Topo

Time levou 8 gols de Pelé e foi provocado pelo rei: "Vocês vão pagar caro"

Pelé anota um de seus oito gols na histórica goleada sobre o Botafogo-SP por 11 a 0 - Reprodução
Pelé anota um de seus oito gols na histórica goleada sobre o Botafogo-SP por 11 a 0 Imagem: Reprodução

Bruno Freitas

Do UOL, em São Paulo

21/11/2014 06h00

Oito gols na mesma partida, quem no futebol seria capaz? No auge físico como atleta, há exatos 50 anos nesta sexta-feira, Pelé saía de campo com esta marca, no desempenho individual mais impressionante de sua carreira. Coube ao Botafogo de Ribeirão Preto entrar para o almanaque de façanhas do rei, graças a uma derrota por 11 a 0 em 21 de novembro de 1964, pelo Campeonato Paulista.

Foram cinco gols somente no primeiro tempo, em um intervalo de 37 minutos. Adversários, companheiros de time e radialistas relatam ter visto Pelé em um dia fora do comum, mesmo para os próprios padrões deles. "Com o diabo no corpo", disse um repórter de campo da Rádio Bandeirantes, à beira do campo, maravilhado pela atuação do então bicampeão mundial.

"Pra mim foi uma tragédia, mas ficou na historia", disse Antoninho, ex-atacante do Botafogo, em contato com a reportagem do UOL Esporte.

Diz a lenda que a voracidade ofensiva contra o Botafogo começou a nascer na alma dos santistas ainda no jogo do primeiro turno. Em Ribeirão Preto, sem Pelé em campo, o time da casa venceu por 2 a 0, graças a gols de Adalberto e Alex. Rossi atuou na vaga do rei. Até aí, nada de mais. Poderia ser apenas um tropeço corriqueiro da máquina de jogar bola dos anos 60. O problema foi que o time do interior paulista quis tripudiar, colocar os astros na roda.

"No primeiro turno, o Santos veio sem o Pelé. O Botafogo jogou muito bem, ganhou de 2 a 0, o Zito foi expulso. A torcida gritou olé, o time pôs na roda. Eles estavam com raiva. O Pelé estava aceso", relata Carlucci, zagueiro dos aspirantes do Botafogo, que atuou na partida do 2º turno.

PELÉ QUERIA SER ARTILHEIRO DO PAULISTA

A partida entre Santos e Botafogo era válida pela 25ª rodada do Campeonato Paulista, em um sábado à tarde, chuvoso. As bilheterias da Vila Belmiro registraram a entrada de 9.437 torcedores para o que parecia um jogo qualquer do Estadual. Mas a diferença para o encontro do primeiro turno é que Pelé estaria em campo – e com um desejo incontrolável por gols e revanche.

Curiosamente, quem vestia branco eram os homens do Botafogo. Dono da casa, com direito de escolher o uniforme, o Santos foi a campo com a camisa listrada em preto e branco.

Naquela tarde, o goleiro Galdino Machado entrou 11 vezes dentro do gol para buscar a bola deixada pelos santistas. Desta forma, o jogador do Botafogo ganhou seu pequeno espaço no folclore do futebol brasileiro. Apesar disso, teve atuação elogiada e foi eleito o segundo melhor homem em campo, atrás apenas de Pelé.

Para os jogadores do Botafogo, o afã goleador de Pelé tinha explicação no fato de o santista estar ali em desvantagem na luta pela artilharia do torneio.

Pelé foi artilheiro do Campeonato Paulista de 1964, com 34 gols - Reprodução - Reprodução
Pelé foi artilheiro do Paulista de 1964, com 34 gols marcados. E o Santos acabou como campeão
Imagem: Reprodução

"Alguns fatores que entraram para ocasionar esse jogo dos 11 a 0. Em primeiro lugar, o Pelé sempre era o artilheiro do Paulista, por vários anos seguidos. Mas naquele ano ele estava atrás do Flávio, do Corinthians. Se não me engano, estava uns sete gols atrás", diz Antoninho.

"Ele queria jogo. Fazia gol, pegava bola no fundo da rede. Ia para o juiz e falava para descontar o tempo. Foi assim até ele fazer o oitavo gol. Chegamos nele no primeiro tempo e perguntamos: 'quer fazer mais gols?'. Ele disse: 'gritaram olé lá. Vocês vão pagar caro aqui'", acrescenta o antigo atacante, hoje com 75 anos.

O camisa 10 anotou oito vezes, mas também brilhou nos gols dos outros. Na transmissão do jogo pela rádio Bandeirantes AM, o narrador Ennio Rodrigues definiu com empolgação o passe de Pelé para uma jogada bem-sucedida de Coutinho: "maravilhoso, extraordinário, espetacular". Já o repórter Borghi Júnior proferiu: "ele está com o diabo no corpo".

No fim do jogo, o ponta santista Pepe conversou com Ditinho, lateral adversário, e afirmou que mesmo para os companheiros aquela tarde de Pelé parecia "anormal" [Pepe, Coutinho e Toninho Guerreiro marcaram os demais gols da vitória].

GAROTO DO PLACAR NÃO SABIA O QUE FAZER

No segundo tempo, com o resultado parcial em 10 a 0, o garoto do placar manual da Vila Belmiro passou a enfrentar um dilema, para diversão do público que acompanhou a partida in loco. Simplesmente não havia mais números para a troca. Um torcedor mais brincalhão sugeriu que o menino pegasse a camisa de Pelé e usasse para demarcar os gols santistas. No fim das contas, o jovem acabou improvisando o marcador com pedaços de letras disponíveis.

Oswaldo Brandão merece uma menção à parte dentro desse capítulo da vida santista. O vencedor técnico gaúcho está marcado no futebol brasileiro, um ídolo indiscutível na história tanto de Palmeiras quanto de Corinthians. No entanto, naquele finalzinho de 1964, enfrentaria o dissabor de dois encontros quase seguidos contra o time de Pelé e companhia.

O técnico acabaria demitido do Botafogo depois deste jogo, em razão da histórica goleada. Em seguida, Brandão assumiria o Corinthians, que pegou o Santos pela frente em 6 de dezembro daquele mesmo ano, no Pacaembu. E novamente viu um time dirigido por ele ser massacrado pelo time do litoral, agora pelo placar de 7 a 4. Ou seja, o treinador viu suas equipes sofrerem 18 gols em questão de apenas duas semanas (12 só de Pelé).

"O Brandão tinha muita personalidade. O primeiro tempo já acabou com o placar de 7 a 0. Ele poderia falar: 'cai dois, pra acabar o jogo, aí não tem futebol'. Mas ele disse: 'nem que seja para perder de uma montanha de gols, vamos ficar no campo até o final'", relata o ex-jogador Antoninho.

GOZAÇÕES NA VOLTA A RIBEIRÃO PRETO: BURRO AMARRADO

Tomar 11 gols e voltar para casa não é fácil. Os jogadores do Botafogo relatam abaixo como foi o retorno a Ribeirão Preto após a goleada histórica para o Santos de Pelé na Vila Belmiro. A derrota rendeu um mês de gozações por parte dos torcedores do Comercial, o rival da cidade.

"Bem triste. Tomar 11 não é fácil. Ainda bem que chegamos de madrugada, não tinha gente na rua. Mas foi bem difícil, por causa do time adversário. Os comercialinos se esbaldaram. Amarraram até um burro na frente da casa de um jogador solteiro. A gozação foi longe", conta Carlucci.

"Quando nós voltamos, foi duro foi ficar na cidade, aguentar a torcida do Comercial. A gozação não parou, durou quase um mês", endossa Antoninho. 

Pelé comemora gol pelo Santos em partida no Morumbi - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução