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Zé Roberto quer estudar para ser pastor. Mas só depois de jogar mais um ano

Marinho Saldanha

Do UOL, em Porto Alegre

23/09/2014 06h00

Zé Roberto tem muitas qualidades como jogador de futebol. Dribles, passes, gols, o repertório do experiente jogador de 40 anos é vasto. No entanto, mais habilidoso do que é para invadir defesas adversárias, o camisa 10 do Grêmio é para romper paradigmas. Com 40 anos, prova que o preparo físico pouco tem a ver com a idade, retornou para lateral esquerda com a mesma [ou maior, segundo ele] qualidade de 20 anos atrás e não está cansado. Quer mais. Promete jogar por mais um ano. 

"Por eu estar me sentindo muito bem, meu planejamento é jogar mais um ano. Até porque estou muito bem fisicamente. Quarenta para mim é só mais um número. Estou feliz, fazendo o que eu gosto", celebra. 
 
Mesmo assim, o planejamento futuro já é evidente nas palavras do jogador. Os 12 anos atuando na Alemanha estreitaram a ligação com Bayern de Munique, Bayer Leverkusen e Hamburgo. Em 2016, quando já será [ou não] ex-atleta, estuda se tornar olheiro dos clubes. "É uma porta que está aberta", comenta. 
 
E o passo seguinte também está desenhado. Zé quer estudar teologia e completar um objetivo antigo tornando-se pastor. Religioso, ele se vê com vocação para tal. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte ele mostrou o planejamento de vida e o possível 'início do fim' de uma vitoriosa carreira que acabará como começou, em alto nível. 
 
UOL Esporte: Aos 40 anos, você segue  jogando em alto nível. De onde vem essa longevidade? 
Zé Roberto: Eu acho que vem de vários fatores. Agradeço muito a Deus pela minha genética. E agrego com profissionalismo, com a forma de cuidar do meu corpo, que é meu instrumento de trabalho. Com boa alimentação, longo período de sono. Isso tudo são fatores que me ajudam a chegar aos 40 anos em alto nível. 
 
UOL Esporte: Você voltou recentemente a atuar como lateral esquerdo, a posição do início da carreira. É uma posição em que o desgaste é bem maior que o meio-campo. Como foi este retorno, o que sentiste? 
Zé Roberto: Jogar na lateral exige mais do jogador. É uma posição onde você tem a obrigação de marcar e sair para o ataque. Então você, no decorrer do jogo, está sempre se movimentando. Exige mais que outras posições que já joguei. Hoje podendo voltar a jogar ali, me sinto mais completo. Quando comecei, com 19 para 20 anos, eu só queria correr e apoiar. Hoje já conheço os atalhos, com a experiência que adquiri faço uma leitura melhor na parte defensiva. Ganhei muito jogando como segundo volante na seleção e na Alemanha, onde exige-se mais na parte defensiva. Lá aprendi muito a marcar. Hoje retornando à origem me sinto um lateral mais completo. 
 
UOL Esporte: Houve alguma dificuldade de adaptação?
Zé Roberto: Dificuldade não tive nenhuma. Me surpreendeu muito a forma que joguei o primeiro jogo e pude ajudar o time. Imaginei que iria precisar de alguns jogos. Só treinei um coletivo e já fui para o jogo. Não tive dificuldade. Isso me facilitou a ter esta sequência de bons jogos e entrar para um recorde que nosso goleiro Marcelo [Grohe] tem, que é de 628 minutos, em seis jogos sem sofrer gols. E estamos indo para o sétimo jogo sem sofrer gols. Temos uma das melhores defesas do campeonato e tudo isso temos que valorizar. É importante para o nosso time saber que a parte defensiva está indo muito bem. 
 
UOL Esporte: Qual o teu planejamento de carreira. Continuar jogando, aposentadoria? 
Zé Roberto: Por eu estar me sentindo muito bem, meu planejamento é jogar mais um ano. Até porque estou muito bem fisicamente. Quarenta para mim é só mais um número. Estou feliz, fazendo o que eu gosto. Então quero terminar o ano atingindo meus objetivos. Sairei de férias com minha família e vou ver onde vou jogar na próxima temporada. O pensamento é jogar mais um ano e pensar em acabar o ano bem. 
 
UOL Esporte: Pode ser no Grêmio o próximo ano?
Zé Roberto: Está tudo em aberto. Não tenho projeção para falar onde vou jogar. O que eu quero é jogar mais um ano e tenho totais condições para isso. A prova está aí. Acho que isso é o que tenho que exaltar, é o lado positivo que não posso deixar de mencionar. Mas ainda assim não sei onde vou jogar. Só sei que com certeza quero jogar mais um ano. 
 
UOL Esporte: Você falou agora que está feliz. Mas há algum tempo você ficou um longo período sem jogar aqui no Grêmio. Como foi esta fase inédita na tua carreira? Pensaste em desistir, em deixar o clube? 
Zé Roberto: Eu sempre tive uma sequência muito boa desde o início aqui. O que me atrapalhou um pouco foram as lesões. Eu nunca tive com frequência na carreira. Tive uma lesão no posterior da coxa de grau 2. Precisei de um tempo para voltar. E por ter sido a minha primeira levou um tempo maior. Depois recuperei, voltei a jogar, e em seguida tive outra lesão, no tornozelo. Fiquei mais de quatro semanas fora. Quando temos esse período de lesão e recuperação, atrapalha muito. Eu nunca tive isso no histórico, tive duas aqui, e isso me atrapalhou muito na sequência. Demorei um pouco para me recuperar e acabei não jogando. Hoje o Grêmio tem um plantel muito qualificado, e por a gente ter esta concorrência acabei ficando um tempo sem jogar por lesão e opção do técnico da época. Mas não deixei de fazer parte dos planos, entrava nos jogos e quando tinha chance começava. Mas o importante na carreira do jogador é ele ter uma sequência. Eu sempre tive na carreira, e esta sequência te faz buscar o melhor rendimento. E hoje me encontro no melhor rendimento porque tive esta sequência. Hoje eu quero viver este momento, que é um momento feliz.
 
UOL Esporte: Em uma época em que você viveu grande momento na Alemanha, Felipão, no comando da seleção, optou por te deixar fora da Copa do Mundo de 2002. Agora ele é seu técnico aqui no Grêmio. Como foi este encontro, vocês já conversaram sobre isso? 
Zé Roberto: Em 2001 a seleção passou por uma reformulação. Classificou-se para a Copa no último jogo. Houve passagem de três ou quatro técnicos. O último deles o Felipão que comandou o pentacampeonato. Eu fui convocado por todos os treinadores neste período de 2001. A única vez que eu fui convocado pelo Felipão foi para os dois últimos jogos da Eliminatória. Eram dois jogos complicados e o Brasil tinha que ganhar um deles para ir à Copa. A gente jogou o primeiro contra a Bolívia na altitude e o segundo contra a Venezuela no Brasil. Eu me lembro que não fui bem. A seleção perdeu o primeiro jogo e o seguinte eu não joguei. Aquele jogo me tirou da Copa. Fui avaliado por aquele jogo e por se tratar de uma concorrência muito grande, não fui chamado. Isso faz parte da nossa carreira. Foi um momento difícil para mim, mas todos os momentos difíceis se procura superar, e superei. Em seguida fui chamado para a Copa do Mundo de 2006. Esta questão nunca falamos porque faz parte do passado. Ser dirigido por ele [Felipão] é um motivo de alegria. Tem muita experiência e eu sempre tento aprender, mesmo sendo um jogador experiente. Ele nos passa coisas fundamentais. Estou muito feliz e espero que consigamos ter êxito no Grêmio. 
 
UOL Esporte: Você comentou certa vez que gostaria de seguir carreira como pastor quando parasse de jogar futebol. É um plano que segue presente? 
Zé Roberto: Eu acho que para uma pessoa chegar a ser pastor precisa de vocação. Até acho que Deus fez uma chamada para mim para um dia ser pastor. Uma vocação que eu tenho. Mas para isso eu tenho que estudar. É preciso passar por etapas. Primeiro preciso estudar teologia, depois traçar os planos. Então, por eu ter esta vocação, para um futuro pode acontecer. Mas primeiro preciso de estudo, aprimoramento e pensamento. É algo para mais futuro mesmo. 
 
UOL Esporte: Quando você recebeu uma proposta para voltar a atuar no Qatar, se falou que você teria um acordo e um convite do Bayern de Munique para trabalhar como representante do clube no Brasil. Há de fato este convite e pode se tornar realidade?
Zé Roberto: Eu não levei adiante a história do Qatar. Meu pensamento sempre foi aqui no Grêmio. Eu nem fui adiante. Sobre o Bayern de Munique, existe procura dos outros clubes em que eu joguei também. Eu joguei 12 anos na Alemanha, 4 no Leverkusen, 6 no Bayern de Munique e 2 no Hamburgo. Então eu sempre fui muito bem recebido por eles e esta amizade se mantém até hoje. Eles sabem que estou aberto para algo no futuro que possamos fazer juntos. Independente do que seja, quando terminar minha carreira, há várias possibilidades de fazer algo com algum clube na Alemanha até por minha identificação lá. O que posso dizer é que a porta se mantém aberta. Quando eu terminar minha carreira profissional vamos var o que vai acontecer. 
 
UOL Esporte: Você é um jogador que sempre se disse bastante identificado com a torcida do Grêmio. E recentemente tivemos casos de racismo contra o goleiro Aranha, do Santos, na Arena. Como você se sentiu naquele momento?
Zé Roberto: Eu achei que foi algo que generalizaram. Se você ver a imagem, é explícito a menina e seis outros torcedores. O que me deixa triste é que o clube acaba sendo penalizado por uma coisa praticamente isolada. Se fosse o estádio todo, poderíamos generalizar. Foi uma pessoa. Ela está pagando pelo que fez. Esta questão é algo que faz parte do passado. Ficamos chateados por vivermos no século 21 e termos pessoas passando por isso. É triste. Mas agora ficou para a diretoria e o departamento jurídico para ver a punição e tentar reverter para jogarmos o segundo jogo da Copa do Brasil.