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Açougueiro de Bilbao diz por que nunca se desculpou por lesão em Maradona

Daniel Brito

Do UOL, de Brasília

04/11/2014 06h01

Esta é uma daquelas histórias que o tempo suaviza e, por mais dura que tenha sido, até os protagonistas dão risadas depois. O personagem principal deste capítulo do futebol mundial se chama Andoni Goykoetxea, 58. Nome de goleiro espanhol, tal qual o basco Andoni Zubizarreta, e sobrenome de goleiro argentino, Sergio Goycochea, com alguma diferença na grafia.

O Goykoetxea em questão também é basco, defensor, mas zagueiro, e dos duros. Fez história com a camisa do Athletic Bilbao, do País Basco, na Espanha, e foi titular da seleção espanhola no México-1986. Nada disso, contudo, é capaz de tirá-lo do rol dos maiores vilões do futebol mundial. Fama conquistada pelo episódio envolvendo ele e Diego Maradona, então com 22 anos, no Barcelona, em setembro de 1983.

“Já virou piada. Essa história com Maradona já virou uma anedota para mim”, contou ao UOL Esporte, em uma tarde quente de outubro, na cidade do Gama (DF), durante treinamento do time B da seleção de Guiné Equatorial, da qual é o treinador. O time está neste mês no DF para amistosos.

Eram 13 minutos do segundo tempo do duelo entre Barcelona e Athletic Bilbao, no Nou Camp, pela 5ª rodada do Espanhol-1983/1984. O time da casa vencia por 2 a 0 quando Maradona recebeu uma bola de costas para o gol, na intermediária. Com um toque rápido, ele a dominou e a tirou do alcance do zagueiro, Goykoetxea, que já deslizava deitado pelo gramado, com as travas da chuteira esquerda cravando o tornozelo do argentino. 

O camisa 10 caiu olhando para seu agressor, que levantou-se e voltou para compor a linha defensiva do Bilbao. Maradona deixou o campo chorando, enquanto Goykoetxea levou apenas uma breve reprimenda do árbitro Jimenez Madrid. “Foi um caso fortuito”, justificou à imprensa, na época, o juiz.

A cena ocorreu na noite de 24 de setembro de 1983. A partida terminaria 4 a 0 para os donos da casa. Mesmo após 31 anos, Goykoetxea tem opinião semelhante ao de Madrid. “O futebol é assim, acontecem acidentes. Foi um acidente. Eu acho que não deveria ter entrado daquela maneira, tão forte naquela altura do campo. Pensei que poderia roubar-lhe a bola. Mas Maradona, que era rapidíssimo, chegou antes de mim e eu o acertei”, disse na sexta-feira passada, 31.

Açougueiro de Bilbao diz por que nunca se desculpou por lesão em Maradona - Daniel Brito/UOL - Daniel Brito/UOL
Goykoetxea está no Brasil treinando a equipe B da seleção de Guiné Equatorial
Imagem: Daniel Brito/UOL
Seja “acidente” ou “lance fortuito”, o fato é que a jogada resultou na fratura do maléolo (ossinho da lateral do tornozelo) e rompimento dos ligamentos do tornozelo esquerdo. A imprensa argentina trata esse episódio como um marco histórico na carreira do craque. Os jornais do país publicaram especiais sobre o caso em 2013, quando completaram-se 30 anos do acontecido.

“Maradona ainda não havia ganhado nada até então, ainda não era o Maradona de 1986. Ele só passou a ganhar tudo depois dessa lesão. O que quero dizer com isso? Goykoetxea não o partiu ao meio, não matou o Maradona. Hoje vemos coisas pior. Muito pior”, defendeu-se o basco, citando o português Luis Figo, que já fraturou a perna de um jogador do Sevilha, que nunca mais voltaria jogar, após uma entrada criminosa na altura do joelho.

O jogo de 1983 incendiou a rivalidade da época entre bascos e catalães. No duelo seguinte, com Maradona já recuperado, o argentino provocou uma briga generalizada. Ironicamente, Goykoetxea não fez parte do tumulto e camisa 10 acabou levando uma suspensão de três meses pela confusão.

Apelido inglês
A lesão foi o suficiente para a imprensa inglesa classificar Goykoetxea como o “Açougueiro de Bilbao”. O lance com o argentino ocorreu sete meses após o mesmo Goykoetxea quebrar a perna do alemão Bernd Schuster, então no Barcelona. Na ocasião, o ex-zagueiro também afirmara que não havia feito de propósito.

O apelido irrita Goykoetxea até hoje. E ele lhe foi conferido pela imprensa inglesa, quando do encontro entre Athletic Bilbao e Liverpool, pela Liga dos Campeões da Europa de 1983. E perdurou: em 2007, o tradicional jornal inglês "Times" elencou as 50 figuras mais violentas do futebol. Nenhum brasileiro faz parte do ranking. Mas o topo da lista é de Andoni Goykoetxea.

“O jornal 'Times' não faz a puta ideia do que é esporte, do que é futebol. Fui um jogador que só jogou na primeira divisão. Por 18 anos, jogando na primeira divisão. No Athletic Bilbao, sou conhecido como o defensor que mais gols marcou pelo clube. Não era um cara que me dedicava a dar patadas. Marquei mais de 40 gols. Fiz quatro gols pela seleção da Espanha. inclusive em Copa do Mundo”, enumerou.

E contou mais: “Quando voltei ao Nou Camp, no jogo seguinte à lesão de Maradona, havia 100 mil pessoas e toda vez que tocava na bola, eram 100 mil pessoas assobiando, me vaiando. Sabe como terminou esta partida? Ganhamos por 1 a 0. Sabe quem fez o gol da vitória do Bilbao contra o Barcelona em um estádio com 100 mil torcedores? Fui eu! Ah tinha a pressão, tinha isso, aquilo. Mas eu fui lá meti o gol da vitória.”

Trata-se de um conto de meias verdades. De fato, Goykoetxea marcou um gol de cabeça na vitória por 1 a 0 do Bilbao sobre o Barcelona no Camp Nou. Mas isso foi 10 meses antes da lesão em Maradona. Ele é o 35º maior goleador da história do Bilbao, com 44 gols, de 1975 a 1987. À frente dele, só meias e atacantes.

Encontro com a seleção brasileira
Dentre os gols de que tanto se orgulha pela seleção espanhola, um deles foi marcado por motivos relacionados ao Brasil. Goykoetxea foi o autor do terceiro dos cinco gols da Espanha contra a Dinamarca, na famosa versão Dinamáquina, da Copa do Mundo do México-1986. “Foi o gol mais importante do jogo, porque estava 2 a 1 para a Espanha e houve uma cobrança de pênalti, que eu bati e abrimos 3 a 1, sepultando a reação dinamarquesa”, relembrou.

Duelo que ocorreu graças a um erro do árbitro do confronto entre Espanha e Brasil, na estreia do Mundial, Francisco acertou um chute de fora da área em que a bola bateu no travessão, quicou dentro do gol, pelo menos 20cm, e saiu. O árbitro australiano Christopher Bambridge mandou o jogo seguir. “Brasil tinha equipe de qualidade, como sempre, mas me lembro que encaramos de igual para igual. Não merecíamos ter perdido aquela partida. Não só pelo gol não marcado, mas pelo jogo como um todo. Fomos segundo no grupo e foi melhor, porque pegamos aquele timaço da Dinamarca”, opinou.

A vida seguiu e Goykoetxea voltou a encontrar-se com Maradona na década de 1990, quando o argentino defendeu o Sevilha. “Nos encontramos para tomar um café, e conversamos. Mas não pedi desculpa. Se cada vez que cometemos algo sem intenção, mesmo que seja um erro, formos pedir perdão, a única palavra que vamos dizer na vida é perdão, desculpas”, justificou o ex-defensor.

“Para minha vida profissional, Maradona foi uma piada. Uma piada desgraçada. Depois deste café, nunca mais falei com ele, não somos amigos”, explicou Goykoetxea.

Visita ao Brasil
Andoni Goykoetxea tem 58 anos hoje e há dois trabalha como treinador da seleção principal de Guiné Equatorial, um dos menores países da África, ex-colônia espanhola. Não confundir com Guiné Conacri, epicentro do surto do ebola, a febre hemorrágica que amedronta o mundo. Os dois países são separados por mais de 2.5 mil quilômetros.

O basco está com a seleção B de Guiné Equatorial realizando treinamentos e disputando amistosos no Distrito Federal e Goiás. Foi trazido pelo empresário Marcio Granada, que trabalha na promoção de eventos e jogos do time do Gama, equipe tradicional do DF, mas que não disputou nem sequer a Série D deste ano. Em 15 de novembro, Gama e a equipe B de Guiné Equatorial farão uma partida para celebrar os 39 anos de fundação da equipe candanga.

Em seguida, Guiné Equatorial deve realizar alguns amistosos e treinamentos em São Paulo, para, em seguida, retornar à África, para um torneio com países da África Central, como Chade, Sudão. É mais uma tentativa de Goykoetxea de colocar a equipe no Top 100 do ranking da Fifa. A seleção guineense ocupa o amargo 125º na lista, de um total 209 países. Um de seus melhores momentos à frente da equipe, foi quando perdeu por 2 a 1 para a Espanha, em amistoso, no ano passado.