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Elano: Dunga comprou briga com imprensa em 2010 a pedido dos jogadores

Guilherme Palenzuela

Do UOL, em São Paulo

02/10/2014 06h00

O início da preparação da seleção brasileira para a Copa do Mundo de 2010, no CT do Caju, em Curitiba, marcou o início de um intenso atrito entre o técnico Dunga e a imprensa.

A relação, que não era amistosa, via até então algumas respostas atravessadas e irônicas do treinador. Mas a partir do mês de junho daquele ano, Dunga passou a interferir e limitar o trabalho da imprensa.

Seleção isolada, entrevistas exclusivas vetadas e treinos fechados. Comprar essa briga, no entanto, não foi algo espontâneo do treinador. Quatro anos depois, o meia Elano,  titular daquele time e um dos mais importantes atletas da primeira Era Dunga como treinador, conta:  foram os jogadores que pediram para que Dunga se comportasse daquela forma.

“Não era ele. Naquele momento pediram para ele ser daquele jeito. Ele não é culpado sozinho. Muitas coisas que ele fez foram por questionamentos e pedidos dos jogadores. De nós. Eu estarei sempre do lado dele. Tem situações pessoais e coisas que aconteceram que só ele e a imprensa podem se resolver. Mas a parte de trabalho foi um pedido de nós jogadores”, afirmou Elano, em entrevista ao UOL Esporte.

O ponto de partida para entender o isolamento que a seleção de Dunga tentou adotar desde a preparação para a Copa de 2010, na África do Sul, está na edição anterior, quatro anos antes. Em 2006, o time de Carlos Alberto Parreira que tinha Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Adriano, Robinho e Ronaldo fez a preparação para a Copa da Alemanha em Weggis, na Suíça, de forma completamente oposta, totalmente aberta. A cena clássica foi a invasão de uma torcedora de cabelos loiros em um dos treinos. Entrou no campo, correu até o grupo de jogadores e se debruçou sobre Ronaldinho para abraça-lo. Houve muitas outras invasões. Antes, durante e principalmente depois da Copa as cenas que transpareceram falta de comprometimento em Weggis viraram motivos para criticar a seleção brasileira. Dunga, então, fez o extremo oposto. E Elano bate na mesma tecla.

Ronaldinho Weggis - Flávio Florido/UOL - Flávio Florido/UOL
A invasão clássica no treino em Weggis, antes da Copa de 2006
Imagem: Flávio Florido/UOL

“Ele [Dunga] vinha de uma Copa do Mundo em que todo mundo e principalmente a imprensa disseram que foi um desastre. Todo mundo dizia que estava errado”, diz o meia.

Ainda no período de preparação em Curitiba, em 2010, Dunga fechou parte dos treinos não só para a imprensa, mas também para o público local. Transmissões ao vivo das atividades no CT do Caju foram vetadas, assim como a participação de humoristas de TV na cobertura.

Os atritos explodiram durante a Copa, com os insultos de Dunga ao jornalista Alex Escobar, da Rede Globo, em entrevista coletiva após a vitória sobre a Costa do Marfim. Logo depois, conforme publicado pelo UOL Esporte, o motivo do atrito foi o veto de Dunga à participação de jogadores em entrevistas exclusivas para o programa dominical “Fantástico” – a Globo chegou a negociar as entrevistas com o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, algo que o treinador conseguiu barrar.  

Confira, abaixo, a entrevista com Elano. Aos 32 anos, o meia vai jogar pelo Chennai, na Índia, na recém criada Indian Super League (ISL), mas revela que só não voltou ao Santos depois de sair do Flamengo porque o presidente Odílio Rodrigues vetou.

UOL Esporte: Dunga reassumiu a seleção brasileira depois da Copa de 2014 e apareceu com discurso renovado. Falou até em manter uma boa relação com a imprensa. Mas logo depois do primeiro jogo expôs o corte de Maicon, por indisciplina...
Elano:
Dunga não vai acobertar nada. Mesmo com Maicon sendo um cara de confiança dele. Com certeza, o Dunga nunca vai esconder. Ele vai mostrar. É um cara muito correto. Ele sempre vai querer o bem da seleção e não o bem dele.

Elano Dunga - Antonio Scorza/AFP - Antonio Scorza/AFP
Elano e Dunga em treino durante a Copa de 2010: meia era titular absoluto
Imagem: Antonio Scorza/AFP

UOL Esporte: Na primeira passagem, Dunga ficou marcado pelos conflitos com a imprensa que acabaram explodindo durante a Copa de 2010. Acha que ele errou ao lidar com a situação daquela maneira?
Elano:
Não era ele. Naquele momento pediram para ele ser daquele jeito. Ele não é culpado sozinho. Muitas coisas que ele fez foram por questionamentos e pedidos dos jogadores. De nós. Eu estarei sempre do lado dele. Tem situações pessoais e coisas que aconteceram que só ele e a imprensa podem se resolver. Mas a parte de trabalho foi um pedido de nós jogadores.  Ele vinha de uma Copa do Mundo em que todo mundo e principalmente a imprensa disseram que foi um desastre. Todo mundo dizia que estava errado.

UOL Esporte: Ele chegou a ser criticado por ter chamado jogadores mais velhos, como Robinho e Maicon, que dificilmente vão participar da Copa de 2018. Você consegue explicar o motivo?
Elano: É importante nesse momento ter jogadores mais experientes envolvidos no meio. Em 2006 também tínhamos jogadores que não estariam em 2010. Há situações que jogadores como o Robinho já passou. Num momento de dificuldade, ele vai falar para os mais novos: "Calma, isso já aconteceu". Eu não tinha essa consciência em 2006 e precisei disso. Se você faz uma seleção só com jogadores novos, não tem quem passe experiência. Ele está procurando o contraste ideal, vem testando. Dá chance para todos os jogadores que leva.

UOL Esporte: A primeira convocação do Dunga mostrou uma mudança no que ele vê como futebol ideal a ser praticado. Não há mais centroavante, como Luis Fabiano ou Fred. Como você vê o reinício na seleção?
Elano:
Os meninos que estão lá hoje têm muita qualidade. Tem pelo menos quatro que podem jogar na frente, Oscar, Willian, Robinho, Neymar, todos têm muita qualidade. Com certeza podem trazer muitos frutos para nós. Tenho certeza que já deu para mostrar bastante a cara dessa seleção. É um time de marcação que tem uma chegada rápida ao ataque. Eu acredito muito no trabalho. Antes de ser técnico, ele foi um atleta muito vencedor, tem muita experiência.

UOL Esporte: Há pouco tempo vimos o Brasil perder por 7 a 1 da Alemanha. Em 2011 você esteve em campo em outro episódio que mostrou a distância do futebol brasileiro para o resto do mundo, que foi na final do Mundial em que o Santos perdeu por 4 a 0 para o Barcelona. É possível traçar um paralelo?
Elano:
No nosso Mundial, qualquer time do planeta que encontrasse com o Barcelona não ganharia. O Barcelona vivia um dos melhores momentos. Nós tínhamos um grande time, com bons jogadores. Neymar, que estava no nosso time, hoje está no Barcelona. Mas o Barça era superior não ao Santos, mas ao futebol mundial. Nos 7 a 1, a seleção era muito boa, mas houve um descontrole. É difícil retomar a partida depois que você toma três gols em cinco minutos. Ganhar de um conjunto muito bom nessa situação é complicado. A seleção teve seu deslize. Temos que repensar, nosso futebol vem regredindo. Pensam que está normal, mas a gente vê a decadência.

UOL Esporte: Você voltou ao Brasil para jogar no Santos, teve um início muito bom em 2011, mas acabou caindo de rendimento. Depois, passou por Grêmio e Flamengo. Ainda tem vontade de voltar ao clube?
Elano:
O que deixei no Santos são coisas positivas. No final do ano tem eleição, existe uma possibilidade de haver mudanças. Com o Odílio, que está lá, tive a possibilidade de voltar agora para o Santos, o Oswaldo [de Oliveira, técnico] deixou...

UOL Esporte: Agora, depois de sair do Flamengo? E por que não aconteceu?
Elano:
A gente fica magoado, se depara com algumas situações que muitas das pessoas não sabem. O Oswaldo autorizou, com ele estava ok, o Odílio que barrou. Não foi parte salarial, isso eu nem discuti. Eu queria fazer um trabalho no Santos para antecipar o agradecimento e poder sair em janeiro de 2015 para o exterior. Mas as coisas muitas vezes não são como a gente quer. Meu agradecimento ao Santos vai ser sempre muito grande.

Nota da redação: a assessoria de imprensa do Santos foi procurada e informou que o comitê de gestão nem chegou a analisar a possibilidade porque a comissão técnica não aprovou a contratação.

UOL Esporte: E se tiver a oportunidade de voltar ao Santos em janeiro, quando o contrato com o Chennai acabar?
Elano:
A minha ideia de voltar ao Brasil um dia era somente se fosse pro Santos. Meu carinho e meu vínculo com o Santos são muito grandes. Isso não depende só de mim, dependia também da diretoria. Isso vamos ver no futuro.