7 a 1 não jogou só a seleção na lama. Psicóloga de Felipão também sofre
Ao final da conversa com a reportagem do UOL Esporte pelo telefone, a psicóloga Regina Brandão fez um alerta: “Juízo, hein? Veja bem o que você vai escrever sobre mim.” O pedido é um sinal claro de que ainda está aberta a chaga provocada pela participação da seleção brasileira de Luiz Felipe Scolari na Copa do Mundo.
Sete meses após o fim do Mundial, Regina contou que temeu pela carreira, dado o volume de críticas sobre o estado emocional dos jogadores nos momentos decisivos. “Duas coisas que mais prezo na vida: minha família e minha carreira. Eu vi meu nome na lama depois daquela Copa”, revelou.
“De repente, todo mundo entendia de um assunto que eu passei minha vida inteira me dedicando, estudando e pesquisando. Encontraram meu currículo na internet e viram que fiz um estágio em Cuba, do qual me orgulho muito, sobre psicologia esportiva, no início dos anos 1980. Encheram meu correio com mensagens do tipo ‘Volte para Cuba’ e coisas pesadas. Parecia que o governo tinha criado um programa ‘Mais Psicólogos’ depois do ‘Mais Médicos’, relembrou, já com um certo bom humor.
Regina assumiu o papel de protagonista na Copa após a seleção brasileira começar a naufragar nas próprias emoções no duelo contra o Chile, nas oitavas de final, em Belo Horizonte. O capitão do time de Felipão se negou a bater pênalti, o goleiro chorou no campo, outros fecharam os olhos na hora das cobranças e desabaram em prantos após a sofrida classificação.
Felipão, então, entendeu que o problema do time não era técnico ou tático, mas psicológico. Convocou Regina e sua equipe de psicólogos para conversar individualmente com os atletas na Granja Comary, em Teresópolis. “Não tinha como dizer não para o Felipe [Felipão] naquele momento. Ele já tinha ficado um dia inteiro na São Judas Tadeu [universidade em que ela dá aulas] fazendo palestras e conversando com alunos e professores. O dia inteiro, não cobrou um centavo. Eu sou amiga dele e eu queria ajudar meu amigo”, justificou-se.
Como se sabe, nada mudou, o Brasil foi humilhado em campo por Alemanha e Holanda, e Regina afirmou que também pagou por isso. Segundo ela, já era tarde demais para tentar controlar as emoções em meio ao Mundial. “Um trabalho psicológico com o atleta tem que começar muito, mas muito antes do campeonato. Um ou dois anos antes, para que haja uma embasamento nas ações. O que fizemos ali foi uma ação pontual”, explicou.
Estresse pós-traumático
“Jamais enfrentei algo tão emocional em 30 anos de carreira. A Copa do Mundo me deixou uma grande lição. Além da competitividade, é preciso mostrar combatividade, que é aquele algo a mais, é ter algo ainda maior para se tornar ainda mais competitivo”, relatou.
Desde a Copa, contou, conversou apenas uma vez com Felipão. Segundo ela, o treinador dificilmente vai superar em definitivo o trauma dos 7 a 1. “Foi legal a atitude dele de assumir o comando do Grêmio 15 dias depois do fim da Copa, para encarar a situação, não fugir ou se esconder. Isso ajuda na recuperação”, explicou.
Por compromisso profissional, ela não pode revelar os casos dos jogadores e do treinador.
Passado a gritaria geral pós-Copa, a psicóloga afirmou que conseguiu restabelecer o curso natural de sua carreira e hoje é convidada para fazer palestras sobre o “Case Seleção Brasileira-2014” fora do país. Já passou por Porto Rico, Portugal, Itália e Espanha relatando a experiência do Mundial-14. “Dentro da área acadêmica, não existe ninguém com a base de dados que tenho. São mais de 1.000 jogadores estudados ao longo dos anos”, contou.
Em maio, promoverá um seminário e convidou o técnico Tite para dar palestras, na universidade que leciona, em São Paulo. Ela também trabalhou com o treinador corintiano quando dos tempos de Palmeiras, há quase 10 anos.
Surto olímpico
Atualmente, ela trabalha com atletas paraolímpicos do atletismo, judô e esgrima em cadeira de rodas. Prepara psicologicamente os competidores com a antecedência que acredita que poderia salvar a seleção do desastre na Copa. Mas alerta para os sintomas semelhantes aos apresentados por Thiago Silva, Julio Cesar, David Luiz e Neymar durante a Copa.
“O povo latino é muito emotivo. Entre os latinos, o brasileiro é especialmente emotivo. E tem por hábito encarar as adversidades como se fosse algo negativo, quando nem sempre é. Então, o atleta que está acostumado a competir um Troféu Brasil diante de arquibancadas vazias vai se ver numa arena com 10 mil, 20 mil pessoas, não têm jeito, a emoção fica à flor da pele”, previu Regina.
Ela avisou que está à disposição para ajudar o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) a contar sua experiência na Copa e tentar evitar nova tragédia esportiva diante da torcida brasileira.
E depois de mais de uma hora de entrevista, perguntada se havia algo que ela tivesse dito na conversa com o UOL Esporte que não poderia publicar, Regina Brandão autorizou: “Pode publicar tudo o que falei, tenho mais de 30 anos de experiência, sei do que estou falando.”
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