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Caçado por amigo com um taco e Senna Papai Noel. Os causos de Flávio Prado

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

07/01/2015 06h00

De um cara que diz até gostar de rezar, mas que deseja que o céu tenha roda de pizza com companheiros, Liga dos Campeões e sacanagem com os amigos se espera boas histórias. E Flávio Prado entrega tudo que promete. Ele participou de capítulos inusitados da televisão brasileira, fez parcerias com os maiores jornalistas esportivos do país e colecionou causos. Os mais pitorescos foram com Ely Coimbra, jornalista morto que é tratado por ele como um amigaço.

Mas o jeito brincalhão não significa desleixo com o trabalho. Somente uma pessoa muito boa no que faz cobre 10 Copas do Mundo e tem dois prêmios da Associação Paulista dos Críticos de Arte. Ambos com o programa No Mundo da Bola, veiculada pela Rádio Jovem Pan. Com 60 anos, Flávio Prado acumulou causos, ajudou gente a começar na profissão e se divertiu à beça. E pensar que resolveu ser jornalista por causa de uma decepção no futebol. Confira algumas histórias que ajudam a entender a cabeça de Flávio Prado.

Doação à revelia

Ano quase acabando e Flávio Prado deu mole e deixou uma folha de cheque cair nas mãos do amigo Ely Coimbra enquanto pagava a conta do restaurante. O descuido custou bem caro. Ely tinha habilidade de falsificar assinaturas e sabia quanto o colega recebia de salário afinal assinaram contratos iguais. Preencheu um cheque no valor correspondente ao décimo terceiro do companheiro e entregou a Legião da Boa Vontade.  “Quando fui buscar meu décimo terceiro tinha um tchauzinho. Até hoje eu recebo revista da Legião da Boa Vontade de gratidão. Não dá para chiar, é chumbo trocado”.

O troco

Flávio Prado entrou no supermercado e comprou um peixe, nada a ver com a matéria que estava apurando. Mas tinha sim relação com o trabalho, era um presente ao amigaço Ely Coimbra. Presente de grego diga-se de passagem. Ele desovou a sacola no carro do companheiro.

“Fui acusado de colocar peixe podre, o que é uma mentira. O peixe era fresquinho, apodreceu depois, mas aí não é culpa minha” fala com um sorriso traquinas.

A travessura exigiu fôlego e velocidade porque Ely Coimbra saiu correndo atrás dele com um taco de beisebol. Flávio Prado não acredita que corria risco de morrer. Tem certeza que o amigo queria bater apenas da linha de cintura para baixo até quebrar suas pernas. Mas para executar o plano seria preciso alcança-lo.

“Com um  taco de beisebol triscando você corre mais que qualquer um, mais até que o Usain Bolt”.

Parceria com Silvio Luiz

Para justificar um aumento nos tempos de TV Record Flávio Prado e Silvio Luiz tiveram de fazer um programa no último horário da Record num tempo em que as televisões fechavam. “O Silvio Luiz ficou puto da vida e disse: então vamos avacalhar. O programa chamava-se Clube dos Esportistas e era uma zona, sem roteiro. A gente achou que aquilo ia durar muito pouco.”

Quando um convidado chegava surgia o latido de um cachorro e havia uma anã trabalhando de garçonete. “Era uma anã que era figurante de filmes do Zé do Caixão. Ele parou de fazer filmes e ela pintou lá atrás de alguma coisa” lembra Flávio Prado. Ganhou o nome de Ferreirinha, uma alfinetada no então vice-presidente da Federação Paulista de Futebol que tinha sobrenome Ferreira, era baixinho e desafeto de Silvio Luiz.

Senna de Papai Noel

O formato do Clube dos Esportistas contava com participações das popozudas da época - as cantoras Rita Cadilac, Gretchen e Sol – e os times campeões que comemoravam títulos no estúdio. Era tão extrovertido que às vezes criava uma saia justa como Pelé ofendido. Ele preparava uma surpresa para a dupla chegando pela cozinha e ao ouvir o latido do cachorro Silvio Luiz gritou que devia ter ladrão na cozinha. O jogador quase foi embora. Outra história que ficou célebre foi Ayrton Senna vestido de Papai Noel dançando com a anã Ferreirinha.

Flávio Prado São Paulino

O jornalista nasceu fã de Pelé e naturalmente torceria para o Santos. Mas os parentes não aceitariam porque tinham uma ligação muito forte com o São Paulo. Na década de 1940 as tias do jornalista faziam bolo que era vendido nas quermesses dos Bairro de Penha, em São Paulo. O dinheiro era doado para o time. Sem poder de escolha, aderiu.

Começo no jornalismo

Foi uma decepção com o São Paulo que levou Flávio Prado a escolher a carreira a ser seguida. “Fui ver um jogo em 67 em que o São Paulo (podia) finalmente ser campeão. Cheguei no Pacaembu e tinha um São Paulo e Corinthians e o São Paulo precisava ganhar o jogo. Tava ganhando até os 44, faltavam 15 segundos. Um jogador chamado Benê empatou o jogo. Eu saí de lá destroçado.”

Naquele ano Flávio Prado trabalhava na feira vendendo bananas para ajudar em casa. O pagamento era em mercadoria que vinha embrulhada num jornal. O então garoto de 13 anos leu a reportagem que falava da decepção vivida no Pacaembu. “Era uma matéria desse jogo que eu tava e outros que foram decididos no final. O cara retratou aquilo tudo que eu senti. Um gênio chamado Horário Marana, da Gazeta Esportiva. Eu comecei a chorar e falei pro meu pai o que é isso? Jornalismo esportivo! Então é isso que vou fazer”.

Rompimento com o São Paulo

Flávio Prado era amigo de Dinho e achou o melhor dos mundos quando ele foi jogar na equipe do coração. Deu tudo errado. Mesmo com os títulos da Libertadores e Mundial Interclubes o volante acabou negociado contra a vontade e saiu do clube pela porta dos fundos. “Vi o Dinho chorando”.

Desiludido, deixou de torcer para o tricolor porque percebeu que era um time como os outros. Adotou a Ponte Preta e, admite, é um mala. "Sou sócio torcedor, ligo pro presidente, ligo pro técnico. Eu encho bem o saco." Vítima de um enfarto enquanto jogava futebol, Flávio Prado conta que uma das poucas recomendações médicas era parar de ver jogos da equipe.

A sacanagem final

O AVC foi consequência de estresse. “Eu dava muitas aulas e então cortei, zerei. É que moro longe, no Horto Florestal. Eu tinha um jogo de noite, chegava de manhã e ficava o dia inteiro perambulando por aqui." Mas o jornalista não ligaria se morresse diante do microfone.

“Se Deus quiser quero morrer trabalhando. Eu não quero aposentar, parar. Seria insuportável para minha família. Se um dia eu tiver trabalhando por aí e morrer trabalhando não vai dizer que foi uma fatalidade, pode ter certeza que eu cheguei lá e dei um tapa na mão de São Pedro: obrigado véio. Aqui mesmo no programa, dá um piripaque e seria feliz. Eu tenho fama de sacanear os outros. Seria uma última sacanagem bem legal.”

O céu ideal

Flávio Prado quer ir para o paraíso, mas depende como é o céu. “Tem que ter uma sacanagenzinha.” Ele também deseja bom futebol e poder os melhores jogadores em ação, por isso considera essencial poder assistir a Liga dos Campeões.

“Eu até gosto de rezar, mas o dia inteiro não dá. Outra coisa, não precisa ter asinha. Eu de asa não vai ficar legal e deve doer. Vendo muito futebol, jogando futebol, enchendo o saco dos amigos e uma pizzazinha uma ver por semana.”

No Mundo da Bola

Nascido para falar de futebol internacional, o programa é muito mais amplo hoje na comparação com a primeira edição de 8 de setembro de 1990. Num tempo em que a globalização engatinhava e uma ligação internacional custava uma facada. Flávio Prado contava com ajuda de pessoas que moravam no exterior.

“As informações da Inglaterra quem me passava era o tradutor do Mirandinha fominha. Ele foi o primeiro jogador brasileiro a jogar no futebol inglês, no Newcastle.”

Reale Júnior falava da França, Carssugh da Itália, e um amigo do jornalista passava as informações da Argentina. Com o tempo, o programa passou a fazer tradução de música, veicular canções dos países do qual falava e até poesia no ar foi lida. Não é a toa que o prêmio da APCA vieram na categoria variedades.

Parceria com estudantes

Para sorte de Flávio Prado, não faltavam estudantes de jornalismo apaixonados por esportes interessados em ajudar.  Eles se especializavam em campeonatos de outros países e davam uma mão. Foi assim que Everaldo Marques, hoje narrador da ESPN, começou na Jovem Pan. Ele era o responsável pela Espanha.

Fernando Fontana, atualmente na Rede TV, pela Inglaterra. Também tinha espaço para quem nem gostava de futebol. Flávio Prado não esquece de Luciana Ferreira, que se escalou para ajudar na trilha sonora do programa. A então estudante percorreu os consulados em busca de gravações de bandas mais atuais.