões de euros (R$ 12 milhões) do clube brasileiro. Até que isso acontecesse, porém, o volante ficou cerca de seis meses sem jogar, preso pelo compromisso com os portugueses e, por consequência, com a dívida destes com Jorge Mendes.

Os negócios do agente também são cercados de acusações de ingerência no dia-a-dia dos clubes. A mais famosa delas estourou em 2012, quando uma matéria do jornal El Pais retratou a tensão entre Kaká e José Mourinho, cliente mais famoso de Mendes entre os técnicos.

Segundo o jornalista Diego Torres, o pai do brasileiro teria acusado o treinador de “queimar” seu filho por ele não ser empresariado por Jorge Mendes, aumentando o que ele chamou de “guerra fria” entre Mourinho e Kaká.

Como ele atua no Brasil?
Hoje, Jorge Mendes é representado no Brasil pelos ex-jogadores Luizão e Deco, que montaram uma empresa de agenciamento de jogadores nos mesmos moldes de seu guru português. Ainda no começo da empreitada, a dupla adquiriu direitos econômicos de jovens promissores e já negociou alguns deles com a Europa, sempre sob a supervisão de Mendes.

Como o super agente de Cristiano Ronaldo e Mourinho, Luizão e Deco ganham como empresários e investidores, portanto em duas pontas da negociação. Hoje eles têm entre seus clientes nomes como Rodrigo Caio e João Schmitt (São Paulo) e Wallace e Fabinho (Monaco), além do zagueiro Miranda, titular do Atlético de Madri e da seleção.

Para Luizão, porém, a acusação de conflito de interesses feita pelo Guardian não se sustenta. “Não concordo. Ele faz o trabalho dele. Investe o dinheiro do fundo, então tem de ter retorno. E ele procura o melhor para os jogadores. Não vejo problema”, disse o ex-atacante ao UOL Esporte