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Ele conquistou tudo pelo Grêmio. Agora quer passar este espírito aos jovens

Ex-zagueiro Luciano Dias quer passar o "espírito do Grêmio" para os jogadores da base - Rodrigo Fatturi/Divulgação/Grêmio
Ex-zagueiro Luciano Dias quer passar o 'espírito do Grêmio' para os jogadores da base Imagem: Rodrigo Fatturi/Divulgação/Grêmio

Marinho Saldanha

Do UOL, em Porto Alegre

19/03/2015 06h00

Ele esteve no Grêmio por 17 anos. Dos 10 aos 27, Luciano Dias, conhecido na época apenas pelo primeiro nome, vestiu as cores do Tricolor e foi muito feliz. Conquistou, só nos profissionais, cinco Campeonatos Gaúchos, duas Copas do Brasil, um Brasileiro, uma Libertadores e uma Recopa. Conheceu e participou da consolidação do 'estilo Grêmio', não apenas na forma aguerrida de jogar, mas na imposição, no ímpeto, no respeito pelo símbolo do clube. 

Hoje aos 44 anos, já aposentado dos gramados e após trabalhar 10 anos como treinador, quando subiu seis vezes de divisão e conquistou um título, ele quer passar esta mentalidade vencedora e dividir o 'espírito do Grêmio' com os jovens das categorias de base do clube. Coordenador do Departamento de Formação desde o fim do ano passado, sua meta é construir um grupo que possa tornar o clube tão vencedor quanto foi no passado, na sua época. 
 
Ele recebeu a reportagem do UOL Esporte e mostrou um pouco do que pensa para o futuro gremista na tarde desta quarta-feira. E entre os objetivos, o principal é mostrar 'o que é o Grêmio' a jogadores de diversos lugares do país mas que buscam formação no Tricolor.
 
UOL Esporte: Como funciona o trabalho de captação de jogadores e análise para base, além de auxílio nos primeiros passos dentro de campo? 
Luciano: Nosso departamento tem o setor de captação, com pessoas que atuam no mercado há bastante tempo e acompanham os atletas. Agora em janeiro tivemos várias competições e profissionais nossos começam a monitorar os atletas que se destacam. Às vezes os muito jovens trazemos para acompanhamento, um 'estágio'. Eles convivem no clube um período e retornam para suas escolas. Os pequenos são assim. Com os mais velhos já fazemos avaliações a partir da Sub-14. Aqueles que se destacam não só em competições, mas também em contato com escolinhas. Há vários projetos sem time profissional. Em Ivoti [cidade gaúcha], do Sandro Blum [ex-jogador], não tem profissional. Em Pelotas, o Fragata, do Émerson [ex-jogador] também não tem profissional. E temos exemplos assim no Brasil todo. Existem contatos com estes times. Se eles não poderão ter profissional, podem fazer parcerias. É outra maneira. Sempre com contatos e relacionamentos. Alguns de muito tempo, outros nem tanto. Vão se fortalecendo e ganhando credibilidade com os trabalhos das equipes. 
 
UOL Esporte: Você foi jogador. Esta experiência pode agregar no trabalho de base? No olho clínico e também na construção da carreira destes jovens? 
Luciano: Acho que muito. A partir do momento que você foi atleta, tua vivência dentro de campo te dá muitas condições. Não quer dizer que só o ex-atleta tenha este olho clínico. Tem gente que também é capacitada para isso. Mas a experiência ajuda muito. No meu caso, eu vivi o Grêmio desde os 10 anos na escolinha até o profissional. Passei por todas as categorias. Sei como é a ansiedade e os passos que eles precisam dar. Essa experiência ajuda também a ser uma referência para os meninos. Eles dão uma atenção maior porque é alguém que viveu o que eles vivem. E eu também sou treinador. Estou coordenador do Grêmio mas até o ano passado fui treinador. A experiência como atleta, 10 anos como treinador, essa vivência no clube, posso contribuir na orientação com os meninos. Na análise técnica, e também por ter vivido dentro do Grêmio muito tempo. A importância do clube, a questão de passar para o atleta o perfil Grêmio, o espírito... Vem muitos jogadores de fora, e quero trabalhar bastante isso. Tenho como auxiliares o João Antonio e o Cacau, queremos passar isso para o atleta. De vivenciar, de incorporar o espírito do Grêmio. Isso é muito importante para crescer no clube. Vamos trabalhar muito isso, além da visão mais crítica, a vivência do clube pode agregar bastante neste processo. 
 
UOL Esporte: É verdade que há pais de atletas e empresários que pressionam para utilização de jovens na base? 
Luciano: Não participei disso ainda. Cheguei agora no Grêmio. Se ouve falar muito disso. Não é pressão, pode ter uma intervenção, uma opinião, mas não pressionar. Estamos falando de Grêmio. Não preciso falar mais nada. Um time de tradição, centenário, que já revelou muitos jogadores. É fundamental o atleta entender que aqui é meritocracia, merecimento. Não tive pressão. Estou começando a conhecer os investidores. Não conheço todos ainda, nem atletas, nem agentes. Mas uma coisa que sou bem claro e transparente é que estou vendo aqui é o Grêmio. Não Zezinho, Pedrinho, Joãozinho... Vou dar a mesma atenção e fazer as mesmas cobranças para qualquer atleta porque somos o departamento de formação do Grêmio. Isso exige condutas, produção. Conversei com todos na reapresentação, que todos tenham seu projeto para o ano de 2015 e eu quero ver produção, um time rendendo, um atleta evoluindo, para que possa a cada ano dar um passo a mais para ser o profissional. E qual a produção do atleta? Treinar bem, fazer o que o técnico pede, ter um comportamento adequado nas categorias de base, e é isso. Entrar no clube, vivenciar, focar no que quer, o sonho de ser profissional cumprindo etapas e andando na linha que estamos propondo a eles. 
 
UOL Esporte: Se fala muito na dúvida entre prioridades da base. Formar jogadores ou conquistar títulos. Qual sua opinião sobre isso?
Luciano: As pessoas aqui no Brasil às vezes se contradizem. Todos falam em formação, mas pensam no título. É óbvio que quero vencer. Me criei aqui no Grêmio e isso está em mim. Me acostumei a conquistar títulos. Graças a Deus estive em um período fantástico aqui. Fui treinador por 10 anos, tive seis acessos e um título. Isso está no meu DNA. E quando falo em espírito do Grêmio, é de vencedor. Mas não vencer a qualquer custo. Deixei bem claro a todas as comissões técnicas que não quero ver o time vencendo a qualquer custo. Quero ver vencendo porque fizemos um bom trabalho, temos um time qualificado. Não podemos dizer que não queremos vencer. O atleta precisa ser competitivo, viver isso desde a base. Para isso tem que buscar a vitória para se tornar competitivo. Trabalhamos isso no dia a dia. Competir por um lugar no time, ambição de vencer o adversário. Vencer os torneios para seguir adiante, ter oportunidade de jogar mais. Só se ganha isso jogando. Competitividade e vontade de vencer tem que estar no DNA do atleta. Mas o título a qualquer custo, não. Porque senão estou me contradizendo. Sou contratado para gerir a base, para formar atletas. Isso está bem claro aqui. Somos um departamento de formação. Não quero que meu time faça isso. Competitividade sim, preocupação em vencer, não. Falei com Felipão, ele me deu este apoio. É importante falar isso com a imprensa, nossos diretores têm que entender isso. É formação o objetivo, o título vem em segundo lugar. Mas a vitória no campeonato é uma resposta do que foi feito, o título virá naturalmente. Não quero troca de função por estratégia de jogo. Os jogadores mais jovens, de 14, 15, 16 anos, não priorizar a vitória na partida, mas o treinamento, não apenas para o jogo, mas para o futuro do atleta. 
 
UOL Esporte: Os jovens que subiram no começo deste ano estavam prontos para aguentar tamanha pressão no profissional? 
Luciano: Fica difícil fazer esta colocação em relação a este grupo. Cheguei ao Grêmio no ano passado. Mas temos que ter claro o ponto importante que é a relação que tenho com Felipão. Conversamos muito e discutimos todos aspectos sobre os atletas. Temos anualmente um seminário na base. Neste ano palestraram para nossas comissões técnicas o Felipão, o Darlan [Schneider, preparador físico] e o Rogério [Godoy, preparador de goleiros]. É uma coisa que está muito clara, a visão de formação e a necessidade do profissional. Pronto ou não? Temos que debater dia a dia. Hoje conversamos sobre jogadores para o treinamento. Leva este, não leva aquele, este está melhor do que aquele. Este entendimento é o ideal para o processo de transição do atleta e o menino chegar numa condição mais próxima de representar bem o clube no profissional. Mas cada caso é um caso. Alguns precisam de mais tempo, talvez não estejam preparados para pressão e cobrança. Alguns têm irregularidades, momentos muito bons e outros não tão bons, e isso no profissional pode atrapalhar. Mas essa abertura com Felipão é importante para trabalharmos juntos. Acho que fundamentalmente, o que pude observar, e o Felipão cobrou, é a situação de fundamentos na base. Vimos isso, e isso não só no Grêmio, mas na maioria dos clubes, e é uma dificuldade que temos. Se valoriza muito a questão tática, mas esquece-se dos fundamentos técnicos. Às vezes o atleta têm o entendimento tático, mas não técnico, e isso se trabalha na base. É uma coisa que me comprometi de dar prioridade. 
 
UOL Esporte: A base precisa jogar no mesmo esquema do profissional, ou é mito? 
Luciano: Na minha concepção, falando culturalmente, é mito. Tive essa conversa com Felipão para ver o que ele está querendo e aproximar os trabalhos. Ele concorda comigo. Não temos essa cultura no Brasil. Nosso futebol é diferente do europeu. Joguei dois anos na Bélgica e lá é assim, o menino do Sub-12 faz o mesmo treino do profissional. Produção em escala. E aqui não. Não temos essa cultura ainda. A questão individual do nosso atleta, com condição técnica superior, não é assim. Temos que ensinar tática mas não tirar isso, o lado do improviso, do inividual. Se valorizamos a parte individual, não temos como exigir isso. Temos que analisar o elenco, priorizar a qualidade individual dos atletas dentro da sua categoria. Montar um esquema de jogo em que o treinador consiga tirar o melhor dos atletas. A Sub-17 pode jogar de uma maneira, o Sub-19 ter atletas para jogar de outra forma e o Sub-20 de outra forma. Cada um tem liberdade para montar a sua melhor estrutura, mas estes atletas têm que vivenciar outras situações táticas. O meia pode jogar aberto, no centro, de volante, vivenciando outras situações dentro de seu setor. É mito, não vou impor aos meus treinadores usar o mesmo sistema. Cada um usa o que tem de melhor e aperfeiçoa seu elenco para que os jogadores cheguem ao profissional em condições de atender o treinador.