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Prêmio: brasileiro mostra como 7 a 1 cicatrizou vergonha alemã pelo passado

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

01/04/2015 06h00

Muito além do futebol, o 7 a 1 aplicado pela Alemanha no Brasil, na semifinal da Copa de 2014, repercutiu em diversas camadas, nas sociedades de ambos os países. A vergonha dos brasileiros contrastou com uma rara exaltação dos alemães como um povo, deixando a culpa (e um outro tipo de vergonha) pelos problemas causados na 2ª Guerra Mundial de lado por alguns momentos. Atento a isso, um publicitário se tornou um dos poucos brasileiros a comemorar aquela derrota, ao vencer um prêmio de cinema.

Ricardo Wolff mora em Berlim desde 2006. Lá acompanhou a Copa em que a Alemanha falhou na conquista do título em casa. Desta vez, pôde ver não só os alemães em festa, mas bandeiras espalhadas pela cidade, algo raro. Mas a festa alemã durou poucos dias. Sua ideia, então, foi produzir um curta-metragem em que o personagem principal tentasse manter viva a comemoração.

O resultado do projeto junto ao fotógrafo alemão Sven Schrader, foi "A Glow of Happiness" ("Um brilho de felicidade"), que venceu como melhor curta-metragem do International Football Film Festival, concorrendo com outros 200 títulos.

Apesar de o personagem principal – interpretado por Karsten Cizmowski  -tentar manter a festa do título, o clima no vídeo de seis minutos é, também, de melancolia. Sem falas, a trilha sonora da produtora brasileira MugShot dá o tom do vídeo, enquanto o alemão espalha imagens da conquista de Müller, Götze e companhia por Berlim.

“Esse filme não é bem sobre futebol. Envolve muito o âmago do alemão. Por não saber lidar com país direito. Envolve mais coisas que o futebol em si... A ideia surgiu de forma muito espontânea. Eu estava conversando com meu pai, dizendo que o clima da Copa ainda não tinha chegado a Berlim. Depois, começou, e eu fui reparando que as pessoas estavam colocando bandeiras no carro, nas janelas, e isso não é uma coisa usual da cultura alemã. Então, fui tirando fotos disso”, conta Wolff.

Ele explica: “Os alemães da geração que tem uns 30 anos hoje cresceram com remorso, uma certa culpa por serem alemães, mesmo não tendo passado por tudo aquilo. A Copa de 2006 foi a primeira vez que meus amigos tiveram memória de que puderam tirar a bandeira na janela. E agora, vi ainda mais”.

O diferente, que o inspirou a escrever a história, foi ver as cores alemãs sumirem rapidamente – enquanto a festa por um título de Copa no Brasil repercutiria por meses. Wolff nunca havia trabalhado com cinema, apesar da experiência com roteiros para comerciais. Ele então se juntou a Sven Schrader e iniciou o projeto, trabalhando no roteiro, encontrando um ator e realizando as filmagens nas ruas da capital alemã.

“Foi um filme bem de ‘guerrilha’, ao ar livre, com um ator. Eu até contraceno, na cena do metrô, dando uma improvisada, porque não tínhamos outro ator (risos). Ficamos muito felizes com o resultado”, comemora Wolff.

Mas e o 7 a 1? “Essa é a brincadeira que eu faço. Pelo menos um brasileiro ganhou alguma coisa com o 7 a 1 e a Copa”, ri Wolff. “Eu cheguei em 2006, zoei todo mundo por ter perdido em casa e eles falaram para mim: ‘calma, calma!’. A Alemanha já criava um time, parecia que eles já tinham a sensação de que desta vez ia vir o título.”

Wolff conta que a grande surpresa foi o placar elástico sobre a seleção brasileira, o que ficou tão marcante quanto o título, ou até mais. É claro que ele acabou levando o troco. “Eles não sabiam nem como falar comigo depois do jogo. Analisando os fatos, eu sabia que o Brasil ia tomar um chocolate, mas futebol é coração, eu tinha até apostado 50 euros, fui torcer cegamente.”

O fato de ter vencido a concorrência de outros 199 filmes de 16 países já fazem Ricardo Wolff se animar com a ideia de uma nova produção. O brasileiro ainda não tem planos, mas espera encontrar uma ideia logo para filmar novamente. “O que temos certo, apenas, é que estamos gostando de surfar esta onda...”.