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Ele perdeu vaga na seleção e teve 8 anos de reserva. Hoje é aposta de Dunga

Marcelo Grohe já perdeu vaga na seleção de base para Cássio, colega de apartamento - Bruno Junqueira/Txt Assessoria
Marcelo Grohe já perdeu vaga na seleção de base para Cássio, colega de apartamento Imagem: Bruno Junqueira/Txt Assessoria

Marinho Saldanha

Do UOL, em Porto Alegre

30/10/2014 06h00

"Persevere e triunfarás" é um dito popular que soa antigo, mas na essência é atual. E outras palavras não explicariam melhor a trajetória de Marcelo Grohe, goleiro do Grêmio.

No clube desde 2000, virou titular em 2006. Jovem, oscilou algumas vezes e viu outro tomar seu lugar. Virou suplente ano após ano. Treinou, evoluiu, cresceu e abraçou nova oportunidade em 2012, com a saída de Victor. Brilhou, e quando esperava ser mantido, viu Dida ser contratado por imposição do técnico Vanderlei Luxemburgo. Resignado, não abriu mão do amor que tem pelo clube. Esperou mais um ano. Insistiu, perseverou, e foi premiado. Conquistou posto, e a torcida que o tem por ídolo. 

"Costumo dizer que a gente pode ver pelos dois lados. Negativo e o positivo. Eu procuro sempre ver as coisas boas mesmo nas horas difíceis. O que eu pude tirar foi o aprendizado, poder trabalhar com um grande goleiro como é o Dida. Ter mais perseverança, mais paciência, todas estas coisas", disse. 
 
Valeu a pena. Em 2014 as atuações só melhoraram, ele ficou 8 jogos sem levar um gol sequer no Brasileirão. Até que o prêmio máximo veio em 2 de outubro, com a primeira convocação para seleção brasileira principal. Lá, sentiu-se à vontade, e acredita que deixou boa impressão em Dunga para novas chances. 
 
Fora do Rio Grande do Sul, poucos conhecem a história do camisa 1 do Grêmio de 27 anos, que desde os 13 deixava Campo Bom, na região metropolitana de Porto Alegre, para encarar treinamentos em Porto Alegre. Dividiu apartamento com Cássio, atual goleiro do Corinthians, e em 2006 viu o companheiro 'tomar' seu lugar na seleção de base. 
 
Marcelo recebeu a reportagem do UOL Esporte em casa, na zona norte de Porto Alegre, esbanjou simplicidade e manteve o discurso feito há alguns anos. "Se eu jogar a vida toda no Grêmio e conseguir construir uma história no clube, vou ser um cara realizado", afirmou. E torcida para isso entre os tricolores, certamente, não falta. 
 
UOL Esporte: Poucos conhecem você fora do Rio Grande do Sul. Você está em outro status agora, como goleiro de seleção. Como você vive este momento? 
Marcelo Grohe: É tudo fruto do trabalho, do que eu faço desde as categorias de base. Chegou meu momento, minha hora. Trabalhei muito para isso. Esperei bastante também. Estou muito feliz neste momento e trabalho muito no dia a dia para que continue. Sabemos com é o futebol.
 
UOL Esporte: Chegaste com quantos anos ao Grêmio? Espelhava-se em quem? 
Marcelo Grohe: Cheguei em 2000, tinha 13 anos. Eu morava em Campo Bom, vinha todos os dias, estudava pela manhã e treinava durante a tarde. Com 17 anos me mudei para Porto Alegre porque os treinamentos começaram a ser pela manhã e à tarde. Sempre gostei de olhar futebol. Sou do tempo do Taffarel na seleção, depois veio Marcos, Dida, Rogério Ceni, goleiros de Copa do Mundo. Depois o Júlio César. E o Danrlei. Tudo que ele conquistou e representa para o clube. São goleiros que eu sempre admirei e me espelhei. 
 
UOL Esporte: No Grêmio você teve uma trajetória difícil. Momentos de reserva, oportunidades em 2006, depois banco de novo. Como você conseguiu transformar isso em algo positivo?
*Nota: Grohe assumiu a titularidade em 2006, posteriormente foi considerado muito inexperiente para a posição e Sebástian Saja foi contratado para a temporada de 2007. Viveu 2008, 2009, 2010 e 2011 na reserva e no fim de 2012 teve chance. Em 2013 foi reserva de Dida e assumiu a titularidade absoluta apenas neste ano. 
Marcelo Grohe: Olhando para trás, eu comecei a jogar muito cedo. Para um goleiro até isso não é normal, ainda mais em time grande. É difícil um goleiro jogar tão novo. Pode acontecer, mas é difícil. É normal o jovem ter altos e baixos, e aconteceu comigo. Tive um longo período na reserva. Olhando para trás vejo que foi um grande aprendizado, uma escola ter passado todos estes anos no clube. Hoje tenho 27, muita coisa para acontecer. Muita gente pode achar que tenho até mais. Mas não, tenho ao menos mais 10 anos de carreira em alto nível, porque um goleiro se cuidando consegue jogar mais tempo. Tudo serviu de aprendizado para poder encarar estes momentos muito preparado. Olhando para trás vejo que tudo que passei me faz estar pronto agora. 
 
UOL Esporte: Como foi em 2013, quando você acabou uma temporada muito boa e viu o Dida chegar e você voltar para o banco. Pensaste em deixar o Grêmio? 
Marcelo Grohe: Eu vinha da temporada de 2012 muito boa. A comissão optou pela vinda do Dida. Foi um momento difícil para mim. Mas costumo dizer que a gente pode ver pelos dois lados. Negativo e o positivo. Eu procuro sempre ver as coisas boas mesmo nas horas difíceis. O que eu pude tirar foi o aprendizado, poder trabalhar com um grande goleiro como é o Dida. Ter mais perseverança, mais paciência, todas estas coisas... Consegui superar isso, segui meu trabalho esperando uma chance. Esta situação de sair aconteceu no meio do ano. Houve uma sondagem. Mas eu sempre deixei tudo acontecer naturalmente. Se tivesse que sair, sairia. Se achasse que meu tempo tinha acabado no Grêmio. Mas graças a Deus eu não aconteceu, e neste ano estou vivendo este momento. 
 
UOL Esporte: A torcida do Grêmio gosta muito de você. E foste reserva por muito tempo. A que tu achas que se deve esta ligação com a torcida? 
Marcelo Grohe: A torcida cobra muito, mas sabe reconhecer. Isso é uma identificação com o clube, o carinho,  e eu até digo amor que tenho pelo clube. São 13 anos de Grêmio, mais da metade da minha vida eu estive aqui. É minha segunda casa. E o torcedor cobra e sabe reconhecer. Eu sei que no futebol é impossível agradar a todos, mas grande parte sempre esteve comigo. Cobrou quando tinha que cobrar, aplaudiu quando tinha que aplaudir, vibrou quando tinha que vibrar. Sou muito grato ao torcedor porque nos momentos difíceis eles estiveram comigo e me deram força, que me motivou para seguir trabalhando pelas oportunidades no clube. 
 
UOL Esporte: Foi tua primeira convocação para seleção principal, mas na base você havia sido chamado. E teve uma situação de você ser cortado para convocação Cássio [hoje no Corinthians] que era teu colega de apartamento. Como foi essa situação? 
Marcelo Grohe: Em 2006, teria o Sul-Americano Sub-20 em 2007. Eu tive algumas convocações e estava nos planos para o Sul-Americano. Mas tive uma lesão no dedo no fim do Brasileiro de 2006 e fui cortado. Foram convocados o Muriel [do Inter] e o Felipe, que era do Santos e hoje está no Fluminense. Lembro que o Felipe teve problema de doping. Me ligaram no meio das férias perguntando se eu poderia ir. Eu estava há muito tempo parado, fora de forma. Falei que não tinha condições. Era algo emergencial, em 15 dias começaria o campeonato e eu não tinha como jogar. E  5 minutos de eu desligar o telefone com o pessoal da seleção, o Cássio me ligou e me deu a notícia que tinha sido chamado [risos]. Depois ele fez um baita campeonato, foi vendido ao PSV [da Holanda] e hoje está no Corinthians. É um amigo que tenho no futebol, sempre que dá nos falamos. 
 
UOL Esporte: Como era o apartamento com o Cássio, quem cuidava mais das coisas...
Nota: Grohe, Cássio e Carlos Eduardo eram colegas também nas categorias de base do Grêmio
Marcelo Grohe: Era eu, o Cássio e o Carlos Eduardo, que hoje está na Rússia, que jogou no Flamengo. Nos dávamos super bem, éramos meio bagunceiros, mas vinha uma doméstica que arrumava as coisas. Até hoje levamos uma amizade legal. Cada um tomou um rumo diferente, mas o carinho e o respeito segue o mesmo. 
 
UOL Esporte: E a seleção brasileira, como foi a recepção? 
Marcelo Grohe: Primeiro passa um filme na cabeça de tudo que passou para chegar lá. É o máximo do jogador. Depois tem que se firmar lá, que é outro passo. Mas chegar lá é uma grande vitória. Depois ficamos imaginando como vai ser, chegar, ficar entre grandes jogadores do futebol mundial... Mas fui bem recebido, o ambiente é ótimo na seleção.
 
UOL Esporte: E o contato com Taffarel, citado entre seus ídolos?
Marcelo Grohe: Muitos falavam bem dele, quando pude ter contato com ele, comprovei tudo que o pessoal comenta. É um cara extraordinário. Me deixou muito à vontade. É um cara muito legal mesmo, não é à toa tudo que representa para o Brasil. 
 
UOL EsporteHá algum tempo você falou que jogar no Grêmio a carreira toda era um dos teus projetos. Segue assim? 
Marcelo Grohe: Sou bem tranquilo quanto a isso. Eu digo que o futebol é dinâmico, tudo acontece muito rápido. Se fala uma coisa e acontece outra. Não se pode 'cravar' nada. Eu falo que se eu jogar a vida toda no Grêmio e conseguir construir uma história no clube, vou ser um cara realizado. Eu acho muito legal o Rogério [Ceni] está parando, o Marcos já parou, a história que tiveram nos clubes deles, a identificação com a torcida é muito legal. Mas eu deixo as coisas acontecerem, entrego nas mãos de Deus e o que tiver que acontecer vai acontecer.