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Goleiro histórico do SP diz que constrangeu rival para ganhar Brasileirão

Luis Augusto Simon

Do UOL, em São Paulo

12/02/2015 12h00

Na madrugada de 13 de junho de 1982, um chifre nasceu na mão direita de Waldir Peres, goleiro da seleção brasileira. Um pouco acima do polegar, tinha aproximadamente dez centímetros de altura.

Desapareceu como surgiu, exatamente quando o goleiro acordou. Era a estreia da seleção, enfrentando a União Soviética, e ele, a caminho do café da manhã, ainda pensou um pouco no que significaria aquele sonho.

Seria tão bom quanto o de oito anos antes, quando se viu no alto de uma montanha e no dia seguinte foi surpreendido com a primeira convocação para a seleção mundial.

Naquele caso, a associação tinha sido rápida. O topo da montanha como sinônimo do topo da carreira. Mesmo assim, Waldir só decifrou o enigma quando recebeu o telefonema da CBF.

Os sonhos premonitórios sempre estiveram presentes em sua vida. “Não é religião, não é aviso de alguém, não é nada. O sonho vem como um enigma. É só esperar para decifrar”, diz o goleiro ao UOL Esporte, em seu prédio no bairro da Consolação, em São Paulo.

Não se preocupou em descobrir o que seria o chifre na mão. A resposta veio de forma dura, cruel e instantânea quando, aos 34 minutos de jogo, dirigiu-se ao seu gol para buscar a bola no fundo das redes.

O chute do russo Andrey Bal veio de longe, e a bola bateu justamente ali, um pouco acima do seu polegar direito, onde havia um chifre na noite anterior. “Foi um frangaço que atrapalhou minha avaliação na Copa. Acabou sendo apenas boa, apesar de eu ter feito grandes partidas”, lembra Waldir.

Mas aquela mesma mão direita já tinha protagonizado, quatro anos antes, um dos episódios mais curiosos do folclore do futebol brasileiro. Foi na final do Campeonato Brasileiro de 1977, Atlético-MG x São Paulo.

Waldir ainda lembra orgulhoso da estratégia que usou para desconcentrar o zagueiro Márcio antes de uma decisiva cobrança de pênalti.

Enquanto o atleticano andava em direção à marca de cal, Waldir o acompanhava, dizendo que ele erraria o chute, provocação comum na relação goleiro-batedor. Então, resolveu criar um fato novo: sem aviso, passou a mão na bunda do adversário, para desconcertá-lo. “Mas foi com amor, ele não ficou bravo, não”, lembra Waldir, gracioso.

Com amor ou não, Márcio chutou o pênalti para fora. E o São Paulo se tornou campeão brasileiro pela primeira vez dentro de um Mineirão lotado.

Sonhos

Os sonhos são o fio condutor do livro “O Moço que veio de Garça”, de Jeanette Rozsas, que conta muitas histórias da vida de Waldir Perez. “Tivemos um contato e ele deixou claro que não gostaria de uma biografia e sim de uma espécie de romance bibliográfico. E fizemos o livro assim”, diz a escritora, que usou o mesmo método para falar escrever sobre Edgar Allan Poe e Franz Kafka.

O livro está pronto. Para ser impresso, a editora Realejo recorreu ao sistema crowdfunding para arrecadar o valor necessário.

Juvenal e Aidar contra Waldir

O goleiro ficou 11 anos no São Paulo e foi demitido pela vontade de dois cartolas que hoje têm desavenças, mas que na época pensavam juntos. Carlos Miguel Aidar (então presidente) e Juvenal Juvêncio (diretor de futebol) queriam mudanças na equipe e dispensaram Waldir.

O goleiro continua acompanhando a equipe e elogia seu sucessor Rogério Ceni. “É um cara que mudou o futebol. Começou a jogar de forma diferente, fazer gols, fez história. Não é à toa que está no são Paulo há tanto tempo como titular.”

Em uma hora de conversa, Waldir Perez contou histórias de sua carreira. Ele não diz se elas estão ou não no livro, para “não estragar a surpresa”.

Desandou a falar sobre a ascensão vertiginosa, que o levou do Bangu de Garça à seleção brasileira em seis anos. Da chegada à Ponte Preta e da perda de um título para o São Paulo, que credita até hoje a uma atuação ruim do então árbitro Arnaldo César Coelho. “Cada vez que a gente se encontra, eu cobro mesmo”, brinca.

Contou sobre a evolução da carreira e da própria mudança da posição de goleiro. “No meu tempo, não se ganhava tanto e nem havia tanto assédio feminino. Mas, hoje em dia, eu com 1,82 m nem passaria por uma peneira”.

Presente em três Copas, viu das tribunas a Holanda de Cruyff conquistar o título de “campeão moral”. E, dentro do campo, a incrível sucessão de erros que desaguaram na tragédia de Sarriá.

“Se jogássemos dez partidas contra a Itália, ganharíamos nove. Só falta jogar as outras nove porque eles ganharam aquela”, diz, com um olhar triste.

Leia um trecho de “O Moço que veio de Garça”:

O último pênalti cabia ao time adversário. Agora era tudo ou nada. Como contei antes, naquele tempo os times ficavam na linha do centro e só saiam dela o goleiro e o jogador que iria bater a penalidade máxima.

Uma onda de eletricidade percorria o estádio. Parecia que todos prendiam a respiração.

O Marcio, do Atlético, ia bater. Enquanto ele se abaixava para arrumar a bola, eu, que estava bem atrás, fui andando para o gol. Nesse momento, o capeta me inspirou: o jogador abaixado, o fundilho do calção empinado, era tentação demais: passei a mão na bunda.

Lembro até hoje o olhar de susto que me deu, não acreditando que eu tivesse tido o peito de fazer o que fiz. Tudo bem registrado pelas câmeras de TV. O meu gesto serviu para desconcentrá-lo e na hora de bater o pênalti, chutou para fora.

A nossa torcida enlouqueceu, um verdadeiro frenesi.  O São Paulo sagrava-se, pela primeira vez, campeão brasileiro!

Fui carregado, bajulado, as pessoas tentavam me abraçar – olha aí o sonho da minha toalha de batismo: duas vezes me escapou, assim como a bola. O Atlético conseguiu embocar duas. Só duas.

Voamos para São Paulo e fomos direto ao Morumbi.