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Ex-Santos só queria aparecer na TV para a mãe. Virou o "rei dos estaduais"

Durval defende o Sport Recife, pelo qual já conquistou cinco títulos estaduais - Renato Spencer/Getty Images Sport
Durval defende o Sport Recife, pelo qual já conquistou cinco títulos estaduais Imagem: Renato Spencer/Getty Images Sport

Daniel Brito

Do UOL, em Recife

04/02/2015 06h00

Lá se vão vinte anos desde que um heroi improvável do futebol nacional disputava os Jogos Escolares da Paraíba com o time da pequenina cidade de Cruz do Espírito Santo. Era o mais novo de dez irmãos, cortador de cana ainda na adolescência, chamado Severino dos Ramos Durval da Silva. Amigos nos canaviais, em casa e nos campinhos do interior paraibano o chamavam de Ramo.

Carregava um sonho que pode até ser considerado um clichê para os padrões dos protagonistas do esporte no país, mas que parecia inalcançável para quem estava naquela condição. “Meu maior sonho era aparecer na televisão jogando bola, para minha mãe poder me ver”, contou UOL Esporte, na última sexta-feira, 30.

Nessas duas décadas, Ramo rodou a Paraíba, Pernambuco, Paraná, São Paulo, o Brasil inteiro, o continente, jogou até no Japão. Adotou seu terceiro nome, Durval, e o cravou na história do futebol brasileiro como o jogador que mais vezes conquistou títulos estaduais: 11 troféus em quatro Estados e no Distrito Federal. Podem ser incluídos, também, um título da Série B do Brasileiro (2004), bicampeonato da Copa do Brasil (2008 e 2010), uma Libertadores (2011), Recopa Sul-Americana (2012), até Super Clássico das Américas (2012) e Copa do Nordeste (2014).

“Tem um pouco de sorte da minha parte de estar em equipes campeãs, mas tem também o fato de um clube estar montando um grupo e me vê como um jogador que possa se encaixar no elenco para disputar título”, justifica com seu onipresente tom tímido, em entrevista após treino no CT do Sport Recife, clube que defende atualmente.

A personalidade é que o torna uma figura incomum no nosso futebol. Durval nunca se valeu de um penteado diferente, frases marcantes e nem mesmo de gols para se firmar nas equipes por onde passou. Suas entrevistas são raras e curtas, jamais abriu a casa para mostrar a família ou sua galeria de troféus e medalhas. “Não é que não goste de entrevista, só acho repetitivo. Às vezes, fico uns 30 dias sem falar com a imprensa, porque aí sim vem uma pergunta diferente”, justificou.

Ele compensa a ausência de marketing pessoal com uma boa preparação física, segurança na defesa e comprometimento. Por isso, foi titular em todas as equipes em que atuou, principalmente no Santos naquela irretocável campanha do terceiro titulo da Libertadores, em 2011. “Encaixamos certinho naquele time. Fico muito feliz pelas quatro temporadas no Santos, tenho a sensação de dever cumprido. Cheguei pela porta da frente, saí pela porta da frente, sem fazer bagunça.”

Durval x Messi
Antes de partir da Vila Belmiro, no entanto, Durval passou por um dos momentos mais complicados dentro de campo: marcar Lionel Messi na final do Mundial de Clubes, no Japão, ainda em 2011. “Marcar, não. Tentar marcar o cara. Ele é muito inteligente, com aqueles dribles curtos. A gente imagina uma coisa e ele já imagina duas coisas antes de você. Assim fica difícil, né?”.

Para ele, aqueles 4 a 0 na final para o Barcelona não foram por acaso. “Fomos campeões da Libertadores, por isso foi bom estar lá naquela final, mas, por outro lado, foi infelicidade a nossa ter de enfrentar o Barcelona. Não tínhamos condições de vencê-los, eles eram muito, muito, muito superior à nossa equipe”, admitiu, resignado.

Com a autoridade de quem viu Neymar em seus primeiros momentos entre os profissionais do Santos, de 2010 a 2013, Durval faz parte do time que acredita que seu antigo parceiro de equipe será eleito o melhor do mundo em breve. “É gratificante para mim ver onde o Neymar está hoje. Gosto demais dele, está mais maduro, e, do jeito que está jogando, daqui dois ou três anos vai ser o melhor do mundo”, previu.

Durval se diz feliz e satisfeito no Sport, clube pelo qual já ergueu cinco troféus estaduais, não faz planos de parar de jogar, mas revela que aquele sonho de 20 anos atrás, dos tempos de Jogos Escolares da Paraíba, de aparecer na televisão materializou-se após a conquista da Libertadores. Sabendo que é capaz de tornar real desejos improváveis, Durval não para de sonhar. “Quero ser campeão da Série A do Brasileiro, é um título que ainda não tenho, é um campeonato muito difícil. Mas se os times do Sul e Sudeste vacilarem, a gente chega”, avisou.