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Laleska e Gretchen ajudam a acabar com o preconceito no futebol brasileiro

Gretchen é treinadora de futebol de escolinha em Jaboatão de Guararapes - Arquivo Pessoal
Gretchen é treinadora de futebol de escolinha em Jaboatão de Guararapes Imagem: Arquivo Pessoal

Luís Augusto Símon

Do UOL, em São Paulo

10/10/2014 06h00

Em tempos de luta contra a homofobia, o futebol, esporte no qual o machismo impera, tem, no Nordeste, dois casos de derrota do preconceito: Laleska Waleria, a juíza de Beberibe, no Ceará, e Gretchen, a treinadora de escolinha em Jaboatão de Guararapes, em Pernambuco.

Os dois casos exemplares podem se tornar um, em pouco tempo. Valério Fernandes Gama, a Laleska, está decepcionada com o velho amor. "Cansei, só isso. Não tenho mais alegria, estou pensando em ser cozinheira, mas o povo não me deixa parar”, explica.

Valério era goleira. Começou em 1997, com 18 anos. Em 2000, começou a apitar. “Eu me encontrei assim. Foi uma maravilha apitar. Imponho respeito, uso roupa escura e não sou de fazer gestos exagerados. Estou ali para trabalhar e não para desfrutar”.

O desfrute é noturno, quando Valério troca roupas masculinas por saias e collants e se transforma em Laleska Waléria. “Sou travesti. Tenho seios, sou uma mulher quase completa. Só tem aquele pequeno detalhe que me deixa diferente. Mas nunca vou fazer operação drástica para mudar. Gosto de ser homem também. Meu guarda roupa tem metade roupa de homem e metade de mulher”.

Laleska cobra R$ 100 por jogo que apita na liga amadora de Beberibe (52 mil habitantes, a 78 kms de Fortaleza) e em outras cidades. “Muita gente da região me chama, já apitei em Fortaleza também. Faço pelo menos três jogos por semana. Dá para viver bem.” Ela diz que nunca sofreu preconceito. E o fato de ter uma profissão ajudou. “Nunca fiz prostituição. Não gosto quando confundem travesti com prostituta.”

Laleska, que era funcionária da Prefeitura e foi demitida quando seu candidato perdeu a eleição, não tem medo de perder o que ganha hoje como árbitra, sua única fonte de renda. “Não sou assim de planejar muito. Eu cansei mesmo, tenho de parar. E nem sei o que vou fazer da vida”.

Se Laleska ganha bem, Gretchen confessa viver em miséria quase absoluta. “Ganho bolsa família e vivo com minha amiga Nina, que é manicure. Ela me acolhe. Minha vida mesmo é ensinar futebol para as crianças”.

Gretchen treinadora  - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
Gretchen em seu trabalho como treinadora de futebol
Imagem: Arquivo Pessoal
Gretchen é Nerivaldo Eretiano da Silva, de 49 anos. Todos os dias, das 14 às 16h ela dá treino para 45 meninos de 13 a 18 anos em Jaboatão dos Guararapes, cidade de 680 mil habitantes a 18 quilômetros de Recife. Ela deixa os trejeitos de lado, pega o boné, o apito e incorpora seu lado de professora exigente. “Meu ídolo é o Felipão. Tem de ser durão para ter respeito da criançada.”

Ela garante ter o apoio da comunidade. “Todos os pais confiam em mim, ninguém pensa que eu vou me aproximar das crianças com pensamento ruim.” Todo seu esforço é para ajudar o time. “Vou nas lojas e peço guaraná, arrumo transporte, lanche para os dias de jogos. Minha vida é essa, não quero mudar nunca”.

O cansaço que tomou conta de Laleska, Gretchen garante, nunca chegará ao Felipão de Jaboatão. “Quero morrer assim, em um campinho dando aula”.