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Único técnico a botar Barça "na roda" vê Brasil espetacular e ignora 7 a 1

João Henrique Marques

Do UOL, em Madri

26/02/2015 06h00

Messi, Xavi, Iniesta e Neymar fazem muitos correrem atrás deles e da bola que parece colada nos pés dos jogadores vestidos de azul e grená. O sistema de posse de bola, iniciado na era Guardiola, há cerca sete anos, perdura até hoje. E nesse tempo todo uma única vez tiveram que correr atrás do “brinquedo” que não sai de seus pés: contra o pequeno Rayo Vallecano, cujo mentor é Paco Jimenez, 44 anos. Ousado e sonhador para muitos, e um malucão para outros.

A  vitória sobre o Rayo por 4 a 0, em 2013, foi o único jogo oficial em mais de 400, em cerca de seis anos e meio, que o Barça teve menos posse de bola que um rival. O pequeno time de Madri teve 53% e chegou a ter 60% em certo momento. Fica mais com a “redonda” nos pés do que o Real Madrid, no Campeonato Espanhol. Entre as grandes ligas da Europa, só fica atrás do Barça e do Bayern de Guardiola na média.

Em Madri, no bairro pobre de Vallecas, local do centro de treinamento do Rayo Vallecano, Paco Jémez atendeu a reportagem. Para ele, o foco é jogo bonito. Como influências estão o Barcelona, de Guardiola, e o passado como zagueiro central de destaque, tendo passagens pela seleção espanhola. “Somos atores com proposta de um filme para o público e me importa o que esse público vai pensar. Quero sair do estádio com os torcedores em pé, aplaudindo o que meu time fez”, falou ao UOL Esporte
 
Há três anos, ele comanda o Rayo Vallecano. Logo na primeira temporada, com a menor folha salarial da primeira divisão, deixou o time em oitavo lugar, sua melhor posição na história, e bateu recordes de pontos conquistados e vitórias. Só não foi para a Liga Europa por conta de impedimento financeiro – a Uefa não permite clubes endividados participarem de competições continentais. No ano passado, foi finalista na eleição de melhor treinador do ano perdendo para o argentino Diego Simeone, campeão com o Atlético de Madri.

Paco é simples. Ao fim da entrevista, vai a lanchonete do clube para almoçar em meio aos sócios. Sob o olhar deles também comanda treinamentos abertos e realiza até três coletivos na semana. 
Só que para alguns, ele é um louco do futebol. Entre os exemplos, estão os fatos de ter feito duas substituições com menos de 25 minutos de uma partida e ter colocado o time ainda mais ao ataque mesmo vencendo o Valencia por 4 a 2 fora de casa na atual edição da Copa do Rei – o duelo terminou 4 a 4 e o Rayo foi eliminado no placar agregado (6 a 5). Com passagem pelo Rayo interrompida por desagradar ao treinador, o lateral direito Arbilla pode ser listado como uma vítima ao ser substituído em dois jogos seguidos ainda nos minutos iniciais. Na segunda vez, chorou no banco de reservas.
 
A equipe de Paco joga sempre com a defesa adiantada, laterais bem abertos e conta com meio-campo de muita mobilidade. O volante e capitão, Trashorras, por exemplo, é quem mais passes dá em média (76) no Campeonato Espanhol, bem à frente de Sergio Busquets (72) e Toni Kroos (69). A tática de posse, sem ligação direta e transição ao ataque em blocos, é imutável. Seja qual for o adversário. E isso é visto como um grande problema atualmente.
 
Agora, Paco luta contra a fama de ser um treinador previsível, que sempre sofre marcação pressão dos adversários. Os raros “chutões” do goleiro Tono passaram a ser comemorados como gol no acanhado estádio de Vallecas. Na questão posse de bola, o time só está atrás do Barcelona. O problema é a 14ª colocação do Espanhol, com 26 pontos, apenas quatro de distância da zona de rebaixamento. A luta no clube é para completar pela primeira vez na história cinco anos seguidos na primeira divisão. 
 
O adeus de Paco ao Rayo acontece ao fim desta temporada. O plano para o futuro é o de seguir na Espanha, e a intenção é a transferência para um clube maior. Entre as especulações, até mesmo o Barcelona, por duas vezes, já foi apontado como interessado na contratação.  “A maioria das pessoas, desde que a Espanha ganhou a Copa do Mundo e duas Eurocopas com futebol de posse e toque de bola, gosta quando alguém aplica esse estilo. Só que aqui é um clube pequeno e essa ousadia tem preço caro, irrita muitas vezes os torcedores”, disse Jesús Colino, repórter responsável pela cobertura do Rayo Vallecano para o jornal As. “Só que tenho certeza que todos vão sentir saudades quando ele for embora”, completou.

Se Paco é mesmo maluco ou não, os torcedores dizem. Mas, para muitos brasileiros uma opinião sua pode significar loucura: ele ignora os 7 a 1 da Alemanha como mostra de decadência e vê o país pentacampeão ainda como espetacular.
 

 

UOL Esporte: Como zagueiro você já tinha característica de sair com a bola pelo chão, jogar adiantado, se esforçando para manter a posse de bola?
Paco: Tudo ao contrário. Mas é que os treinadores antes pediam outras coisas. Os jogadores se moldam com base no que pedem os treinadores. Na época que eu jogava, estava na moda marcar homem a homem, que hoje ninguém mais usa. Eu ia por todo o campo atrás de um jogador só. Na época os treinadores não queriam que corrêssemos riscos. A visão que tenho de futebol atualmente é completamente distinta a da minha época de jogador. Eu digo hoje aos meus defensores coisas completamente diferentes do que me passavam. 
 
E imagino que seu nível de permissão ao erro seja alto...
Paco: Sim! Eu não vou reclamar por errarem coisas que precisam fazer. Vou reclamar quando o erro aparece por arriscarem coisas que não devem fazer. A porcentagem de gols que recebemos por esse risco de jogar com a bola nos pés não é tão alto. Sofremos mais gols por outras coisas.
 
No Brasil, quando olhamos uma equipe dando chutes para todos os lados, se defendendo, dizemos: “joga como time pequeno”. Você acha que o Rayo joga como time grande?
Paco: Eu quero que minha equipe, que é pequena, jogue como grande. Só que não podemos perder a essência do pequeno e correr muito atrás da bola quando não a temos. Pressionar. Com ela, meus jogadores precisam sentir que são importantes. Essa é a síntese de jogo que eu proponho. Um jogador meu, que é um dos menores salários da Liga (Campeonato Espanhol) só tem um momento para demonstrar que é igual ao jogador que ganha 20 vezes mais: é quando está com a bola. Só aceito jogar como grande.
 
Mas essa filosofia está acima dos resultados?
Paco: Sempre. Os resultados não mudam minha maneira de ver o futebol. Quando não vem o resultado, eu trabalho em aprimorar, e não mudar. Te digo que ano passado ficamos em último por diversas rodadas, e me cobravam mudanças. Não fizemos e em uma sequência de 10 jogos, ganhamos sete, empatamos dois e perdemos só para o Real Madrid. Isso para um time pequeno é uma barbaridade. De último, acabamos a Liga em nono. Isso foi uma prova de que o meu convencimento estava correto. 
 
Só que no Brasil, um time que fica em último o treinador é demitido. Muitas vezes ele muda por conta do risco. Aqui você não temeu isso?
Paco: Aqui é igual. Vai para rua quem não tem resultado. Só que eu avisei a todos que não ia fazer mudanças. Se quiserem, me demitam. Eu nunca tive medo de demissão e concordo que se os resultados não aparecem, o primeiro a cair tem que ser o treinador. Só que se eu for demitido, serei por fazer as coisas que creio que devem ser feitas. Sou treinador para fazer uma pessoa que vá ao campo se divirta ao ver o Rayo jogando. Não quero ganhar pontos sem merecimento. Nenhum deles. 
 
Então, depois de ter mais posse do que o Barcelona e o atacar, você conseguiu estar satisfeito mesmo sofrendo a goleada?
Paco: Muito. Tu entendes que ganhar do Barcelona é muito complicado, e assim tem que se contentar com outra coisa. Fazia cinco anos que ninguém ganhava a posse de bolas deles. Olha quantos minutos são isso! Não me valeu para ganhar o jogo, mas me valeu para provar aos jogadores que eles são grandes. Nós também já colocamos pressão no (Real) Madrid aqui e não ganhamos os pontos. No fim das contas, o que deixamos são boas sensações. Elas podem não ser suficientes para ganharmos dos grandes, mas nos fazem ganhar de outras equipes.
 
Mesmo com a torcida não gostando...
Paco: Eu não quero jogar simplesmente bem. Quero que seja bonito para o espectador. E, meu Deus, como isso é complicado. Quando alcanço esse nível, você se apaixona. Claro que quero que minha equipe ganhe. Mas acima de tudo que jogue bem e faça coisas esteticamente bonitas. Me importo com a opinião dos outros. Somos atores com proposta de um filme para o público e me importa o que esse público vai pensar. Quero sair do estádio com os torcedores em pé, aplaudindo o que meu time fez.   
 
Você vê o futebol brasileiro? Tem algum treinador que admira?
Paco: Não vejo futebol brasileiro. Mas estive conversando esses dias com o meu amigo (treinador espanhol) Miguel Angel Portugal, que esteve treinando time no Brasil recentemente (Atlético-PR, em 2014) e ele falou muito bem da Liga brasileira. Disse: “Paco, se tiver a oportunidade, assista. É um campeonato em que há muito talento entre os jogadores”. Só que para nós é um Liga desconhecida. Aqui só sabemos quando aparece um Neymar. E isso é um erro, pois é um campeonato duro, de nível espetacular.
 
Há algum jogador brasileiro que você gostaria de treinar?
Paco: Claro que o primeiro que me vem à cabeça é o Neymar. Ele se encaixou em uma equipe cheia de estrelas, e com o maior do mundo, o Messi. Ele não é só um bom jogador, como também soube conduzir à carreira. Sair de um local em que era a estrela máxima e ir a um clube e saber que ali há mais grandes, não é fácil. Eu acho que ele ainda vai ser o maior justamente por isso. Está sabendo esperar o tempo chegar. Hoje já faz partidas do mesmo nível de Messi e Suárez. Sei que há grandes jogadores do Brasil, mas o Neymar é algo especial.
 
Mas você acredita que seria mais difícil para um jogador brasileiro se adaptar ao que você pensa?
Paco: Eu tive orgulho de jogar com Bebeto, Rivaldo, Djalminha, Donato, Mauro Silva (todos no La Coruña) e o nível técnico é altíssimo. Então, tenho a certeza que para um jogador brasileiro é mais fácil. Essa mentalidade de arriscar, ser protagonista com a bola, é mais rápida de ser absorvida por um jogador brasileiro. Mas é claro que aqui também há uma filosofia de muita correria e trabalho.

Você na vê o futebol brasileiro em crise após o 7 a 1 da Alemanha na Copa do Mundo?
Paco: Não. O Brasil apresenta tanta quantidade de bons jogadores a cada ano que sempre terá seleção forte. Vocês se lembram do 7 a 1, mas se esquecem que chegaram a uma semifinal de Copa. Isso não é um fracasso. Pegue como base a nossa seleção espanhola e veja como nos custa o processo de formar uma seleção vencedora, como essa ganhadora da Copa e duas Eurocopas. O Brasil vai sempre chegar forte em todas as Copas por conta dessa facilidade de produção do bom jogador.
 
E encontra alguma explicação para não ter treinadores de sucesso brasileiros na Europa?
Paco: Sinceramente, não sei. Quem sabe o brasileiro sofra mais ao sair do país. E é uma verdade que não aparecem treinadores brasileiros por aqui. Bons treinadores acredito que tenham. Às vezes, a Liga lá é tão forte, bem remunerada, e não há a necessidade de ir a outro país.
 
Seu nome já foi especulado no Barcelona. Você não vê esse time como o ideal para como pensa futebol?
Paco: Que por ideologia de jogo me encaixo bem? Sim. Há treinadores que se encaixam melhor em algumas equipes do que outras. Isso é normal. Essa filosofia de trabalho do Barcelona é a que eu gosto e tento levar aos meus times.