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Morte de Serginho deu uma vida nova a volante do Paysandu

Bebeto Campos se aposentou aos 29 anos com a mesma doença que matou Serginho - Arquivo pessoal
Bebeto Campos se aposentou aos 29 anos com a mesma doença que matou Serginho Imagem: Arquivo pessoal

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

25/10/2014 06h00

Bebeto Campos estava no auge da carreira quando recebeu a notícia que mudaria sua vida para sempre. Ele era titular do Paysandu e atuava na primeira divisão do Campeonato Brasileiro. Mas em um exame médico a que todos os seus colegas se submeteram, o volante descobriu, aos 29 anos, que se ele não parasse de jogar, seu coração poderia parar de bater.

O ano era 2004 e a morte súbita, termo banal do vocabulário esportivo, tinha se transformado em uma realidade literal no futebol. Em um intervalo de dez meses, três jogadores haviam colapsado em campo, na frente das câmeras, para assombro daqueles que sempre consideramos o esporte uma celebração da vida e não da morte.

Bebeto Campos conhecia um deles, Serginho, o zagueiro do São Caetano cujo óbito completa 10 anos na próxima segunda-feira. Eles haviam se enfrentado algumas vezes na época em que tanto o São Caetano quanto o Paysandu, time de Bebeto, estavam na primeira divisão.

Depois que Serginho morreu no gramado do Morumbi, vários clubes obrigaram seus jogadores a fazer exames cardíacos. Alguns foram afastados preventivamente ao menor sinal de perigo. Bebeto foi um dos primeiros a desistir da carreira ao se descobrir doente. Não foi uma decisão fácil, mas ele não discutiu com a ciência.

“Eu corria atrás de bola desde os 13 anos, velho, era só o que eu sabia fazer”, diz ele, por telefone, com o sotaque baiano de quem sempre viveu em Salvador. “Foi triste parar, mas a vida é mais importante que tudo.” Ele chegou a fazer outros exames, procurou uma segunda, uma terceira opinião, viajou a São Paulo com o coração cheio de esperanças, mas os médicos foram unânimes: com miocardiopatia, uma alteração no músculo cardíaco, era muito arriscado continuar a jogar.

Depois do que aconteceu com Serginho, que tinha a mesma doença e praticamente a mesma idade, Bebeto não ousou sequer questionar a recomendação médica. O Paysandu também o aconselhou a parar, embora tenha continuado lhe pagando salário até o fim do contrato.

Aos 29 anos, o volante mudou para o time dos aposentados. Foi uma fase difícil e ele diz que precisou de “uns dois anos” para “relaxar mais” e aceita a nova condição. Continuou praticando atividade física e participando de peladas com amigos, com o cuidado de nunca forçar o coração claudicante.

Como tudo na vida, a aposentadoria precoce teve seu lado bom. Na época, Bebeto tinha uma filha de quatro anos e um menino de onze. Sem trabalhar, vivendo apenas do dinheiro que tinha acumulado nos tempos de jogador, o ex-volante pôde ver de perto as crianças crescerem. Isso era difícil quando ele precisava dividir seu tempo entre treinos, jogos, concentrações e viagens.

E se hoje ele está lá para a família, muito se deve à conjunção de fatores que fizeram, a partir da morte de Serginho, o futebol levar mais a sério os problemas cardíacos de atletas. O exame que detectou a miocardiopatia de Bebeto só aconteceu por causa da tragédia que tirou a vida do zagueiro do São Caetano, uma semana antes.

Só em 2014, depois de dez anos de “férias forçadas”, Bebeto voltou a trabalhar. Ele acaba de montar uma escolinha de futebol em Salvador para ensinar outras crianças o ofício que seu coração o obrigou a abandonar. “A vida é mais importante”, repete ele. “O resto, a gente corre atrás.”