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Mourinho x treinadores. Sobrou para Felipão e até Corinthians foi envolvido

Luís Aguilar

Do UOL, em Lisboa

29/10/2014 06h00

Tudo começa com Vítor Baía. O goleiro do Porto esteve na origem da primeira discussão entre José Mourinho e Luiz Felipe Scolari. O técnico brasileiro tinha sido contratado pela seleção portuguesa em dezembro de 2002. Naquela altura, Mourinho estava à frente do Porto e o jogador, em grande forma na equipe. O time tinha ganhado tudo: Campeonato Português, Copa de Portugal e Copa da Uefa (que se chama Liga Europa atualmente). No ano seguinte, os dragões voltaram a vencer o campeonato e conquistaram a Liga dos Campeões. Baía chegou mesmo a ser considerado o melhor goleiro da competição. Mas Scolari sempre o preteriu na seleção. Nunca deu oportunidade ao titular do Porto. Chegou mesmo a convocar Bruno Vale, terceiro goleiro da equipe de Mourinho. Os responsáveis do clube, incluindo o seu treinador, viram nessa atitude uma provocação.

E assim começou uma das grandes inimizades do futebol português. De um lado, Felipão. Do outro lado, toda a estrutura do Porto. Mourinho disse, em várias ocasiões, que não percebia o motivo pelo qual Scolari deixava Baía fora da seleção. Scolari respondia sempre que era opção técnica e recusava-se a dar mais esclarecimentos. Passados alguns anos, porém, apresentou uma versão diferente.

Em 2012, numa entrevista à estação de televisão portuguesa RTP, o técnico brasileiro disse que não convocou Vítor Baía por causa de Mourinho e de Pinto da Costa, presidente do Porto. Lembrou uma conversa que supostamente teve no início de 2003, antes de um jogo Belenenses x Porto. "No dia anterior [ao Belenenses- Porto], tive um encontro com as lideranças do Porto, técnico e presidente. Disseram-me que o Vítor Baía não estava mais nos planos do clube, não jogaria mais e que estava em conflito com o seu treinador [José Mourinho] e com a direção. Foi o presidente do Porto que me disse isto. A partir daí, passei a olhar com outros olhos para o Vítor Baía. Quem jogou esse jogo [Belenenses-FC Porto] foi o Nuno Espirito Santo. Um mês ou dois depois [o Vítor Baía] voltou a jogar no Porto."

Scolari fez confusão com as datas e com o goleiro desse jogo. Foi mesmo Vítor Baía que jogou. E disse que não falou antes porque não valia a pena: "Todo mundo sabe que ele [Pinto da Costa] tinha grande influência. Não adiantava porque era uma briga contra um dos maiores dirigentes do futebol português." Um dirigente que, curiosamente, ajudou a levar Scolari à seleção portuguesa, como chegou a afirmar Antônio Boronha, antigo presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Nessa altura, Pinto da Costa chegou mesmo a dizer que Scolari era um técnico de renome, com êxitos magníficos e que a seleção ficaria "bem entregue". O amor, contudo, transformou-se em ódio por causa de Baía e fez com que Mourinho e Scolari tivessem o seu primeiro confronto.

Neymar na mira

E não parou por aí a rusga entre os dois. Na temporada passada, Mourinho já estava no Chelsea, mas nem assim deixou de atirar uma farpa ao seu antigo rival Barcelona. Neymar foi o alvo. O treinador dos Blues acusou o atacante brasileiro de simular faltas, o que valeu a expulsão do jogador do Celtic, Scott Brown, em um jogo da primeira fase da Liga dos Campeões 2013/2014. "Essas ações me entristecem e me preocupam, porque eu também estou na briga pela Liga dos Campeões. Nós queremos ver agressividade, boas atuações, e não simulações", disse o português. Scolari classificou de "absurda" a campanha de Mourinho contra Neymar. "Sabe que mais tarde ou mais cedo o Chelsea pode jogar com o Barcelona e está a colocar os torcedores, a imprensa e os árbitros contra Neymar. Isso é decepcionante", disse o então treinador da seleção brasileira.

Mourinho deixou Scolari falando sozinho. Uma raridade. Mas ainda antes desta polêmica tinha aproveitado o seu regresso ao Chelsea para lançar um pequeno ataque ao brasileiro: "Houve um treinador do Chelsea, Luiz Felipe Scolari, que, quando chegou ao Chelsea, disse que nunca tinha visto um clube tão organizado no departamento de análise, que nunca tinha visto um grupo de jogadores com esta ética de trabalho. Isso aconteceu um ano depois de eu sair mas, apesar de nunca ter mencionado o meu nome, foi um grande elogio porque era a minha ética de trabalho, o meu departamento de análise e preparação."

Scolari entrou no Chelsea em julho de 2008 e saiu em fevereiro de 2009. Sem deixar saudades em Stamford Bridge. Foi um dos sete treinadores contratados por Roman Abramovich desde a saída de Mourinho.

Wenger: o saco de pancada

Apesar de alguns entreveros com Scolari, nenhum outro treinador consegue ter tantos problemas com Mourinho como Arsène Wenger. E o português tem sido implacável com o chefe do Arsenal. Dentro e fora do campo. No último embate, o Chelsea bateu o Arsenal por 2 a 0 e Wenger chegou mesmo a empurrar Mourinho. Só mais um episódio na guerra entre os dois.

A troca de mimos começou ainda na primeira passagem de Mourinho pela Inglaterra. Wenger fez alguns comentários sobre o Chelsea e Mourinho contra-atacou: "Wenger é um voyeur. É daquele tipo de gente que gosta de estar a observar as pessoas. Desses tipos que, quando estão em casa, têm um telescópio enorme para ver o que está a acontecer noutras casas. Fala e fala sobre o Chelsea." O francês disse que Mourinho estava desligado da realidade e do respeito: "Quando uma pessoa estúpida alcança o êxito, isso torna-a ainda mais estúpida e não mais inteligente."

Na última temporada, Wenger preparava-se para cumprir o milésimo jogo a serviço do Arsenal. Precisamente contra o Chelsea. Mourinho voltou à carga: "Admiro Wenger e admiro o Arsenal, um clube que apoia seu técnico nos maus momentos, e eles têm muitos maus momentos". Mourinho destacou ainda o fato de o francês permanecer no cargo mesmo sem conquistar título desde 2005: "O tributo é dizer que todos nós, treinadores, gostaríamos de ter o mesmo privilégio nos nossos clubes." Quanto ao jogo? O Chelsea venceu o Arsenal por 6-0. Foi o presente que Mourinho deu a Wenger. Os dois confrontaram-se por 12 ocasiões. Balanço: sete vitórias para Mourinho e cinco empates. Wenger nunca ganhou do treinador que mais odeia.

Tirando Guardiola do sério

Tirando Guardiola do sério - Dani Pozo/France Presse - Dani Pozo/France Presse
Imagem: Dani Pozo/France Presse

A rivalidade entre Mourinho e Guardiola fez a alegria dos jornais espanhóis durante dois anos. Foi tema de reportagens, documentários e livros. Os ataques de Mourinho eram constantes. Mas o então treinador do Barcelona tentava não responder. Aguentou, aguentou, até que explodiu. Ainda na primeira temporada de Mourinho no Real Madrid, as duas equipes iriam se enfrentar nas semifinais da Liga dos Campeões (2010/2011). Dias antes, o técnico do Barça tinha criticado o "acerto" de um assistente do juiz Alberto Undiano na final da Taça do Rei em que o Real Madrid venceu o Barcelona por 1 a 0, com um gol de Cristiano Ronaldo. Guardiola cornetou a decisão acertada de um gol anulado de Pedro, do Barça, por impedimento. Verdade seja dita, por escassos centímetros. Mourinho respondeu com ironia e, desta vez, conseguiu irritar o sempre tranquilo Pep: "Até agora havia dois grupos de treinadores: um, muito pequeno, que não fala dos árbitros; outro, grande, onde me incluo, que os critica quando cometem erros graves. Agora, numa nova era, há um terceiro grupo, onde só está Guardiola, que critica o acerto do árbitro. Isso nunca tinha visto."

Guardiola respondeu a Mourinho na coletiva de imprensa antes do jogo. Deu a entender que nunca tinha criticado o árbitro da final da Taça do Rei pela decisão correta. Que tudo tinha sido uma manipulação das suas declarações pelos jornais de Madri.

"Como ele me tratou por Pep, também vou tratá-lo por José. Amanhã iremos enfrentar-nos no campo. Fora do campo, ele já ganhou. Ofereço-lhe a sua Champions particular fora do campo, que lhe faça bom proveito e a leve para casa. Dentro do campo vamos ver o que acontece. Também podia tirar uma lista com erros contra nós e nunca mais saíamos daqui. Mas não tenho secretários, nem ajudantes que me apontam todas essas coisas. Nesta sala ele é o grande chefe, o grande amo, e não quero competir com ele em nenhum instante. Só lhe recordo que estivemos juntos durante quatro anos [quando Mourinho foi adjunto no Barça em que Guardiola jogava]. Ele conhece-me e eu conheço-o. Pode ler o que quiser, os amigos de Florentino Pérez, a "central leiteira", pois que o faça, mas eu trabalhei quatro anos com ele."

A "central leiteira" focada por Guardiola é a expressão pejorativa que se dá no futebol espanhol a alguns jornalistas que escrevem a mando do Real e do seu presidente. E Pep continuou: "Dentro do campo tento aprender muito quando jogo contra ele ou quando o vejo na televisão. Fora do campo tento aprender pouco." Em campo, na Liga, deu Barcelona, mas a batalha entre os dois só acabou no final da temporada 2011/2012, quando Guardiola saiu da Catalunha para tirar um ano sabático antes de rumar ao Bayern de Munique.

Até o Corinthians foi usado

Mourinho consegue xingar os seus rivais por onde passa. Na Inglaterra, Espanha ou Itália. Vão-se somando. Rafa Benitez é um deles. O treinador espanhol teve grandes embates com o português nos tempos em que orientava o Liverpool. Mais tarde, quando Mourinho estava em Madri, Benitez foi para o Chelsea.

Nessa altura, durante uma entrevista à rádio espanhola Onda Cero, o jornalista disse a Benitez que os merengues poderiam estar interessados em contratá-lo assim que acabasse o seu contrato no Chelsea, uma vez que Mourinho também devia sair de Madri no final da temporada. "Sei de algumas coisas, mas não vou dizer nada sobre o Real Madrid porque acho que não devo fazê-lo", afirmou o espanhol. A resposta evasiva deixou no ar que os rumores de um possível interesse do Real tinham um fundamento muito forte. Mourinho respondeu: "Como torcedor do Chelsea, espero que ele não estava pensando no Real Madrid durante o jogo contra o Corinthians [dias antes o Chelsea tinha perdido a final do Mundial de Clubes para o clube brasileiro]."

Sobre Carlo Ancelotti, Mourinho também foi esmagador: "Ancelotti é o único treinador da história que perdeu uma final da Champions depois de estar a ganhar 3 a 0 no intervalo [em alusão à final da Champions de 2005, quando o Milan perdeu para o Liverpool]."

Claudio Ranieri é outro dos "ódios de estimação" de Mourinho. Os dois chegaram a ser adversários no Campeonato Italiano. Ranieri tinha por hábito mandar os seus jogadores ver o filme Gladiador, como forma de motivação. Mourinho ridicularizou a estratégia: "Se antes de um jogo, eu puser a minha equipe para a ver o filme Gladiador, os meus jogadores desatam à gargalhada ou então chamam o médico para saberem se estou louco." Também disse sobre Ranieri: "É velho." "Aborrece-me." "Esteve cinco anos na Inglaterra e só sabe dizer good morning [bom dia]."

Dentro do campo, Mourinho ganhou muitas vezes e perdeu algumas dos rivais. Mas, fora do gramado, raramente deixa os seus adversários sem resposta. Uma marca registada do treinador mais polêmico do mundo.