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A história do goleiro que jogou as 4 divisões do Brasileiro pelo mesmo time

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

17/12/2014 06h00

A carreira de Nivaldo renderia um capítulo num livro de motivação. O goleiro tinha 32 anos quando chegou a uma Chapecoense que ameaçava mudar de nome para fugir das dívidas. Numa ascensão inesperada, ele passou por todas as séries do Campeonato Brasileiro com o time e há pouco mais de 15 dias atuou pela primeira vez na elite do futebol. Isso aos 40 anos.

Nada mal para um cara que nunca frequentou uma escolinha de futebol e quando foi fazer teste no profissional, em 1995, escancarou a falta de base. Não sabia nem fazer aquecimento e foi motivo de piada dos companheiros. Na época, Nivaldo batalhava pela vaga de goleiro reserva do Araranguá, no Sul de Santa Catarina.

A estrutura da equipe era tão precária que alugava o campo de um clube de recreação para mandar os jogos. Ainda assim, Nivaldo foi campeão da Copa Santa Catarina, primeiro campeonato que disputou. A alegria durou pouco. No ano seguinte, o clube não quis renovar o contrato de cessão do gramado e o Araranguá fechou. O cenário era dos piores para o goleiro que tinha 21 anos, quase nenhum currículo, poucos contatos no futebol e zero reserva financeira porque ganhava um salário mínimo.

Talvez Ênio, irmão oito anos mais velho, tivesse razão ao dizer que a vida embaixo das traves não dava futuro. Foi com, e contra, esta afirmação que o jogador cresceu em Torres, cidade no litoral gaúcho que faz divisa com Santa Catarina. Nivaldo conta que o Ênio era goleiro nas peladas da cidade, mas queria que ele desistisse da ideia. Para convencer, colocava irmão mais novo no gol e chutava com força. O efeito foi inverso.

Percebendo que não tinha medo da bola, Nivaldo teve mais certeza que levava jeito. Brilhou nos campeonatos regionais de futebol de campo e nos torneios de praia. Não foi a formação ideal para o futebol profissional, mas um ano do Araranguá serviram para evolução técnica. Ele arranjou uma vaga na terceira divisão do estadual do Rio Grande do Sul. Foram duas temporadas num futebol que pouco se diferenciava da várzea até chegar ao Guarani de Venâncio Aires.

Mano Menezes acabara de deixar o clube que disputava a primeira divisão do gauchão quando Nivaldo foi contratado. De cara, viu os rendimentos saltarem para três salários mínimos. O passo seguinte na carreira foi perambular por clubes do Nordeste. Ao retornar para o Campeonato Gaúcho ficou seis anos no Esportivo de Bento Gonçalves. Foi bem no time, mas como não havia calendário para o segundo semestre de 2006 aceitou convite do ex-técnico Guilherme Macuglia e em maio se apresentou à Chapecoense.

O começo da relação com a equipe foi dos piores possíveis. No primeiro treino entregaram uma calça rasgada e ao falar como roupeiro ouviu que era o que tinha. As finanças estavam em frangalhos e o time disputava um classificatório para tentar escapar do rebaixamento para a segundona do catarinense. Preocupado, Nivaldo ligou para o Esportivo assuntando se tinha vaga caso desejasse voltar. A resposta afirmativa foi tranquilizadora.

Mas apesar de todos os problemas, a Chapecoense se saiu melhor do que o esperado. Se manteve na primeira divisão do estadual e em 2007 foi campeã, encerrando um jejum de 12 anos. “O título marcou a arrancada”. Não significava que os problemas haviam acabado.

Mais uma vez Nivaldo estava num clube sem campo para treinar. O estádio da cidade é da prefeitura, que não emprestava todos os dias. A alternativa era usar campo de times amadores. As viagens para os jogos eram de ônibus, algo bem complicado porque Chapecó fica numa extremidade de Santa Catarina e os demais clubes na outra.

Viajar a Criciúma consome 12 horas de estrada, Florianópolis, 9 horas. Jogar fora de casa no domingo significava enforcar a folga de segunda-feira gasta viajando. Ainda assim, o clube subiu da Série D para C em 2009. A final foi contra o Naviraiense (MS) e o ônibus rodou por 20 horas somente na ida.

A primeira viagem de avião foi no mesmo ano e o mimo consequência de chegar à final do campeonato estadual. Uma dupla de empresário cedeu duas aeronaves para levar a equipe até Joinville. Não há voos diretos entre as cidades. Foi a primeira vez em 15 anos de carreira que Nivaldo entrou num avião para disputar uma partida de futebol.

Logo o time subiu para Série B do Campeonato Brasileiro e, no final de 2013, um outro acesso, desta vez para o Brasileirão. Nivaldo não tinha nenhuma dúvida. Estava lá desde 2006 e com 40 anos jogaria nos maiores estádios do Brasil incluindo os palcos da Copa do Mundo. Mas não foi bem assim.

Ele perdeu a posição para Danilo ainda no Campeonato Catarinense e durante a competição ficou no banco. A recompensa pela dedicação veio no vestiário na penúltima rodada. Com o time garantido na Série A, foi avisado que iria entrar em campo. Aos cinco minutos do segundo tempo no jogo contra o Cruzeiro a placa subiu. Nivaldo foi aplaudido de pé e jogou os primeiros minutos na elite nacional. Teve tempo até de tomar um gol na partida que acabou 1 a 1.

O Brasileirão acabou e o Nivaldo desfruta de férias e não sabe se pendura as chuteiras ou joga mais uma temporada. Certo mesmo é que visitará os parentes em Torres e como sempre vai dar risada ao lembrar das palavras irmão mais velho. Ser goleiro deu futuro.