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Bandeirinha elogiada pela CBF vende panquecas para complementar renda

Divulgação
Imagem: Divulgação

Luis Augusto Simon

Do UOL, em São Paulo

23/11/2014 06h00

A vida de bandeirinha não é fácil. Não há salário fixo e as escalas não são constantes. “Tem mês que faço cinco jogos, tem mês que são apenas dois, então é preciso ter uma outra fonte de renda”, diz Tatiane Sacilotti, de 29 anos, uma das duas paulistas que pertence ao quadro de árbitros da CBF.

Para melhorar a renda, não bastava dar aulas de hidroginástica em uma clínica de fisioterapia. Resolveu então juntar o útil ao agradável e, juntamente com a mãe Antonieta, montou a Casa das Panquecas. Que é a sua própria casa. “É um serviço de entrega. Nós temos 29 sabores, entre salgados e doces”, conta.
 
A paixão por comida é explicada, segundo Tatiana, pela ascendência italiana. “A gente gosta muito de comer e de fazer, então é gostoso demais. Eu e a mãe preparamos na hora, não tem nada de congelado e meu irmão e meu padrasto entregam”.
 
A ideia veio de uma conversa com Sara, a pastora da igreja que Tatiane frequenta na cidade de Cachoeira. “Antes, eu tinha o ‘espetinho da bandeirinha’, mas não deu certo porque era um estabelecimento comercial e eu tinha de ficar lá. Agora, não. É só receber o telefonema, fazer e entregar. Está dando certo porque é uma opção nova, em cidade pequena sempre tem lanche ou pizza, nós somos uma novidade”. Frango com catupiry e bacon, banana com canela e morango com chocolate são as mais pedidas. 
 
Tatiane é uma das duas bandeirinhas paulistas – junto com Maisa Teles – que consegue passar nos testes físicos da CBF. Outras seis foram reprovadas.
 
Para isso, submete-se a uma rotina diária de muitos treinos físicos. Eles foram passados por Rogério Zanardo, árbitro e preparador físico. Tatiane trabalha diariamente, na companhia de Wladimir Nunes, amigo e colega de trabalho. “Ele me puxa muito, não deixa que eu desanime. Treinar com homem exige mais e faz com que eu melhore sempre”, diz.
 
Na pista, ela corre oito quilômetros diariamente. São muito piques de 100, 150, 200 ou 300 metros. Mais do que é exigido no teste. “A gente puxa mesmo, vai além do que é pedido para não se surpreender no dia da avaliação. Minha sorte é que o Zanardo é amigo e fez esse plano de trabalho sem cobrar nada. Além da pista, também faço muita ginástica na academia”
 
O teste físico masculino tem seis tiros de 40 metros. Cada um precisa ser feito em 6,2 segundos. Em seguida, são 20 tiros de 150 metros, com tempo de 30 segundos. A recuperação entre um tiro e outro é de 45 segundos. É o que se chama de recuperação ativa, pois o árbitro vai caminhando até o local de um novo tiro. 
 
Para as mulheres, as distâncias são as mesmas, mas há mais flexibilidade nos tempo. Para 40 metros, pode-se gastar 6,6 segundos, para 150 metros, 35 segundos, com uma recuperação ativa de 50 segundos.
 
“Na Federação Paulista, aceitamos mulheres desde que passem pelo teste feminino. Não fazemos questão do masculino, que é muito puxado”, diz Marcos Marinho, responsável pela arbitragem. “Preferimos aprimorar a parte técnica. Nossas auxiliares são ótimas e poderiam apitar para a CBF, sem dúvida”.
 
Antonio Pereira da Silva, responsável pela arbitragem da CBF, é adepto do teste único. “O jogo é o mesmo, não interessa se é homem ou mulher, todos precisam ter o mesmo nível físico. Gosto da atuação das auxiliares. Estão muito bem”.
 
Tatiane prefere não falar em justiça. “Olha, eu não penso nisso. Sei que tem um teste, que tem um desafio e eu corro atrás. Não vou ficar pensando se é justo ou não. É um sonho que tenho de infância e que estou alcançando”.
 
Quando disse à mãe que gostaria de ganhar a vida apontando impedimentos, Tatiane se surpreendeu com a resposta. “Ela me apoiou na hora. Nem acreditei, acontece que a minha mãe nem gosta de futebol. Mas assiste todos os meus jogos. Ela exige silêncio na sala e fica roendo as unhas. Fica brava quando dizem que eu errei, mas ela não sabe se estava certo ou errado. O apoio dela foi muito bom”.
 
Foi em 2003, após ver um jogo entre Guarani e São Paulo, que Tatiane descobriu qual seria sua profissão. “Naquele jogo, estavam trabalhando a Silvia Regina, a Ana Paula de Oliveira e a Aline Lambert. Para mim, foi amor à primeira vista”.
 
Tatiane tem 1,60m e não tem medo de cara feia. Nem se for de Alessandro, ex-lateral do Corinthians, por exemplo. “Ele reclamou muito de uma marcação minha. Eu pedi para ele se acalmar e coloquei a mão no peito dele. Então, ele me deu um tapa, mas foi de leve, nem relatei para o árbitro."
 
Quando anulou um gol do São Paulo contra o Santos, a torcida organizada divulgou seu perfil no facebook pedindo que fosse ofendida. E ela foi. “Eu li, me xingaram de vaca, piranha e um monte de coisa mais. Eu deixo para lá, sei que estava certa”.
 
Ao conseguir acesso ao quadro da CBF, Tatiane passou a receber  R$ 1.100 por jogo na Série A, R$ 850 na B, R$ 375 na C e R$ 275 na D.