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Rivais mineiros tratam diferente questões disciplinares. Entenda razões

Bernardo Lacerda e Dionízio Oliveira

Do UOL, em Belo Horizonte

03/10/2014 06h00

Os rivais Atlético-MG e Cruzeiro já conviveram com problemas disciplinares dos seus atletas ao longo da temporada. Discussões públicas entre treinadores e jogadores já agitaram os bastidores das equipes. Porém, a repercussão dos acontecimentos e a maneira das diretorias conduzirem as situações mostram que há diferença de comportamento entre os dois clubes. Na Toca da Raposa II, há maior blindagem dos atletas, enquanto no rival alvinegro a exposição é maior.

O técnico Marcelo Oliveira se desentendeu com o atacante Dagoberto e com o zagueiro Léo, em episódios distintos. Porém, em ambos os casos o fato foi minimizado. No Atlético, Levir Culpi se desentendeu com Diego Tardelli e também com o presidente Alexandre Kalil. Nas duas vezes, as partes envolvidas não fizeram esforço para evitar a repercussão, chegando a fomentar polêmica com declarações públicas sobre o assunto.

No Cruzeiro, quase 50 jogadores passaram nas mãos do técnico Marcelo Oliveira neste período, que teve como uma das principais tarefas administrar o ego e a vaidade do estrelado elenco celeste. Quando não foi possível, jogadores foram desligados para evitar prejudicar o ‘clima familiar’. Foi o que aconteceu com Diego Souza, por exemplo, que se queixou publicamente por ser substituído no empate em 1 a 1 com a Ponte Preta, no Brasileirão do ano passado, foi negociado com o Metalist pouco depois e agora defende o Sport. Já o volante Souza, que demonstrou insatisfação ao entrar em campo apenas nos minutos finais da vitória sobre o Sport, por 2 a 0, no 1º turno, foi barrado no jogo seguinte e emprestado ao Santos até o fim de 2015.

Mas bom ambiente não significa ausência total de desentendimentos. É o próprio treinador Marcelo Oliveira que considera natural a ocorrência de algumas situações, como a que aconteceu com Dagoberto, no vestiário durante o intervalo do empate entre Defensor e Cruzeiro, em 2 a 2, pela Libertadores, e o bate-boca do treinador com o zagueiro Léo, em treino na Toca da Raposa II.

“Pode ser que alguém que não é do futebol não entende um vestiário do jogo, às vezes tem que orientar de forma mais enérgica e o jogador que tem brio às vezes não quer sair”, disse Marcelo Oliveira à época do problema com Dagoberto. Esses casos foram exceções à regra. O técnico celeste demonstra cuidado permanente para evitar expor os atletas publicamente, ainda que seja uma análise individual de uma atuação. As conversas são sempre pessoais.

A diretoria também age internamente quando necessário, sem dar repercussão aos problemas, evitando criar polêmicas. A tática quase sempre é colocar panos quentes nos assuntos e esconder o máximo possível qualquer tipo de situação para blindar os jogadores, tanto que já adotou até lei do silêncio, após derrota na Copa do Brasil para o Flamengo no ano passado.

O departamento médico chegou a ‘esconder’ a lesão que Nilton teve no joelho esquerdo. A pedido do atleta, foi divulgada uma contusão muscular, mas só posteriormente o volante admitiu que fez uma artroscopia. O clube também preservou o jogador na negociação com a Inter de Milão, que segundo os italianos não se concretizou pelo fato de o jogador não ter passado nos exames médicos. A versão oficial é que não houve acordo financeiro.

A diretoria do Cruzeiro considera que a gestão do grupo de jogadores se inicia no momento da contratação, buscando-se atletas com um perfil que garanta bom comportamento. A maioria dos jogadores é casada, inclusive os mais jovens, e quase todos convivem em um ambiente mais familiar, avesso às baladas. O aspecto religioso também une grande parte do grupo, já que vários jogadores são evangélicos e frequentam igrejas, como Fábio, Ceará, Dagoberto, entre outros.

“Eu vejo o futebol como profissional e nós, efetivamente, quando escolhemos qualquer atleta, fazemos uma pesquisa na vida profissional e detectamos se o atleta se adequa aos prosseguimentos do Cruzeiro. Realmente não tivemos nenhum problema com referência à conduta disciplinar, porque previamente escolhemos os jogadores e exigimos também que cumpra com suas obrigações”, afirmou o supervisor de futebol, Benecy Queiroz, há 45 anos no clube celeste.

Marcelo Oliveira administra vaidades - Washington Alves/Light Press - Washington Alves/Light Press
Marcelo Oliveira evita expor seus jogadores, tratando assuntos mais difíceis, de forma interna e evitando exposição pública
Imagem: Washington Alves/Light Press

Por essas razões, o experiente volante Tinga elegeu a Toca como melhor local de trabalho. “Vivo aqui o que nunca vivi no Grêmio, no Inter, ou lugar nenhum. Isso é muito sincero. Poderia dizer que era melhor lá, que era titular, aqui jogo menos, mas senti união e amizade”, disse o jogador, que se recupera de uma cirurgia. “Somos todos irmãos, temos luta, a briga, muitas vezes discutimos entre nós, mas o carinho e o produto final que o Cruzeiro vença, sempre está acima e, por isso, temos a amizade e a compreensão quando está chateado”, acrescentou.

Outros jogadores experientes e que chegaram a Toca, badalados como Borges e Júlio Baptista, também ficam no banco de reservas sem causarem transtornos ou atos indisciplinares. O único atraso desta temporada, por exemplo, foi de outro veterano, o lateral direito Ceará, por causa do trânsito, mas ele participou normalmente da atividade assim que chegou ao CT. O clube sequer utiliza o expediente de multar atletas, pois isso ainda não foi necessário em 2014.

Muitas polêmicas

Do outro lado, a lista de problemas não abafados no Atlético-MG é extensa. Ainda no início do trabalho do técnico Levir Culpi, uma discussão pública esquentou a relação entre o comandante e Diego Tardelli, um dos principais nomes do time. O camisa nove foi substituído no segundo tempo da partida contra o Atlético Nacional, em maio, quando o Atlético foi eliminado na Libertadores e reclamou publicamente. Em sua coletiva, o técnico rebateu e criticou os números apresentados pelo atleta em campo.

Outro item dessa lista foi a discussão pública entre Alexandre Kalil e o técnico Levir Culpi. Sem se preocupar em tornar o assunto privado. O dirigente reclamou das declarações do treinador sobre o planejamento do clube de 2014 e esbravejou via Twitter. O treinador atleticano ajuda a esquentar discussões, com sua postura sincera. Ele não faz questão de tratar esses temas de forma interna e não se furta a comentários públicos, em suas entrevistas, muitas vezes polêmicas.

Após se desentender com Levir Culpi por substituições na final da Recopa Sul-Americana contra o Lanús, Ronaldinho Gaúcho foi liberado para participar da festa de despedida de Deco, no Porto. O então camisa 10 perdeu o voo, não apareceu na festa em Portugal e nem deu as caras na Cidade do Galo. Levir deu entrevista dizendo que se Ronaldinho tivesse se apresentado o utilizaria contra o Sport, em Recife. O diretor de futebol, Eduardo Maluf, garantiu que nem o jogador ou o irmão e empresário Roberto Assis tinham entrado em contato e admitiu possibilidade de punição. Na verdade, Ronaldinho estava deixando o Atlético, o que se confirmou dias depois.

Outro “sumiço” tratado publicamente, e acompanhado de muitos boatos, foi o atacante Jô. Ele faltou à reapresentação do elenco, na véspera da viagem para o jogo contra a Chapecoense, em Santa Catarina. O atleta não justificou a ausência e foi cortado da partida. O desaparecimento do jogador, causado por um problema familiar, teve vários capítulos, até que terminou com coletiva de Jô, que se desculpou, mas não evitou o pagamento de multa.

O diretor de futebol do Atlético-MG, Eduardo Maluf, reconhece que aplicar multas e conversas são medidas adotadas pelo clube para evitar problemas disciplinares. “A gente sabe como segurar o grupo. Temos experiência no futebol e sabemos que em um grupo de 30, 35 jogadores teremos alguns problemas. Mas a gente se manifesta sempre internamente, conversando com os atletas, punindo quando é o caso”, garantiu o dirigente.