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Ele escapou da morte em tragédia com ônibus e agora é vital ao Inter

Odair Hellmann sobreviveu a tragédia em 2009 e é auxiliar-técnico de Abel Braga - Jeremias Wernek/UOL
Odair Hellmann sobreviveu a tragédia em 2009 e é auxiliar-técnico de Abel Braga Imagem: Jeremias Wernek/UOL

Jeremias Wernek

Do UOL, em Porto Alegre

02/10/2014 06h00

A noite de 15 de janeiro de 2009 podia ter sido o fim da linha para um volante que foi capitão de seleções de base, que tinha 32 anos e estava sentado no braço de uma das poltronas do ônibus de prefixo 5009. Às 23h23, o coletivo com a delegação do Brasil de Pelotas tombou, caiu de um barranco e vitimou três pessoas – o zagueiro Régis, o atacante Millar e o preparador de goleiro Giovane Guimarães. Odair Hellmann estava lá e sobreviveu. Cinco anos depois, ele segue uma carreira no futebol e celebra todo dia a nova chance que ganhou. No atual Internacional, ele é uma das peças da comissão técnica que faz campanha histórica no Brasileirão.

O Inter de Abel Braga, e do auxiliar-técnico Odair, tem a maior soma de pontos do clube gaúcho na era dos pontos corridos após 25 rodadas. Sonha com o título e tem diversas histórias de vida cruzadas no vestiário. Uma delas é do atual auxiliar, que viu a morte de perto e guarda até hoje o tênis da noite fatídica como um espólio da antiga vida.

Aos 38 anos, Odair é auxiliar-técnico e completa nesta quinta-feira (02) exatos cinco anos da mudança de profissão: saiu a chuteira e entrou o apito e o boné. O acidente no ônibus gerou abalo psicológico, que o faz andar ao lado do motorista do Inter em viagens com a delegação, lesão física temporária e uma mudança de visão que só os grandes traumas são capazes de fazer.

“Antes eu era preocupado demais, tudo tinha que estar do jeito que eu queria. No lugar que eu queria. Depois que eu vi que a luz pode apagar em 30 segundos as coisas mudaram”, conta um sobrevivente acostumado a tratar do assunto e que garante ter superado o baque.

Odair recorda com riqueza de detalhes o dia que mudou a vida dele. Do amistoso com o Santa Cruz, o jantar ao lado dos colegas e do último ato antes de ouvir o grito “vai virar” vindo da parte dianteira do ônibus. Segundos antes de ser jogado contra o teto e o chão, ele mandou uma mensagem de texto para a esposa e tomou um gole de chimarrão com Millar. O atacante uruguaio estava sentado ao lado do agora volante aposentado.

“Eu estava sentando no braço de uma poltrona, no corredor. O Millar bem do meu lado e só deu tempo de ouvir um ‘vai virar’. Olhei para frente do ônibus e tenho até hoje bem gravada a imagem do relógio digital marcando 23h23. Eu me encolhi, mas parecia que estava apanhando de um monte de gente. Era o ônibus girando e eu indo para cima e para baixo. Eu repeti umas 100 vezes: não vou morrer, não vou morrer”, relata.

E de fato não morreu. Após o erro na curva da BR-392, na altura do município de Canguçu, o ônibus que carregava 31 pessoas despencou por um barranco e foi parar em uma área úmida. O salvador de Odair e outros sobreviventes foi Danrlei, ex-goleiro do Grêmio. O camisa 1 recebeu a ordem de puxar o atual auxiliar do Inter de qualquer maneira, vencendo todo obstáculo imposto pelas ferragens que prendiam as pernas.

“O ar-condicionado explodiu e fez um barulho horrível, então a primeira coisa que eu pensei foi: vai explodir tudo isso. Eu não morri na queda, não morri na capotagem e vou morrer na explosão. Olhei para uma luz (a lanterna do celular de Danrlei) e implorei para ele me tirar, levando o que tinha que levar. Arrebentando o que tinha que arrebentar”, afirma Odair.

A tragédia tirou a vida dos colegas e deixou Hellmann com uma lesão nas costas. Travado na cama, com a região lombar afetada pelos diversos impactos em objetos do interior do coletivo, ele passou os quatro primeiros meses na cama. Só conseguindo se mexer com auxílio de familiares. Em outubro daquele ano, recuperado, decidiu não se arriscar em um recomeço como jogador. Foi ao Beira-Rio, pediu emprego e levou. Começou como integrante das categorias de base, no departamento de avaliação técnica, e lá precisou encarar outra vez um ônibus.

Odair Hellmann, auxiliar técnico do Internacional, durante treino da intertemporada em SC - Alexandre Lops/AI Inter - Alexandre Lops/AI Inter
Odair Hellmann teve lesão temporária nas costas após acidente em janeiro de 2009
Imagem: Alexandre Lops/AI Inter

“Nunca tive medo de viajar de avião ou coisa assim, mas depois do acidente comecei a transpirar na mão. Sentir um enjoo, um negócio estranho no estômago. E uma vez, voltando de Chapecó, eu achei que ia morrer. Era à noite e o motorista do ônibus estava indo muito rápido, muito. Não aguente, parei em Carazinho (interior do Rio Grande do Sul), fui para um hotel e segui viagem no outro dia de manhã”, revela.

Das viagens pelo interior em busca de garotos talentosos ao time profissional foram cinco anos. O surgimento no CT do Parque Gigante foi com Dunga, na arrancada de 2013. Odair Hellmann seguiu na parte permanente da comissão técnica e trabalhou ainda com Clemer antes da chegada de Abel Braga. Para ele, o período equivale a uma faculdade. Uma preparação para o plano de virar treinador no futuro.

“Eu abri mão de tentar seguir a carreira, lá aos 32 anos, e quis começar desde o início fora do campo. Eu não quero ser técnico por sorte ou azar, mas por ter vivência, conhecimento. Esses cinco anos como auxiliar são um grande aprendizado, como se eu estivesse fazendo uma faculdade” compara.

Odair Hellmann compõe o auxílio técnico de Abel Braga ao lado de Leomir de Souza - o braço direito do treinador, e Fábio Moreno. É quem comanda trabalhos táticos em campo reduzido e realiza atividades de aprimoramento técnico. Como forçar o drible e a finalização dos atacantes. Um sobrevivente que encara um dia de cada vez e pode vencer o Brasileirão com o Inter, cinco anos depois da maior vitória da vida dele.