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Rivais ajudaram o Corinthians a ser campeão do mundo. Quem conta é Tite

José Ricardo Leite e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

04/12/2014 06h00

O Corinthians contou com uma certa ajuda de alguns rivais para ser campeão do mundo em 2012. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o técnico Tite revelou que pediu conselhos ao ex-palmeirense Zinho e aos colorados Tinga, Abel Braga e Fernando Carvalho, entre outros, antes da disputa do Mundial. As dicas ajudaram o treinador a preparar o time para o campeonato, principalmente para a pressão psicológica do primeiro jogo.

Curiosamente, os interlocutores de Tite, todos com experiência no Mundial, possuem algum tipo de rivalidade com o Corinthians. Tinga foi o pivô do lance que iniciou a rixa entre o time paulista e o Internacional (um suposto pênalti não marcado que praticamente definiu o título do Brasileirão de 2005). Fernando Carvalho foi o vice-presidente de futebol do clube gaúcho que divulgou um DVD com erros de arbitragem a favor dos corintianos, na véspera da final da Copa do Brasil de 2009. E Zinho estava no time do Palmeiras que saiu da fila ao vencer o Corinthians na final do Paulistão de 1993 e que derrotou os arquirrivais na Libertadores de 1999.

Na entrevista, Tite também relembra a maturidade do elenco corintiano e conta o momento mais especial que o futebol lhe deu: ver a sua família após sua maior conquista e poder oferecer a ela o troféu como solidariedade nas batalhas que teve no esporte.

UOL Esporte: Você foi conversar com Carlo Ancelotti e Carlos Bianchi em intercâmbios fora do país. Como vê essas experiências, recomenda para outros técnicos?
Tite: Eu vi o Dorival Junior dizendo antes de assumir o Palmeiras que foi visitar o Chelsea. Essa troca de informações pra reafirmar conceitos ou pra conhecer outros novos, pra mim é fundamental. Uma série de outros técnicos pode estar fazendo isso. Tive a oportunidade de ver o complexo esportivo do Arsenal, seu departamento esportivo e tecnológico. Fui passar cinco dias com Ancelotti e surpreendentemente ele abriu sua gama de conhecimento, o que normalmente não se faz se a pessoa não for muito próxima. Não é uma praxe normal. Também vi jogos finais da Libertadores, da Liga dos Campeões. Isso vai te agregando informações.

UOL Esporte: Dirigentes poderiam procurar intercâmbio fora pra aprender mais?
Tite: Quando falamos em melhoria no futebol, há espaço para todos melhorarem. Ancelotti não teve problema nenhum em me perguntar de San Lorenzo, de Lucas Silva (jogador do Cruzeiro). E Bianchi perguntou que tipo de trabalho tático faço em vésperas de jogos. Era um cara muitas vezes campeão me perguntando. É fundamental trocar informações. E se é fundamental pra técnicos, acho que também é para dirigentes e executivos do futebol, e até para imprensa em suas análises. O público hoje avalia melhor.

UOL Esporte: Você sentiu se o treinador brasileiro tem visão negativa fora do país?
Tite: Eu confesso que não tinha essa pretensão (de treinar equipes fora do país), mas me despertou com meu dialeto italiano quando conversei com Ancelotti. Coincidentemente, ele é da mesma região que meus conterrâneos, de Mantova. E comecei a falar um pouco desse dialeto, ele compreendeu, começou a rir e falou que era o dialeto que ele falava. De alguma forma se identificou, e acendeu a luz de que se me faço compreender de alguma forma... tenho objetivo de fazer italiano para tê-lo mais fluente. A partir do momento que eu tiver um italiano mais fluente, posso abrir essa expectativa (de treinar um clube de fora). Antes disso, é ilusório. Tem que ter fluência na comunicação. Esse é meu projeto de futuro. Historicamente é assim (visão negativa do treinador brasileiro). Um dos motivos é que não temos curso de treinador aqui. Zidane teve problema grande porque não tinha autorização pra trabalhar no time B do Real Madrid. Vai depender muito dos profissionais e da nossa capacidade e resultados de campo. Conseguir feitos como São Paulo, Internacional e Corinthians que foram campeões (mundiais). Isso te dá respeito de enfrentar potências com poderio econômico.

UOL Esporte: Acha que sem a dupla Marin e Del Nero você seria o escolhido pra seleção?
Tite: Naquele momento dei a resposta conveniente e sincera. É meu jeito de ser. Aquele momento era oportuno pra falar sobre isso. Passou. Agora sou um brasileiro que acompanha a seleção brasileira que tem o técnico Dunga. Espero que ele tenha tempo para desempenhar sua função.

UOL Esporte: Como você vê a cultura tática do jogador brasileiro? Ele deixa tudo nas mãos do técnico?
Tite: Está crescendo bastante. Há um amadurecimento e iniciativa de externar isso. Tenho um tipo de liderança que incentiva isso. Eu gosto que me provoquem. Falo ´tragam as dúvidas, argumentem´. Pra provocar esse lado. E os grupos que têm atletas desse nível estão fadados a estar um patamar acima dos demais. Tive Zinho, Roger no Grêmio, Alex, Edinho, D´Alessandro, Paulo André, Chicão, Danilo, Paulinho e Alessandro como atletas. São jogadores que chegam e conversam contigo. Teve um dia que perguntei: Você sabe por que quero marcação setor sobre o Neymar? Eles me olharam e disseram ´porque você não quer responsabilizar um só atleta se não tivermos sucesso´. Isso é sensacional. Ouvir uma resposta de senso coletivo, de que a equipe toda precisa diminuir o espaço e a responsabilidade é de todos nós. É a essência. Está tendo um processo de evolução. Tem atletas que não têm a capacidade de se expressar, e por vezes confundimos cultura com inteligência. Maturidade, liderança e são componentes para essas atitudes.

UOL Esporte: O que aconteceu com Jorge Henrique no caso de indisciplina no Corinthians?
Tite: Uma das coisas que eu sempre gostei foi que meus erros não fossem externados e expostos de forma pública. Não é externar publicamente que vai resolvê-los. Você tem sua esposa, filho, namorada, pai... E se um atleta erra, não faz isso pra mim. O jogador (quando erra) não fez sacanagem com o técnico, mas com um clube, jogadores, normas. O fato (do Jorge) é passado. E tomara ele tenha tomado consciência de melhorar, porque eu coloquei pra ele. E torço pra que ele tenha melhorado.

UOL Esporte: Como ser gestor de jogadores vaidosos e não deixar a coisa desandar?
Tite: Trouxe um grande legado dos tempos jogador pra ser técnico. Eu gostava que o treinador falasse pela minha frente e que eu tivesse o mesmo respeito que o cara que estava jogando. A relação de respeito e de falar a verdade. Eu mostro que não gosto mais ou menos de um atleta. Dou as oportunidades iguais e quem agarrar vai aproveitar. O Gil, por exemplo, tirou a vaga do Chicão (na zaga) depois que ele foi campeão do mundo. Paulo André não foi relacionado pras semifinais e final da Libertadores. Foi o Marquinhos pro banco. E ele (Paulo) jogou a final do Mundial e jogou muito. Por exemplo, sei de um episódio que aconteceu com o Adriano em que tirei ele da concentração porque ele não quis pesar. Falei ´Fábio (Mahseredijan, fisioterapeuta), faça valer da sua autoridade e pega o peso do Adriano. Te delego isso. Aí ele disse ´professor, ele não quer pesar´. Aí no vestiário ele falou que estavam de sacanagem com ele. E sei que Ralf e Fábio Santos falaram ´o que foi Adriano´. Ele falou ´me tirou da concentração porque não quis pesar´. E falaram ´vai lá e pesa, cara. A balança está lá´. O grupo tinha suas regras próprias. O grupo se autogeria porque sabia da disciplina.

UOL Esporte:Se você fosse presidente do Corinthians, o Mano Menezes deveria continuar?
Tite: Boa pergunta, mas não é pra mim que ela tem que ser feita. Eu tenho que tomar cuidado com o que falo do Corinthians, pois vai ecoar e pode ter interpretações diferentes. Tenho respeito a todos os profissionais e cada etapa de um profissional. O trabalho é deles (de quem está no Corinthians agora), o momento é deles.

UOL Esporte: Você sabia da contratação do Mano enquanto você estava no Corinthians no ano passado?
Tite: Só soube pós jogo com o Coritiba (no dia 13 de novembro), quando sentamos pra conversar e isso foi colocado.

UOL Esporte: Fica preocupado em assumir um clube que não lhe dê as condições de trabalho que julga adequada?
Tite: Quero ter sintonia de pensamento. Conversar e refletir sobre o que penso, ver se é interessante o que penso. Se o Barcelona faz entrevistas para analisar perfis, por que os outros não podem fazer? É absolutamente natural e não é nenhum desprezo a mim. Pelo contrário, é bom. Todos os outros técnicos iriam gostar de sentar e traçar diretrizes e objetivos.

UOL Esporte: Você tem uma marca e identificação pelos títulos no Corinthians. Teria restrição a assumir um rival paulista um dia?
Tite: Essa pergunta me lembra quando saí do Grêmio após dois anos e meio lá. Todo mundo dizia que eu era identificado com o Grêmio e era um cara gremista. Depois de um tempo, assumi o Internacional e nós fomos campeões da Sul-Americana e Gaúcho, invictos. E teve o respeito do outro lado. Tenho respeito do gremista e do colorado porque viram que eu visto a camisa e respeito o outro lado. Isso gera um respeito do profissional. Oportunamente pode ter (chance de trabalhar em clubes rivais). Trabalhei no Palmeiras e tive o respeito das pessoas, apesar das diferenças que aconteceram. Eu encontro torcedores palmeirenses que dizem ´cara, estava torcendo pra você no Mundial´. Um pai de um palmeirense disse que o filho me admirava por não querer vencer a qualquer custo. Às vezes assusta o poder da comunicação e como podemos influenciar a garotada.

UOL Esporte: O título Mundial foi o momento de maior emoção na sua carreira?
Tite: Duas coisas do Mundial ficam muito fortes. Quando vem aquela música na entrada dos times, ela faz o cara tremer. Fiquei concentrado no jogo e confesso que quando acabou, demorou um pouquinho para cair a ficha. O momento de maior emoção foi quando estava dando a volta olímpica com a taça e os atletas e vi minha esposa, meu filho, minha filha e meu irmão, que estavam na arquibancada e muito próximos.. a questão de três metros. Foi o único momento que peguei o troféu de campeão mundial nas mãos... e ofereci pra eles. Eu pensava em tudo aquilo que eu passei lá no início, o desemprego, a busca de conhecimento, deixar a família de lado... momentos que fiquei longe da filha. Passa muita coisa pela cabeça. Aquele foi um momento especial, em Yokohama na arquibancada. A forma como o título foi construído foi muito marcante. Não jogamos por uma bola. Fizemos um gol com 17 toques na bola, como é o futebol brasileiro. Não tinha tanta velocidade no Corinthians, mas tinha muita troca de posse e qualidade individual. Em termos mundiais de grande repercussão, sim (cena com a família no Mundial foi a maior emoção).

UOL Esporte:E o momento de maior tristeza?
Tite: A morte do Kevin no jogo na Bolívia.

UOL Esporte: O Corinthians chegou a perder a confiança com a vitória fácil do Chelsea na semifinal do Mundial?
Tite: Os atletas e eu sentimos isso. Foi marcante a vitória do Chelsea, e a nossa (na semifinal) foi um sufoco nos últimos 30 minutos. Eu tive a atenção de conversar com Tinga, Fernando Carvalho, Abel, Zinho, uma série de profissionais que passaram por disputa de título mundial. Lembro que fiquei li naquela mesa (aponta para um canto da sala) uns 40 minutos conversando com o Zinho. E ele falando tudo que tinha acontecido, o envolvimento emocional que foi (no Palmeiras). E os outros falaram ´o primeiro jogo é uma pressão psicológica muito grande, você se inibe em jogar, é uma pressão muito grande´. O adversário é franco atirador. Eu pensei ´é história isso aí´. E todos eles eram unânimes na pressão psicológica da semifinal. Seria uma decepção muito grande não passarmos do primeiro jogo. O segundo, não. Quem joga esse primeiro jogo corre esse risco de perder sim. O Atlético-MG viu isso.