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Calendário e estilo de Dunga transformam convocação da seleção em problema

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

23/10/2014 06h00

Não são apenas os jogadores que estão apreensivos. O técnico Dunga vai anunciar às 11h desta quinta-feira (23), na sede da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), a convocação da seleção brasileira para amistosos contra Turquia (12/11, em Istambul) e Áustria (18/11, em Viena) – o evento será acompanhado ao vivo pelo UOL Esporte. A ansiedade sobre a formação da lista podia ser apenas dos atletas, mas é compartilhada com torcedores. Por causa do calendário e do estilo do treinador, a seleção virou um problema.

Jogadores convocados por Dunga perderão pelo menos uma rodada do Campeonato Brasileiro (a 34ª, cujas partidas inicialmente estão todas marcadas para 16 de novembro). Também vão desfalcar suas equipes no primeiro duelo da decisão da Copa do Brasil (12/11) e na volta das quartas de final da Copa Sul-Americana (o confronto São Paulo x Emelec está previsto para 11/11). A lista ainda pode incluir mais duas rodadas do Brasileiro, dependendo da logística montada pela CBF.

O estrago ainda será complementado pela seleção sub-21. O técnico Alexandre Gallo convocou na última segunda-feira (20) um grupo de 23 atletas para um torneio na China. A lista que participará da competição entre os dias 8 e 18 de novembro tem nomes como João Pedro (Palmeiras), Marcos Guilherme (Atlético-PR), Carlos (Atlético-MG), Gabriel (Santos) e Thalles (Vasco), que têm sido titulares de suas equipes.

Serão muitos problemas para os times brasileiros, e tudo isso numa das fases mais agudas da temporada. Com tudo isso, a diferença de orientação é cada vez mais clara: há um conflito de interesses entre os torcedores dos clubes e da seleção.

Como vai ser a convocação

Depois das vitórias sobre Argentina (2 a 0 em Pequim) e Japão (4 a 0 em Cingapura), Dunga foi questionado sobre o estrago que a convocação desta quinta-feira (23) poderia fazer nos clubes locais. Na ocasião, preferiu tergiversar.

“Não pensamos ainda nos próximos dois jogos. Nosso foco estava no presente, e o presente era Argentina e Japão. Sabíamos da responsabilidade que temos na seleção, principalmente contra a Argentina, que é um clássico de grande rivalidade. Assim também como foi contra o Japão, que tínhamos de ganhar e fazer jogos convincentes. Não só para nós, mas para o torcedor e para os jogadores, para terem alegria de jogar na seleção brasileira”, disse Dunga.

Anteriormente, porém, o treinador já havia dito que não tinha qualquer intenção de moldar a seleção pensando em não prejudicar clubes brasileiros. Nas duas convocações feitas até aqui, Dunga chamou um máximo de dois atletas por equipe nacional.

Times já haviam apelado à CBF antes de Dunga divulgar a lista para amistosos contra Argentina e Japão. O presidente do São Paulo, Carlos Miguel Aidar, reclamou depois – Souza e Kaká foram chamados para substituir Ramires e Ricardo Goulart, cortados por lesão.

A preocupação das equipes voltou nos últimos dias. Diretorias de clubes chegaram a procurar a CBF e pedir liberação de atletas convocados para a sub-21. Também há temor sobre atletas que podem aparecer na lista da equipe principal. Contudo, a tendência é que Dunga ignore tudo isso.

“Antes, todo mundo reclamava que não havia jogadores de times brasileiros na seleção. Hoje dizem o contrário, e é um questionamento válido, mas existe uma democracia dentro da CBF. Se algum clube quiser que seus atletas não sejam mais convocados, basta mandar uma carta pedindo. Nós vamos atender”, avisou Dunga após a convocação para amistosos contra Argentina e Japão.

O que os jogadores pensam

Até aqui, todos os atletas que se pronunciaram disseram que torcem para fazer parte da lista de Dunga, ainda que muitos tenham sido ponderados e lamentado os efeitos que isso pode causar em suas equipes.

“Difícil escolher. Não sou quem assino os regulamentos dos campeonatos. Eu faço minha parte no meu clube, e como todo jogador eu quero ser convocado para a seleção. Não fujo disso. Quero continuar sendo chamado, e se o Corinthians vai ser prejudicado ou não as pessoas têm de analisar com mais calma antes de assinar esses regulamentos”, argumentou o volante Elias, do Corinthians, titular da seleção brasileira nos dois últimos jogos.

“É claro que a gente quer sempre representar o clube, que é quem paga, mas a seleção é o auge. Todo jogador quer estar na seleção, e eu não sou diferente. Foi um prazer estar aqui, e eu vou fazer de tudo para voltar. Vou trabalhar no clube para que isso possa acontecer”, completou o também volante Souza, do São Paulo, convocado pela primeira vez na carreira.

Por que o estilo de Dunga influencia tanto

Dunga já havia comandado a seleção brasileira entre 2006 e 2010 e reassumiu o comando da equipe depois da Copa do Mundo. A segunda passagem dele pelo time nacional tem quatro jogos e quatro vitórias, mas já foi suficiente para delinear aspectos importantes do time que o treinador pretende montar.

Em pelo menos três momentos, Dunga usou em entrevistas coletivas a metáfora da cadeira vazia. A ideia do técnico é que jogadores que se distanciam da seleção abrem espaço, e com isso podem permitir que outros atletas se consolidem no grupo.

As trajetórias de Hulk e Robinho exemplificam isso. O atacante do Zenit estava na primeira convocação de Dunga, mas sofreu uma lesão e foi cortado. Chamado para o lugar dele, o jogador do Santos agradou durante o período dos amistosos contra Colômbia e Equador e foi mantido no grupo na lista seguinte.

Fernandinho e Ramires, volantes que estiveram nas duas listas, também tiveram problemas físicos. Ambos foram cortados dos amistosos contra Argentina e Japão.

“Se alguém levanta e deixa a cadeira vazia, vem outro e senta. Nós temos sete ou oito volantes de grande qualidade. Então, qualquer um pode aproveitar o espaço”, avisou Dunga.

O pragmatismo também conta

Há outro aspecto a ser considerado sobre o estilo de Dunga: a prioridade do técnico agora é recuperar o moral da seleção brasileira, e o caminho que ele escolheu para isso é o resultado.

Um dos principais motivos para a CBF ter escolhido Dunga depois da Copa de 2014 é a história dele como jogador. O atual comandante da equipe nacional foi massacrado após ter sido volante do Mundial de 1990 (aquele período chegou a ser conhecido, de forma pejorativa, como “Era Dunga”). Soube conviver com essa frustração e reagiu com o título de 1994.

Capitão do tetracampeonato mundial, Dunga despejou palavrões quando ergueu a taça. Foi uma comemoração em tom de desabafo, algo que representou perfeitamente alguém que havia colocado a vitória acima de qualquer esforço para agradar.

Assim como aconteceu na caminhada até o título de 1994, a aposta de Dunga agora é o resultado. O técnico assumiu a seleção depois de um fim melancólico de Copa, incluindo a maior derrota da história da equipe – 7 a 1 para a Alemanha, na semifinal, em pleno Mineirão. O time que ele começa a estruturar não tem medo de ser pragmático. Foi assim contra a Argentina, que controlou a maioria do amistoso e perdeu nos contragolpes.

Da equipe ao discurso, Dunga escolheu o resultado como forma de reaver a estima dos torcedores. Ele não tem feito um trabalho com viés político ou laudatório, e isso tem influência direta na convocação.

O calendário brasileiro tem rodadas em datas-Fifa. O técnico da seleção tem fomentado a concorrência entre os jogadores, priorizado atletas que colocam a equipe nacional acima de tudo montado um trabalho pragmático. Em meio a tudo isso, a seleção é um problema cada vez maior para os torcedores de clubes. A convocação desta quinta-feira (23) é prova disso.