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Mourinho já xingou Deco por SMS. As histórias do técnico com brasileiros

Luís Aguilar

Especial para o UOL

16/10/2014 06h00

Época 2002/03. Segundo jogo da semifinal da Copa Uefa (nome antigo da hoje Liga Europa). O Porto tinha goleado a Lazio por 4 a 1 na primeira partida e viajou para Roma com uma vantagem confortável. A final estava mais próxima. Mas havia um problema: José Mourinho foi expulso no Estádio das Antas depois de ter impedido o jogador rival cobrar um lateral. Teria de ver o duelo das arquibancadas do Olímpico de Roma e estava proibido de orientar a sua equipe. Apenas um pormenor. Nada que Mourinho não conseguisse contornar. Com a ajuda dos seus auxiliares e da tecnologia.

No livro “José Mourinho – Um ciclo de vitórias” (Luís Lourenço, 2004), conta-se que a Uefa colocou um espião duas filas abaixo do treinador português para se certificar que este se não comunicava com o banco de reservas. Mas o treinador do Porto tinha tudo bem armado: “Mourinho posicionou-se na arquibancada entre Lima Pereira e André Vilas Boas. Cada um deles tinha entre as pernas um aparelho de celular. Com o espião da Uefa sempre de olho, a Mourinho restava falar com os dois auxiliares de uma forma normal e descontraída: atenção, fecha a direita ou cuidado, o Inzaghi está sem marcação. As palavras de Mourinho eram de imediato escritas e enviadas para o banco, onde um outro aparelho fazia a recepção”

Foi assim que Mourinho orientou o time via sms rumo à final. E também foi assim que repreendeu Deco durante o segundo jogo com a Lazio: “Manter a posse, o Deco que não invente e jogue mais.” “Digam ao Deco que eu tou f.., tem que produzir muito mais!!!” Aos olhos do treinador, o luso-brasileiro não produziu o suficiente e foi substituído por Tiago aos 80 minutos. O jogo acabou 0 a 0 e o Porto foi à final em Sevilha, onde derrotou o Celtic por 3 a 2. Era o primeiro título europeu de Mourinho numa história que ainda começava a ser escrita.

Deco foi um dos jogadores mais importantes desta grande equipe do Porto. A principal estrela de um conjunto que conseguiu vencer a Liga dos Campeões na temporada seguinte. A história entre jogador e treinador não começou da melhor forma. Mourinho recordou esse episódio numa coletiva de imprensa no ano passado: “No início da minha carreira tive uma situação cômica com o Deco. Ele estava no Porto, eu na União de Leiria. Em novembro de 2001, nós jogamos contra o Porto e trocamos algumas palavras quentes durante o jogo. Duas semanas depois eu era treinador do Porto. Quando entrei no balneário a primeira coisa que fiz foi olhar para o Deco e ele estava a olhar para os joelhos dele", lembrou Mourinho, entre sorrisos. Provavelmente, Deco tinha pensado que poderia sofrer alguma represália do seu novo técnico, mas não foi isso que aconteceu. Os dois formaram uma aliança perfeita durante duas épocas. Venceram todos os troféus: 1 Taça UEFA, 1 Liga dos Campeões, 2 Ligas portuguesas, 1 Taça de Portugal e 2 Supertaças de Portugal.

“Deco custava zero”

No final da aventura, Mourinho foi para o Chelsea e Deco seguiu para o Barcelona. Os caminhos foram diferentes e os dois só voltaram a se encontrar como adversários. Duas vitórias para Mourinho e uma para Deco. Podiam ter voltado a trabalhar juntos quando Mourinho estava no Internazionale de Milão e Deco no Chelsea, mas as negociações falharam e o treinador português ficou irritado com o seu antigo clube: “Para ser justo sobre o Deco, acho que é muito difícil um jogador do Chelsea vir jogar comigo. Sempre que estou interessado por um jogador deles, parece diferente. No verão disseram-nos que ele custava praticamente zero euros. Duas semanas depois, quando souberam que o Inter estava interessado, passou de zero para cinco milhões.”

Não houve reencontro, mas nunca se esqueceram. Deco já disse, em várias ocasiões, que Mourinho é fantástico. No último mês de julho, Mourinho não pôde estar no jogo de despedida de Deco no final de julho de 201’4, realizado no Estádio das Antas, no jogo Porto e Barcelona, mas endereçou uma mensagem ao “mágico” (como ainda hoje é conhecido pelos torcedores do Porto o meia): “Deco é um grande símbolo do Porto e de uma equipe que marcou uma geração. (…) É com grande pena que não estou aí mas que se divirtam muito. O Deco merece. Foi um jogador marcante numa equipe histórica. Deco, que sejas tão feliz na tua nova vida como foste enquanto grande jogador.”

Carlos Alberto virou exemplo sucesso desperdiçado

Quem esteve na despedida de Deco foi Carlos Alberto. Outro dos jogadores brasileiros que pertenceram a esse time histórico do Porto que venceu a Champions em 2004. Carlos Alberto tinha apenas 19 anos e tornou-se numa referência. Parecia encaminhado para uma brilhante carreira europeia, mas acabaria por se eclipsar. Quando Mourinho estava na Inter, em 2009, usou o exemplo de Carlos Alberto para falar sobre os jovens jogadores, com grande potencial, que acabam por se deslumbrar: “Treinei um jogador que é ainda hoje o mais jovem da história a marcar numa final da Liga dos Campeões [autor do primeiro gol na vitória na vitória do Porto frente ao Monaco por 3-0]. Não sei onde joga hoje. Sei que ganhou a Champions em 2004, em 2005 foi para o Corinthians, em 2006 para o Werder Bremen, em 2008 foi para o São Paulo e para o Botafogo. É um jogador espetacular, absolutamente espetacular, mas não sei onde joga hoje. É significativo.”

Por essa altura, Carlos Alberto estava no Vasco da Gama. Um dos vários clubes por onde passou após sair do Porto numa carreira errante. Hoje, com 29 anos, está de volta ao Botafogo, mas nunca esqueceu o treinador português: “Foi um privilégio trabalhar com Mourinho. Era o meu comandante, aquele que brigava e cobrava para que o atleta tivesse tudo para poder pensar somente em jogar.”

David Luiz já tomou bronca de Mourinho no meio de entrevista

Mourinho regressou ao Chelsea na temporada passada e ficou claro que David Luiz não era o seu estilo de zagueiro preferido. O brasileiro foi para o PSG esta temporada (numa transferência de 50 milhões de euros) e o treinador não ficou nada triste, como admitiu em julho: “Na última temporada, o David Luiz não foi uma primeira escolha. Como zagueiro-central, definitivamente, não foi, pois John Terry e Gary Cahill é que jogaram toda a temporada. No meio-campo, ele impôs o seu físico e deu coisas importantes a equipe na Champions, onde o Matic não podia jogar. Mas, nesta temporada, já posso contar com o Matic, pelo que não vamos perder essa capacidade.” Mourinho acrescentou ainda que a decisão de prescindir de David Luiz foi unicamente futebolística: “Ele fez coisas importantes no Chelsea, foi sempre um excelente profissional e sentiremos a falta dele enquanto bom rapaz que é. Mas, do ponto de vista do futebol, penso que a nossa equipe é mais forte do que era.”

David Luiz começou por dizer que saiu para o PSG porque Mourinho não o queria em Londres, mas recentemente deu uma nova versão dos acontecimentos e garantiu que o Chelsea até chegou a lhe oferecer um novo contrato, só que, mesmo assim, ele preferiu ir para Paris. Discursos diferentes entre dois protagonistas que passaram juntos apenas uma época, mas que ainda viveram alguns momentos cômicos. O mais emblemático foi logo após uma vitória do Chelsea frente ao Liverpool. David Luiz e Eden Hazard estavam dando entrevistas quando Mourinho deu um abraço irônico no brasileiro e mandou-lhe um recado em frente às câmeras de televisão: “Este tipo [cara] recebeu o cartão amarelo para estar suspenso contra o Southampton e, assim, poder ir passar as férias de Natal em Portugal.” David Luiz garantiu que não sabia já ter quatro cartões amarelos (cinco cartões amarelos causam suspensão no campeonato inglês), mas a repreensão ficou dada. Noutro momento, durante uma coletiva de imprensa, Mourinho desatou numa enorme gargalhada depois de David Luiz ter deixado escapar um palavrão. Mesmo sem apreciar muito as suas qualidades futebolísticas, Mourinho ainda se divertiu com David Luiz.

Mourinho quer que a Espanha trate Diego Costa com carinho

A saída de David Luiz para o PSG permitiu ao Chelsea ter dinheiro suficiente para contratar Diego Costa, que estava Atlético de Madri, por 40 milhões de euros. Na temporada passada, Mourinho chegou a criticar a falta de eficácia dos seus homens da frente. Mas, depois da Copa, tudo mudou. Diego Costa já marcou 9 gols na liga inglesa e é o melhor artilheiro da competição. Uma peça fundamental no novo Chelsea de Mourinho. Tão importante que o treinador não quer que o jogador volte a ressentir-se de problemas físicos. Especialmente quando estiver a serviço seleção de Espanha, como fez questão de sublinhar antes do jogo contra o Arsenal, em que Diego Costa voltou a marcar: “Pode ele jogar três jogos por semana? Acho que é demasiado, mas ele vai fazer isso. E por quê? Porque eu não vou poupá-lo para que ele possa jogar por Espanha...”

O técnico espanhol Vicente Del Bosque fintou a polêmica com Mourinho, mas aproveitou para colocar ainda mais pressão em cima do jogador: “Tenho fé em Diego Costa e não quero problemas com Mourinho”, garantiu o treinador, que lembrou a importância Diego Costa na nova seleção de Espanha. “Ele tem pela frente um desafio que é demonstrar a todo o mundo que tomamos a decisão correta”, aludindo à opção de chamar o hispano-brasileiro à Roja, pela qual ainda não havia marcado até domingo (12), contra Luxemburgo.

Com fé ou sem fé, com gols ou sem, o radar de Mourinho vai estar apontado a Del Bosque. O Special One não quer perder o seu artilheiro mais importante. Um jogador, garante Mourinho, pelo qual o Chelsea estava à espera desde a última temporada. Diego Costa é o novo amor do treinador português. Como em tempos aconteceu com Deco e com Carlos Alberto.