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Paulo André admite erros do Bom Senso e diz que esperança está em Brasília

Para P. André, Bom Senso errou ao procurar a CBF, que nunca abriu portas aos atletas - Reprodução/UOL
Para P. André, Bom Senso errou ao procurar a CBF, que nunca abriu portas aos atletas Imagem: Reprodução/UOL

Guilherme Costa e Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

11/11/2014 06h00

Quando surgiu, o Bom Senso protestou em campo, ergueu faixas, se reuniu com dirigentes e tentou mudar o futebol pela CBF. Paulo André, principal líder do grupo, hoje entende que o movimento errou. Aprendeu na prática. Sem diálogo com a cartolagem, os atletas perceberam que o caminho era ir para Brasília, onde o lobby político pode dar, finalmente, o resultado que o movimento tanto espera.

“Brasília é um ninho de cobras, mas é democrático. Você tem direito de participar de uma audiência pública, propor uma emenda. Na CBF você não tem esse direito porque é uma entidade privada. O cara não precisa fazer nada que alguém peça. O Papa pode falar: ‘Pelo amor de Deus, muda a cor da bola’, e ele vai falar não”, disse o zagueiro, em entrevista exclusiva ao UOL Esporte

Trata-se de uma mudança no movimento, que entendeu a duras penas que o sistema não mudaria apenas por boa vontade. Depois de algumas frustrações com cartolas, o grupo está animado com o futuro na capital federal. Paulo André fala na “maior vitória do movimento”, que seria a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte nos moldes que o movimento imagina.

Na entrevista que você confere a seguir, o zagueiro explica como espera fazer isso, repassa toda a trajetória do Bom Senso e opina sobre temas polêmicos do futebol brasileiro.

Os erros e acertos em um ano de Bom Senso
O balanço é superpositivo. É um movimento histórico pela importância, pela repercussão e pela união da categoria, que nunca tinha se unido ou se manifestado dessa forma. Quando você é o reformista, precisa comemorar qualquer coisa: ser recebido pela presidente, ser recebido pelo ministro da Casa Civil, o nível de discussão nos programas, nos jornais e entre os torcedores é muito maior. É unânime a necessidade de mudança no calendário, coisa que lá atrás a gente discutia. As pessoas falam que o movimento esfriou ou acabou, e realmente ele diminuiu nas ações públicas porque a gente percebeu que não tem poder de influência nenhum sobre a CBF e que aquelas manifestações não dariam resultado. A única coisa que pode dar resultado é a greve, e talvez essa seja a única solução para resolver no curto termo toda a questão. Aí você mexe com toda a estrutura de poder e a estrutura financeira. Fora isso, você pode dar cambalhota no campo. Os caras não têm vergonha de perder por 7 a 1. Você acha que vão ter vergonha da gente lá abrindo faixa contra eles? A gente está mais perto do que nunca de ter a maior vitória do movimento, que tem tudo para ser em Brasília, porque é o único lugar em que a gente tem acesso e tem direito de pressionar, exigir, mudar e participar de uma construção de uma lei ou regulamentação.

Conversa frustrada com a CBF
A gente não influencia a CBF. Então, não tem por que falar com a CBF. A CBF na verdade deveria propor isso, criar comitês de discussão entre as partes técnicas, políticas e interessadas para desenvolver cada setor e cada dimensão do futebol o longo do ano, constantemente. Isso não existe. Os clubes, que também poderiam exigir isso, não exigem por medo da Globo, que paga, e da CBF, que organiza. As federações não querem saber; elas têm aumentado a arrecadação todo ano. Então, eles estão ganhando. Você não tem peso nenhum. Por que o cara vai te escutar? Ele vai fazer no máximo uma média, que foi o que eles fizeram: “abre a porta aí para não acontecer como aconteceu nas manifestações”. Se a gente ficar não escutando, o barulho aumenta. Então escuta aí, esfria o negócio, e daqui a pouco eles perdem a mobilização. Você tem CBF e tem Brasília. Não tem outro caminho para ir. Então, vamos para Brasília. E lá as coisas andaram, apesar de ser um processo muito mais demorado e muito mais difícil, porque é um jogo político gigantesco. Só que não é uma coisa que você consegue ficar na mídia todo dia mostrando, como era a faixa e a mobilização em todo jogo. A gente entende que só há uma maneira de mexer com a CBF, que é uma regulamentação das entidades que administram o desporto. As entidades que se utilizam de dinheiro público já estão mais ou menos enquadradas em alguns princípios básicos de transparência de gestão, mas a CBF, evidentemente, pelo dinheiro que recebe dos patrocinadores, não precisa de dinheiro público. Ainda assim, há uma tentativa de democratização. Acho que essa palavra é o termo que fez com que a gente mudasse a nossa mentalidade. Não adianta mudar o calendário agora, não adianta aprovar o fair play agora. No fundo, o poder continua nas mãos dos mesmos, e o sistema continua o mesmo. Você precisa de alguma forma quebrar esse modelo.

CBF x Brasília
Brasília é um ninho de cobras, mas é democrático. Você tem direito de participar de uma audiência pública, propor uma emenda. Na CBF você não tem esse direito porque é uma entidade privada. O cara não precisa fazer nada que alguém peça. O Papa pode falar: “pelo amor de Deus, muda a cor da bola”, e ele vai falar não. Em Brasília vai abrir um debate, um “vamos discutir”.

“Time” do Bom Senso em Brasília
Na primeira vez nós fomos convidados para ir a Brasília. Era um movimento social importante, que tinha exposição. Naquele primeiro momento, muita gente queria surfar a nossa onda. A gente foi aprendendo, e [montar] a equipe foi uma opção no fim do ano, depois do fim do campeonato, porque eu tinha uma leitura de que não aguentava mais trabalhar. Eu precisava deixar na mão de alguém e tomar decisão. Ou seja: eles nos dão informação, e a gente reúne o comitê, a nossa turma, e decide. A gente no início não queria ir para Brasília porque era político, e os jogadores não queriam ligar suas imagens a nenhum político. Até que a gente entendeu que fazia parte do jogo, mas o movimento o tempo todo foi apartidário. A gente nunca se envolveu com isso. Nós negociamos com o Otávio Leite, que é do PSDB, e com o Randolfe, que nos apoiou e é do PSOL. O Romário é do PSB, e eu estive na Câmara em uma audiência para falar de fair play, ainda no ano passado, com Danrlei, Vicente Cândido. A gente tentou construir. A gente sabe que há forças conservadoras e forças reformistas. A gente foi entendendo o jogo jogando. Mas eu não lembro do dia em que a gente falou: “Brasília? Fazer o quê?”. Foi natural. A gente perdeu muito tempo negociando com o Vilson [Ribeiro, presidente do Coritiba], por exemplo, e nunca teve um documento oficial dizendo que ele representava os clubes.

A votação da LRFE
A gente tem essa leitura [de que o Congresso está dividido] e vê aí três cenários: a proposta deles, que é insuficiente. É mais um Refis, que vai daqui a cinco ou dez anos voltar a dar problema para o governo e para o futebol. Aí tem a nossa proposta, que é profunda, e a proposta do governo. A maior pressa nesse momento é dos clubes para aprovar. Eles precisam do refinanciamento das dívidas. Eles têm a bancada da bola, que é forte, mas não sei se conseguem aprovar o projeto como está. Quanto mais enrolar, quanto menos se conversar para se chegar a um acordo e para que todo mundo ganhe, mais tempo leva. Pior para os clubes. Se o governo decidir por votar no ano que vem, com a casa nova, pode ser legal. Mas para os clubes, talvez seja pior.

A mobilização do Bom Senso
Diminuiu um pouco, sim. A gente também tem o problema das mudanças, das saídas e chegadas de jogadores. A gente tinha um líder num grupo, que tinha ascendência no elenco e que conseguia passar as informações que a gente precisava, e ele acabou indo para outro grupo, que já tinha outro líder. Às vezes, um elenco fica muito fortalecido, e outro fica sem ninguém. Há uma dificuldade para manter a chama acesa, mas isso é com qualquer movimento social. Os dirigentes sabem disso, e a intenção deles é enrolar e levar o mais para frente possível para tentar enfraquecer o movimento.

Por que não houve greve?
Faltou muito pouco. Aqui sou eu falando: a gente pensou muito nos torcedores. A gente foi muito gente boa. Alguém disse: “Quando tem greve do ônibus, um monte de trabalhador chega atrasado ao emprego, o patrão perde o dia de trabalho de quem não foi, mas o negócio resolve”. Mas a gente falava: “O cara já comprou ingresso; está muito em cima; deixa para o próximo jogo; vamos tentar; vamos fazer”. A gente foi postergando porque não queria tomar a última medida, mas em duas vezes ficou muito próximo. A vez do Náutico foi muito próxima, e nesse dia eu nem participei muito porque tinha algum compromisso. Quando fui ver no Whatsapp já tinha mais de 200 mensagens e já tinham decidido entre eles. Era uma coisa muito rápida, com a participação de peso de quase todos os principais jogadores. Teve outro dia em que a gente chegou muito perto. A gente foi mais uma vez enrolado e falou: “Não dá mais. Vamos lá”. Só que a gente começou a ter a leitura de que era interesse de alguém que a gente fizesse a greve para poder melar o campeonato. Foi isso. A gente teve a leitura de que alguém estava forçando aquilo para virar a mesa. Aí a gente recuou. E no final das contas aconteceu o que aconteceu.

Nota da Redação: A “vez do Náutico”, a que Paulo André se refere, foi o dia em que os jogadores do time pernambucano ameaçaram não entrar em campo se não recebessem os salários atrasados.

Pressão dos cartolas
Pesa muito. Muito. Isso é um grande problema. Muitos dirigentes têm pressionado, falado abertamente e criticado os atletas que se posicionam. Isso acaba gerando um grande temor de retaliação, de pressão, e aí vem a questão da sobrevivência. Existe a sobrevivência moral, mas existe a sobrevivência financeira. Dependendo do estágio em que você está na vida, você não consegue resistir a isso e aceita. Eu não sofri isso diretamente. Sabia que o cerco estava fechando, e isso eu não tinha dúvida, mas nunca foi direto. No fundo eu tentei renovar meu contrato e estava disposto a aguentar tudo isso. Desde dezembro [de 2013] eu tentei renovar meu contrato. Dia 6 de janeiro, se eu não me engano, eu entrei na sala do Mano e falei que estava acontecendo isso, isso e isso. Queria ficar e não queria aumento de salário, mas queria mais um ano de contrato. Era o que eu tinha de plano de carreira. Aí foi enrolando, e ninguém me deu resposta. E a própria não resposta pode ser uma resposta para o bom entendedor. Foi o contrário: não foi a pressão que me influenciou.

Bom Senso e a opinião pública
O público da página do Bom Senso, que comenta muito nas matérias, pede a greve. O tempo inteiro. Por um lado eles têm razão, mas existe uma dificuldade de mobilização. A própria greve tem de ser legal, partir do sindicato, ter aviso. É uma coisa já estudada, mas complicada, porque você faz greve contra seu empregador e não contra o sistema. Ou seja: se não for legal, quem vai pagar o pato? Tem uma complicação. Mas talvez nossa comunicação, principalmente no início, não tenha sido das melhores. Por isso a gente talvez tenha perdido muita gente logo de cara. Porque eles não entenderam ou porque eles se deixaram levar pelas declarações fantasiosas das pessoas que estão aí para atrapalhar. Nós temos só duas bandeiras, e isso é engraçado. Parece que o Bom Senso é o salvador da pátria. A gente fala de fair play, e não tem o que dizer se você pegar o projeto inteiro. Você é a favor de transparência? E quem não é? Você é a favor de boa gestão, de punição, de boas práticas? Todo mundo é. Não tem como ser contra isso. Não precisa ser do Bom Senso, essa é uma causa do ser humano, do povo, de qualquer um. Todo mundo tem de estar envolvido, e a nova tentativa de comunicação do Bom Senso é inserir o maior número de pessoas de diferentes segmentos para poder discutir as coisas, para que as pessoas se sintam fazendo parte da mudança. Esse foi o papel do [Paulo] Autuori na quinta-feira. Primeiro, mostrar que o treinador também quer receber em dia. Segundo, que o treinador também é um apaixonado por futebol. Ele defende a causa do futebol. Pode até discordar de alguns pontos do Bom Senso, mas vê com ótimos olhos. E depois, se não apoiar o calendário, que não vá a Brasília ou vá fazer manifesto, reclame, critique no site. Mas que participe. O problema do país em geral é que a gente reclama, mas pouca gente participa de práticas condizentes com o que fala.

Desabafos de Sheik e Richarlyson: “CBF é uma vergonha”
Acho legal. Na verdade, acho que a própria condução da entidade tem sido tão ruim que parece que dá o direito de todo mundo reclamar. Não tem ninguém fazendo melhoria, não tem tentativa de mudança. Acho que foi muito mais um ato de rebeldia, de colocar para fora, do que um ato pensado ou de contestação. Agora, assim como a gente [Bom Senso] bateu cabeça no começo, é legal colocar tudo que pensa, é legal se revoltar, mas ao mesmo tempo, não vai mudar. Não é assim que vai mudar. Você tem de se unir a pessoas que pensam como você, que acham que a CBF é realmente uma vergonha, e estudar uma maneira de mudar aquilo que você acha que é uma vergonha. Seja por conversa, seja por Brasília, seja como for.

Tapetão da Lusa, Caso Petros e crise da arbitragem
A gente está com um grau de conhecimento que nada mais assusta. É tudo feito para dar errado. A chance de acontecer tudo que está acontecendo é muito grande. Ninguém está preocupado com melhorar, se capacitar, criar uma estrutura ou um sistema que possa funcionar. Aí o cara vem quatro jogos depois do 7 a 1 e diz que já melhorou ou superou. As pessoas perderam a vergonha na cara. Não é a exposição dos problemas que vai fazer com que mude porque ninguém que expõe os problemas tem direito ou peso para votar. Os que têm, têm medo. Então vai continuar dando errado. Ou muda o arcabouço jurídico que permitiu que as entidades fossem feitas dessa forma ou não tem salvação. Ou você democratiza aquela entidade ou nós vamos ficar brincando de gato e rato. Os caras vão ficar a vida toda lá.

Por que os clubes não mudam?
Ou os clubes se unem - porque batalhar sozinho é uma loucura, ir contra o sistema é se isolar -, ou eles conseguem costurar. E aí falta um líder. Falta alguém com vontade, integridade e competência para fazer essa costura e tentar movimentar. Mas qual seria o interesse disso? Pega um presidente de clube. Por que ele vai fazer isso? O que vai mudar para ele? Ele é presidente de clube porque é apaixonado pelo time que ele defende. Ele está lá porque quer ver o time dele campeão. Quer ver o time dele ter qualquer maior vantagem que puder obter. Por que ele vai se expor a ponto de prejudicar o clube dele? Mais uma vez: o sistema te bloqueia. Não falo que é impossível acontecer porque eu continuo lutando, e no dia em que eu achar que é impossível eu vou para a minha casa e não luto mais, mas tem tudo para não dar certo.

Férias e volta ao Brasil
Eu tenho contrato até dezembro do ano que vem. Vontade de voltar dá, mas eu não vejo possibilidade. Tenho um projeto de encerrar a carreira, um plano financeiro, minhas coisas. Assumi alguns compromissos em cima do contrato que eu tenho, que é um pouco fora da realidade do Brasil para um zagueiro da minha idade e do meu nível. Então eu não vejo muita chance de voltar, não.

Carreira política pós-futebol
Eu nunca pensei em ser deputado na minha vida. Fui para Brasília em dezembro em uma audiência pública e quando estava falando me deu um branco. Foi a primeira vez na minha vida que deu um branco e eu não sabia o que falar. Eu saí de lá com uma vergonha e falei: “nunca mais piso nesse lugar”. Na minha cabeça, aquela audiência não funciona daquele jeito. Não dá para fazer lei daquele jeito. Talvez não tenham inventado um jeito melhor, mas aquele não funciona. Aí eu comecei a entender por que o país não vai para frente. Quem faz lei não entende muito bem do assunto que ele legisla, e quando você vai lá, se você não for um bom orador e não tiver um poder de persuasão grande, por mais que sua ideia esteja correta, ninguém te escuta. Então, vale muito mais a oratória do que a ideia. Aquilo me incomodou. Não vou falar que nunca vou ser, mas nunca pensei. Eu queria cuidar de esporte. Falei lá atrás sobre CBF ou COB. Sou apaixonado por esporte e acho que dá para fazer muita coisa no esporte enquanto ferramenta de transformação, condutor de educação. Nisso eu acredito. Para fazer isso, não adianta ser gerente de futebol ou diretor. Você precisa de um cargo em que possa tomar decisão.

Bom Senso e esporte na eleição
Não falaram nem um pouco de esporte, e para nós que vivemos de esporte chega a ser assustador. O tema foi pouco tocado. Da nossa parte, tínhamos compromisso da Dilma e do Executivo com a nossa proposta e a nossa bandeira, mas nos debates ninguém tocou no assunto. Eu cheguei a falar com o Ronaldo [aliado de Aécio Neves], mas não avançou. Eu reiterei que o movimento era apartidário e não tinha posição sobre nenhum candidato, e que a gente gostaria de lançar uma carta de compromisso com todos que estavam lá. Aí morreu o assunto, e a gente nunca mais falou sobre isso.