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Chefão do Atlético-MG troca clube e calmantes por passeios de Harley

Idolatrado pela torcida, Kalil deixou o jeito durão de lado e chorou em sua despedida - Bruno Cantini/Site do Atlético-MG
Idolatrado pela torcida, Kalil deixou o jeito durão de lado e chorou em sua despedida Imagem: Bruno Cantini/Site do Atlético-MG

Bernardo Lacerda e Luiza Oliveira

Do UOL, em Belo Horizonte e São Paulo

03/12/2014 06h01

Alexandre Kalil deixa a presidência do Atlético-MG com status digno de um herói. Não à toa. Colocou o clube num patamar antes inimaginável e conquistou títulos de expressão depois de um jejum de 40 anos. Agora, poderá descansar e trocar o nervosismo e os calmantes nas horas dos jogos pelos seus momentos de lazer com direito a uísque e passeios de Harley-Davidson.

O descanso será merecido depois seis anos de trabalho intenso entre erros, acertos e muitas polêmicas. Bem ao seu estilo. Meio ranzinza, meio engraçado mas sempre colocando o Atlético acima de tudo. “Trata o Galo como o Real Madrid”, dizem algumas pessoas próximas.

Nesta quarta-feira, quando entrega seu cargo para o vice Daniel Nepomuceno, Kalil poderá voltar às arquibancadas. Até pretende ajudar seu sucessor no que for preciso, mas voltará a ser um torcedor comum. Vai dar mais atenção à sua empresa de engenharia, a Erkal, e, enfim, relaxar.

Poderá se dar ao luxo de jantares mais frequentes e descompromissados no requintado restaurante A Favorita, de Belo Horizonte. Lá ele é figurinha carimbada para falar de trabalho com membros de sua diretoria ou se divertir com amigos e família.

Como bom entendedor de vinhos, escolhe a dedo os melhores da casa ou saboreia um bom e velho uísque. Para degustar, não recusa um bife de chorizo ou um petisco à base de palmito feito especialmente para ele.

‘Aposentado’ do Galo, Kalil também terá mais tempo para fazer um de seus programas preferidos: passear com suas duas motocicletas Harley-Davidson ou ir até à bucólica Tiradentes, cidade histórica a 189 km da capital mineira. Os filhos também poderão curtir mais o pai em alguns de seus destinos preferidos como Punta Cana, Uruguai ou Argentina.

Os filhos, por sinal, vão continuar sempre presentes como estiveram nestes anos no comando do Atlético. “Vamos voltar para o nosso lugar, eles participaram intensamente da minha gestão, por serem três homens e adultos, então me ajudaram muito, participaram muito, criamos o comitê da crise, tinha lido isso em um livro e criamos. Quando você sai, as pessoas não lembram o que eu passei aqui. Mas que é duro devolver o celular do Atlético é, é duro você não estar no dia do Atlético, é, mas tudo tem a sua hora”, disse Kalil.

Os herdeiros foram importantes não só para ajudar a ajudar a governar, como também para segurar o coração nervoso do pai que vai a mil por minuto nos jogos do Alvinegro. Segundo pessoas próximas, nas partidas mais tensas, o primogênito, que é médico, costuma receitar um calmante para ele ficar mais tranquilo.

E se o calmante é necessário para aguentar o tranco, um pouco de superstição também não faz mal a ninguém. Para conquistar os títulos, ele aderiu às promessas. Na final da Recopa, no Mineirão, prometeu que se o Atlético fosse campeão não pisaria mais no estádio como presidente. Resistiu às tentações e não descumpriu nem nos jogos finais da Copa do Brasil. Na Libertadores do ano passado disse que pararia de fumar se fosse campeão. Foi difícil, mas também cumpriu.

Sua devoção ao Atlético fez alguns o considerarem populista. Mas fato é que se tornou popular, mesmo contrariando a torcida em uma relação entre tapas e beijos.

O casamento já começou conturbado. Além de investir na contratação de cruzeirenses – casos de Leonardo Silva, Guilherme, Cuca e o próprio diretor de futebol Eduardo Maluf -, o que deixou parte da torcida de nariz torto, escapou por pouco de dois rebaixamentos e teve a fatídica derrota por 6 a 1 para o rival Cruzeiro. A torcida até ensaiou alguns protestos e ele chegou ao segundo mandato já sem o clamor das massas.

Kalil ainda deixou muita gente irritada. Foi autoritário e centralizador, adotou atitudes polêmicas como acabar com o futsal e o departamento de marketing e, muitas vezes, mostrou toda a sua grosseria com os jornalistas em suas entrevistas.

Com a torcida também viveu seus pés de guerra. Não deu muita bola para os sócio-torcedores do Galo Na Veia, se cansou de chamar a torcida de chata no Twitter e colocou os preços dos ingressos nas alturas, principalmente na final da Copa do Brasil. Variaram de R$ 200 a R$ 700.

Mas o chefão do Galo se superou. A derrota histórica para o Cruzeiro virou um marco, e ele conseguiu reerguer o time. Não poupou esforços para fazer contratações ousadas que deram certo, como Ronaldinho Gaúcho e Diego Tardelli. Se aproximou da CBF e conquistou algumas vitória políticas como a escalação de um árbitro estrangeiro para apitar as oitavas de final da Libertadores contra o São Paulo.

Até o estilo autoritário e centralizado, que marcou boa parte de sua gestão, ele tornou um pouco mais flexível no fim. Passou a ouvir os filhos e membros da diretoria.

“O estilo do Kalil foi importante para a evolução do Atlético, ele soube o momento de ser centralizador, de ter a palavra decisiva, mas também em ouvir quem poderia ajudar. Sem dúvida ele deixa o Atlético em um novo patamar", diz o presidente do Conselho Deliberativo do Atlético Emir Cadar.

Presidente do América-MG e primo de Kalil, Marcus Salum vive uma relação conturbada com o parente por causa da rivalidade entre os times. Ele ressalta o sucesso de Kalil à frente do clube, mas também alguns pequenos defeitos.

“O Kalil tem um estilo populista em um clube extremamente popular, o que acaba combinando bem com a torcida apaixonada. Foi muito competente e tem conseguido muito sucesso. Mas você não pode ter uma discussão com ele porque ele coloca o Atlético acima de tudo. Quando há coisas que dividem o interesse, discussões sobre ingresso, divisão de torcida, por exemplo, ele acha que é tudo para o Atlético. E não é bem assim que funciona”.

Polêmicas à parte, depois de ser campeão da Libertadores, da Recopa e da Copa do Brasil, ele tem muito crédito. A alguns dias de deixar o clube, Kalil até esqueceu o jeito durão e se rendeu. Chorou no jogo de despedida contra o Coritiba, no Horto, deu volta olímpica e fez até declaração de amor no Twitter.  “Tudo mentira. Vocês nunca foram chatos. Obrigado pelo amor a mim dedicado. Também amo vocês”. Eles também te amam, Kalil.